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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
 

DAISY JUSTUS

 

Psicanalista, poeta, Mestre em Antropologia Social (UFRJ), pesquisadora da articulação entre literatura e psicanálise e orientadora de grupos de estudos nesta área. Responsável pelo Programa Cidades Literárias, que promove viagens e cursos sobre escritores e/ou poetas que tiveram forte ligação com sua cidade.   Biografia em Biografia: em Linkedin..

 

Texto e poemas extraídos de

 

 

POESIA VIVA em revista.  v. 6 / Leda Miranda Hühne et al.  Rio de Janeiro: Uapê, 2010.
166 p.   

  

TERRA E ÁGUA
 

sem a transparência dos vidros e das fontes
a chuva cai. Seu ruído apaga
outros ruídos. Um segredo sem
mistério e juramento é levado
 


pela intimidade da água com
as folhagens — pela serenidade de um
jardim inscrito como verso

 

com portões retos que alongam
sua sombra na praça de terra

 as luzes iniciam os riscos no ar
as palmeiras sacodem os insetos
absorto o lago apenas se deixa molhar

 

 

A SOLISTA

 

tinha sido solista no coral da escola

era apaixonada por tudo que vinha do Oriente

 

o rosto opaco da mãe a visitava com frequência
não quis conviver com o novo romance do pai

 

dos investimentos no mercado financeiro
fez seu enredo
mantinha as janelas sempre fechadas

 

à noite

ao ler os versos de Kaváfis
buscava um lugar
seguro e quente
por um instante, só

 

 

AFINAÇÃO

 

como uma linguagem de perfumes úmidos que
falava de felicidade e indiferença
derramou com seus olhos profanos
instantes de alegria
depois arrependido calou

 

— Obrigado, não tenho
audácia
nem o direito à coisa amada
o coração necessita de afinação
como os violinos

 

Poemas de Daisy Justus In Sala de ensaio

 

DA SALA DE ENSAIO, POR ONDE O PENSAMENTO NÃO SE TRAMA NUMA LINHA

Solange Rebuzzi

 

Há alguns personagens à nossa espera no livro Sala de ensaio, de Daisy Justus. Eles deslizam pelas linhas dos versos vestidos com uma voz — feminina ou masculina —, e nos contam as coisas da vida, as coisas da casa, os "pormenores", o "desalento". Fui percorrendo com essas vozes o "texto da pele", e na "rotina" aonde, por vezes, também circulam as despedidas, li que "faltavam algumas pedras nas calçadas desviadas/ ou cegas de sua função".

Não sabemos nada de um livro quando iniciamos a sua leitura. Mas, em poesia, podemos buscar constatar algo da experiência do poeta com a escrita. É assim que procuro traduzir a minha surpresa com esta Sala de ensaio. Eu diria que, na persistência do ritmo curto, e com o uso das minúsculas e da pontuação mais rarefeita de alguns poemas, o livro alcança um efeito de linguagem em trânsito, linguagem que vai buscando reinventar a própria trama. Tal qual "o livreiro" que "abriu um sebo na Place des Vosges", "o ciclista" que pedala sua velocidade ou, ainda, "a solista" que vivia visitada pelo rosto opaco da mãe, os personagens transitam entre versos que pedem para "dançar entre os ruídos da memória".

Daisy incorpora as cenas do mundo cotidiano que vazam ao seu redor, escrevendo também em primeira pessoa. São alguns desses seus personagens que nos deixam à porta, e a cortina movente confere espaço, ocasionalmente, para a voz da autora. Os "entreatos I" e "II" repetem, após ligeiros intervalos, os gestos da vida anunciados, ora "fora de esquadro depois de atirar/ o Ali Star surrado para o canto da sala", ora como se estivéssemos sendo levados "num ato de ousadia", como no poema "Angola", quando o que surge foi lido com "o irremediável das cinzas".

Um livro que pode ser conferido em muitas direções, mas a escrita afirma o ato: "o maior movimento é a volta que/ busca soltura na fluidez do vento".



INIMIGO RUMOR – revista de poesia.  Número 19  –
2º SEMESTRE 2007.
Editores: Carlito Azevedo,  Aug1usto Massi.  
Rio de Janeiro, RJ:  Viveiros de Castro    Editora, 2007.  166  p.   ISSN  415-9767.                      Ex. biblioteca de Antonio Miranda 

 

BUSCA

1
num ato de ousadia
pede para ver seu rosto

vira-se assustada
(tentação de existir)

diante da vitrine levanta
o véu bordado da burca

2
lâmpadas de óleo estão acesas
esquece as convenções
e o livro de química
convida a jovem afegã para almoçar

no restaurante pedaços de
cenas e memórias
a busca está camuflada por uma
luz de empréstimo
sobrenome: doce de pistache

 

*

Página ampliada em dezembro de 2023

 

Página publicada em novembro de 2018


 

 

 
 
 
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