JOÃO PAULO CUENCA
João Paulo Cuenca (Rio de Janeiro, 4 de agosto de 1978) é um escritor e cineasta brasileiro.
É autor dos romances "Corpo presente" (2003). “O dia Mastroianni” (2007), “O único final feliz para uma história de amor é um acidente” (2010) e "Descobri que estava morto" (2016), eleito o melhor romance do ano pelo Prêmio Literário Biblioteca Nacional.
Seus livros foram traduzidos para oito idiomas e tiveram os direitos comprados por onze países. Em 2007, foi selecionado pelo Festival de Hay como um dos 39 jovens autores mais destacados da América Latina e em 2012 foi escolhido pela revista britânica Granta como um dos 20 melhores romancistas brasileiros com menos de 40 anos. Mais em: wikipedia
Extraído de
POESIA SEMPRE. Ano 12. Número 18. Setembro 2004. Revista trimestral de poesia. Editor Luciano Trigo. Rio de Janeiro, RJ: Fundação Biblioteca Nacional, 2004. Ilus. Ex. bibl. Antonio Miranda
“Mentirinhas”
1.
por trás das paredes
dos prédios altos
fincados nos topos
dos morros
das coberturas
com piscina
dos conjugados
sem vergonha
dos carros girando
o mundo sob rodas
das janelas
e dos monitores apagados
do rosto triste
da menina na praia
sonhando lençóis limpos
e cabelos claros
da maldade das crianças
ricas e pobres
gritando presentes
pedindo desculpas
do sangue derramado
no meu tapete
dos pontos abertos
que não fecharam
dos beijos que deram
para não dormir sozinhos
do sonhos que sonharam
pra esquecer de morrer
da música que embala
um filme num cinema vazio
da prece que ecoa
numa igreja vazia
do latido de todos os cães
às quatro e meia da manhã
das ondas que quebram vazias
às quatro e meia da manhã
dos quartos de hotel vazios
às quatro e meia da manhã
do samba triste e sem dono
às quatro e meia da manhã
dos bares e garrafas vazias
às quatro e meia da manhã
por trás de tudo isso
às quatro e meia da manhã
tem eu
e você
2.
vivo contando mentiras
a mim mesmo
desde que você me ensinou
ser feliz é saber mentir
a si mesmo
3.
depois do divórcio
dormiu e acordou
sozinha na casa grande
tinha quarenta e cinco
nunca havia passado
uma noite inteira
sozinha
4.
quis gostar do namorado
como quem gosta de um peixe
de estimação
afogou o marido na banheira
5.
a médica examinou com cuidado
diagnosticou miopia emocional
disse: não sabe fazer escolhas!
seu da minha burrice e dou razão
mas é porque sei bem
todas elas no final dão errado, doutora
(e tem remédio pra isso?)
6.
abandono esse bairro
como quem se despede
de um amor estragado
saio de copacabana agora
mas quando copacabana
vai, afinal, sair de mim?
Página publicada em junho de 2018
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