POESIA DA FASE ROMÂNTICA
DUTRA E MELLO
Antônio Francisco Dutra e Mello (Rio de Janeiro, 8 de agosto de 1823 - Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 1846) foi um poeta brasileiro. Deixou poesia romântica dispersa. Cedo perdeu o pai, e graças a seu irmão pode continuar seus estudos. Manteve inúmeros contatos com sociedades científicas e literárias. Fonte: wikipedia
Extraído de:
BANDEIRA, Manuel. Antologia dos poetas brasileira da fase romântica por Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1937. 314 p. 16,5x24 cm.
A MELANCOLIA
Inspiração poética oferecida ao meu amigo o sr. Santiago
Nunes Ribeiro
O vento já mal suspira,
O mar frouxo murmura.
O céu já todo se cobre
Do manto da noite escura.
Os ecos emudeceram,
Os rebanhos se afastaram,
As mimosas, tenras flores
A beça já curvaram.
Nenhum som quebra o silêncio
Des sítio venerando,
Nem sequer ouço as pisadas
Daqueles que vão passando.
Frondosos ramos de cedro,
Densas copas da mangueira
Mal se agitam pelo sopro
Da mansa brisa fagueira.
E surdamente gemendo
Uma fonte apenas ouço,
E o triste piar de um mocho
Naquele vasto pedrouço.
A lua, que já brilhava,
Pouco a pouco se escurece
E meu coração aperta,
E minha alma se entristece.
Sombrias ideias vagam
No sombrio pensamento,
Como nuvens carregadas
Impelidas pelo vento.
E vão, e vêm, se cruzando
Entre mil ternas lembranças,
E minha alma vai passando
Por sucessivas mudanças.
Tudo em mim já é tristeza;
Minha alma já se angustia.
E és tu, és tu que me afliges,
Saudosa melancolia.
Oh! quem deu-te o verniz maravilhoso
Que lanças nos meus ternos sentimentos?!
Oh! donde se origina essa tristeza
Com que minha alma oprimes?
E porque lhe apresentas longo e vasto
Horizonte de fúnebres ideias?!
Que vês tu no passado e no futuro?
No passado talvez muitos pesares;
No futuro, quem sabe? — infindas mágoas.
Bem como sobre a matizada tela
Onde ousado pincel derrama vida
Negro véu transparente se lançasse,
Assim tinges de pena
Inda mesmo o prazer, inda a ventura.
Embalde o coração manso e tranquilo
Quisera desfrutar a paz serena;
Um vago sentimento indefinível,
Um peso d´alma, um não sei quê de triste
Me convida a gemer, aos ais me chama,
E um pouco se deslizam ternas,
Involuntárias lágrimas nas faces,
E eis-me entregue à amargura, entregue ao pranto.
Quando lá n´alta noite, como agora,
Deixando o leito a natureza eu busco,
Mais e mais me redobra
A maviosa dor que em mim se abriga.
Entregue à reflexão neste silêncio,
Espraia-se minha alma documente,
Como o lânguido mar que, murmurando,
Um tributo de escumas oferece
Às penhas que o rodeiam.
E que me inspiras tu, melancolia,
Que fazes pressentir, que vens lembrar-me?
Um prazer que não chega — a morte instante;
Os desgostos da vida — à eternidade.
Silêncio, ó lira, silêncio!
Cala-me o som que feriste:
Minha alma ouvi-lo não pode,
Ele é triste e mais que triste.
Bem si, bem sei donde nasce
A minha interna agonia;
Bem sei, bem sei porque sofro
Acerba melancolia.
E não vês tu, minha alma, quem te causa
Esse vago desejo que te punge?
Não vês porque suspiras quando, olhando
Pra a abóbada celeste, consideras
Na ventura dos seres a povoam?
Peregrina vagando
Sobre a terra do exílio, oh! tu suspiras
Quando cravas no céu lânguidos olhos;
Macerada dos golpes da desgraça,
Caírem junto a ti bem como as flores
Com que a brisa da tarde junca a terra,
Tu choras de saudade; ou pressentindo
Um mal com que te acena atroz futuro,
Tu de lanças num mar de mil angústias.
E qual nos ares vaga incerta a pluma,
Cedendo à força que pra a terra chama,
E sem vigor que oponha à resistência
Que o éter oferece:
Tu nascida nos céus, os céus procuras;
Tu buscas solitária cá na terá
Uma imagem sequer dessa ventura
Que devias gozar e que perdeste.
E como a frágil pomba sequiosa
Que esvoaça entre penhas escalvadas
Buscando mitigar a sede ardente,
Desfalece inanida e cai por terra:
Assim com dor tu provas
Quantos bens falso o mundo te apresenta,
E da morte o amargor em tudo encontras.
Tua existência arrastas suspirando,
E à borda do caminho alveja a tumba.
Ah! Como não desejar
Romper a térrea prisão
Que nos impede o voltar
À celeste habitação?
Ah! como viver sem dor
Neste desterro da vida!
Ah! como não suspirar
Por essa pátria querida.
Lá somente venturosa
Nossa alma ser poderá,
E vida eterna dos justos
A justa porção será.
Enquanto, pois, cá na terra
Espero aquele momento
Em que minha alma adejando
Voará pra o firmamento;
Enquanto as ondas do tempo
De sustentar-me não cansam,
E nas plagas da outra vida
Por uma vez não me lançam;
Pesada e negra tristeza
Meus dias enlutará,
E apenas cantos de dor
A minha alma entoará.
Não deixarei de gemer
Nas horas de solidão;
Não deixarei de penar
Dentro do meu coração.
(Em Minerva Brasiliense, n. 13,
1º de maio de 1844.
Página publicada em junho de 2015
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