DICÉA FERRAZ
FERRAZ, Dicéa. Poesia no varal. Rio de Janeiro: Atelier de Arte, 1964. 74 p. ilus. 23x31 cm. sobrecapa. Ilustrações de Luis Jasmim. Tiragem: 700 exs. numerados, os 40 primeiros com dedicatórias. Exemplar n. 230 Col. A.M. (EE) Uma bela edição.
A um Amigo Separado
Sendo também mesmo barro
como não compreenderei,
meu amigo, que os caminhos
que tentavas percorrer
ao lado dela eram becos?
Valeria eu te dizer
de laços indissociáveis
de ontem - intenções tão honestas
quando a força da corrente
está em seu elo mais frágil?
Irremediável
Não venhas não!
— eu supliquei-lhe.
Mas veio, sim.
Parca em ilusório.
Sem foices
nem espectros
nem bronzes fúnebres
nem despedidas teatrais.
Não houve mise-em-scène.
Veio, sim.
Com muitas dores,
sondas, soros e suores,
gemido muito
e muito cansaço.
Veio, sim:
crua.
E foi só.
FERRAZ, Dicéa. Precanto. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1967. 158 p. Capa e ilustrações de Eduardo Bicudo de Castro. 16x23,5 cm. Col. A.M. (EE)
MENINO MATÉRIA PLÁSTICA
... que foi transistorizado
nessa infância teleguiada.
Você que entende de tudo,
jatos, cosmos, megatons:
Algum dia viu bonina,
verbenas, jasmim-do-cabo,
dama-entre-verdes, jacintos ?
Já sentiu a dor que a roça
injeta numa sanfona ?
Você sabe que o saci
nasce em gomo de taquara
e se não mexer farinha,
bem depressa, a cola embola?
Com que bola é que o marraio
faz a búrica, no gude?
Ai, saber o que é torresmo,
brevidades, canjiquinha,
se queimar com goiabada
num tacho fogão de lenha
fugir de zangão zangado,
de cobra, de touro brabo !
No olhar do sol ver as horas
e a horas da madrugada
se espojar dentro da aurora
num pasto capim melado
e se largar ruminando
leite cru, espuma e orvalho.
Deixar a chuva criadeira
te penetrar viva seiva,
saber a terra com vida,
sentir a terra no cio,
germinar vivência boa.
Pobre menino que nunca
pôde ser irmão de um rio !
Saber que se tem um rio,
segredar à beira-rio,
abeirar-se em confidências,
rolar nele toda a infância...
Página publicada em agosto de 2012
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