FLAVIA SAVARY
Flávia Savary nasceu no Rio de Janeiro. Escreve para crianças, mas também para adultos, em quase todos os gêneros: poesia, romance, teatro, conto, crônica e o que mais aparecer. Também ilustra, compõe trilha sonora de peças teatrais, faz palestras sobre literatura, conta histórias, etc. Em 1980, formou-se em Letras, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. A partir de 1996, começou a ganhar prêmios em literatura, que já somam mais de 60 no Brasil e exterior. Para saber mais visite o site www.flaviasavary.com.
Extraído de
POESIA SEMPRE. ANO 8 . NÚMERO 13 – DEZEMBRO 2000. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Ministério da Cultura, Departamento Nacional do Livro, 2000. ISBN85-901646-1-6 Editor Executivo Ivan Junqueira. Ex. bib. Antonio Miranda.
Canto de sereia
Canto de sereia
Quantos oceanos
cabem numa concha?
E por que só canta
quando vazia?
Desconfio
que ali vivia
uma sereia.
Mudou de domínio -
mora agora
num condomínio.
Mas, na mudança
de lembrança,
deixou dança
e cadência,
eco e ressonância
de sua diária
cantoria.
Quantas?
Quantas partes tem o bolo
quando o dono
é o mais guloso?
Quantas rimas tem o verso
quando o poeta
começa pelo lado inverso?
Quantas notas tem o cancioneiro
quando o autor
só pensa em dinheiro?
Quantas vidas tem o gato
quando é o rato
que o faz de gato e sapato?
Quantas perguntas suporta
quando é o mestre que espera
pela resposta... e vale pra nota?
Caminhos
Os caminhos seguem
diferentes caminhos.
Tem os sem eira nem beira,
e os que se perdem na poeira.
Tem os aéreos, etéreos,
e os caminhos de ferro.
Há os que são subterrâneos
e os que são mediterrâneos:
brincam de água, são quase crianças.
Tem os retos, sem curvas -
esses não gostam de mudanças.
Uns são solitários, ermos;
outros se enchem de romeiros.
E aqueles outros,
os que não estão no mapa?
Caminho de fogo, caminho da onça,
caminho de vento, caminho da roça.
Pra quem quiser, tem caminho.
Basta tino e seguir o próprio destino.
Verbete
A palavra saudade
só tem em português:
bonita exclusividade
ou triste insensatez?
Lua cheia
A lua cheia —
moeda de prata,
roda primeira,
lanterna da madrugada.
Finge que some e não some,
olho de dragão insone.
Satélite em mulher mudada.
Vem pra rua...
esquece que está nua.
Que fazer? É de lua!
Ah, Fujiama
Já reparou
quão belos são
os glacês glaciais
dos cumes do Japão?
Doce de beijo
As doçuras do açúcar
me enjoam e entopem.
Mas o mel do seu beijo
nem pro beija-flor eu deixo.
Pequeno artista
Aprecio o que vejo:
que artístico riscado
sobre a areia deixado
pelo passeio do percevejo.
Compasso
Por que a urgência?
Pra que o galope?
Se pinga sem pressa
o tempo da infância
num manso trote.
Aranha do deserto
Pobre aranha do deserto!
Presa em sua própria teia,
passa a vida sem refresco
matando a sede com areia.
Para Monet e para Lynnea
Qual tua matéria, pintor?
Não vi tinta em tuas telas,
nem óleo em tuas pinceladas.
Tive a impressão
de flores ver: ninféias,
ninféias desmaiadas.
Mas quando me aproximei,
voaram assustadas —
eram borboletas de luz,
delicadezas congeladas.
Página publicada em maio de 2018
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