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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

 

CRISTINA DA COSTA PEREIRA

 

Professora de língua portuguesa e literatura por dez anos, depois começou a trabalhar em jornais e editoras como copidesque e redatora de orelhas de livros. Nas décadas de 80 e 90, coordenou eventos referentes à etnia cigana e atuou como animadora cultural, a partir da Biblioteca Popular de Santa Teresa, na capital carioca. Tem obras sobre o povo cigano, literatura infanto-juvenil e sobre o tradicional bairro de Santa Teresa. Sua obra mais notável é Povos de Rua (Rio de Janeiro: Luziletras, 2003. 228 p. ilus.)



PEREIRA, Cristina da Costa.  Povos de rua.  Apresentação de Gilson Nazareth.  Rio de Janeiro: Luziletras, 2003. 228 p.  20x20 cm.  ilus. Foto da capa: Antonio Terra.   “ Cristina da Costa Pereira “ Ex. bibl. Antonio Miranda


PNEUMONIA GALOPANTE

 

Na ante-sala do hospital

esperando todos serem atendidos,

o travesti, com um fatal vestido azul-cintilante,

me olha com extrema sensualidade

e diz que hoje estou des-lum-bran-te!

E com a carne de sua boca rasgada

sugere que sua parcela masculina

amaria intensamente a minha mulher.

 

Com um olhar de reciprocidade

defloro-lhe o homem

e fantasiamos ultra-romanticamente

o mais surpreendente enlace

entre vidros de soro, termômetros e balões de oxigênio.

 

 

DELEITE

 

O corpo não é uma máquina

como nos diz a ciência.

Nem uma culpa como nos faz

crer a religião. O corpo é uma festa.”

Eduardo Galeano

 

 

A carne fareja integral libertação

imperiosa faz-se entrega aos sentidos

desbragadamente.

 

Assim...

língua com voracidade de Píton

a vasculhar todos os guetos

olhar lançado qual rede magnética

a azeitar de desejo

escorrido

em coxas escancaradas

mão que vá tão fundo

e faça jorrar, por fim,

luz que desce das estrelas.

 

 

PRIMATA I

 

Que é que brinca conosco

atuando no tempo de sonho

no reino intemporal de onde

- parece –

provêm todas as coisas?

 

Por que brinca conosco

desse campo de estrelas,

mundo misterioso de dimensões incorpóreas

e sobrenaturais oceanos?

 

Queria dizer àquele ente jogador

que já não suportamos mais,

títeres,

submetermo-nos às suas manipulações.

 

Mãos enormes que adentram nossos cômodos

e remexem em nossas histórias particulares

conferindo-lhes uma outra ordenação.

 

Se estiver me ouvindo

pediria que encerrasse de vez

essa incognoscível ludicidade

e nos libertasse

deste fio invisível

que nos prende

à sua imaterial engrenagem.  

 

Extraído de Mescolanza. Rio de Janeiro: Luziletras, 2001.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 





PEREIRA, Cristina da Costa.  Revisitando o bairro de Santa Teresa... e outros caminhos.  2ª edição.  Prefácio Fernando Federico Amadeus.  Rio de Janeiro:  Luziletras, 1999.   32 p.  14x21 cm.   “ Cristina da Costa Pereira “ Ex. bibl. Antonio Miranda

 

A RUA MONTE ALEGRE

 

O meu edifício Linda Vista, que não é meu,

fica nesta rua, que não é minha,

mas vai dar no Gomez — o da tradicional boêmia —

vindo da secular Riachuelo.

 

Se vou te descendo a ladeira

em sonhos e assovios,

rememorando Laurinda Santos Lobo e Benjamin Constant

e a aventura de consultar livros em tua biblioteca,

qual personagem de "Asas do Desejo"

— sim, se estou nesse delírio,

ouvindo papagaios, vendo gaviões e quintal de patos,

no seu lado direito de quem desce —,

quando passo da esquina da Cardeal Leme,

e das escadinhas pró Bairro de Fátima,

impregno-me de um outro Rio,

e caio imediatamente na real,

a caminho da rua do Riachuelo,

dos mercados, hotéis, salões de beleza e

da zona instituída,

limitada, afinal, pelo ponto do jogo do bicho.

 

 

LADEIRAS

 

Tudo é silêncio neste apartamento da Monte Alegre.

Madrugada em que só se ouvem o motor da geladeira

e os grilos, ao lado, no terreno baldio.

E um ou outro carro que vai ou volta (que sei eu?)

da rua, que é ladeira.

Eu tenho uma vocação enorme para morar em ladeiras:

Cândido Mendes, Santo Alfredo, Monte Alegre...

e sabe-se lá mais qual, algum dia.

Elas têm me ensinado bem o que é a vida,

esse sobe-e-desce com saltos que se prendem

nas pedras artesanalmente encaixadas,

e as inevitáveis quedas.

Mas também a possibilidade de se chegar ao topo,

ainda que resfolegando,

todos os dias.

 

 

 

 

 

 


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