Foto extraída de https://prosaempoema.com/
CARLOS DIMURO
Carlos Dimuro é escritor, curador, poeta e presidente da ABA do Museu Nacional de Belas Artes.
UM RIO SALGADO
(Carlos Dimuro)
Para Salgado Maranhão
Apesar de navegar sereias,
não é doce
o rio que corta
o teu poema.
Sabem-se salgados
os escombros que se escondem
sob as escamas da tua escrita.
E o que em ti é peixe,
se debate em guelras e guerras
numa incansável
respiração boca a boca
com a palavra.
A salinidade ancestral
de tuas águas,
refinada pelos deuses,
tempera o profano:
o sagrado no salgado.
No rio que segue
o curso líquido dos mistérios
da linguagem,
um cardume de versos
anuncia o mar.
Extraído de
POESIA SEMPRE. Número 28. Ano 15 / 2008. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008. 246 p. Editor Marco Lucchesi. Ex. bibl. Antonio Miranda.
Choro de peixe
Houve um tempo
que achei a vida apertada
Mudei para o mar
e aprendi com os peixes
a desaguar a dor
sem ocupar espaço
Hoje voando com barbatanas
nado confortavelmente a vida.
Naufrágil
Atravessam minhas noites
navios carregados de oceanos
Singram e sangram a noite
sentenciando sustos e sereias
Nestes mares sem métrica
afogar e afagar são tão íntimos
que dos naufrágios
perdi o medo
Ainda cedo descobri:
não me assustam as águas
antes as mágoas
que nos afogam em terra.
In tradução
Traduzir a alma
para o corpo
é encontrar nos dicionários
a correspondência entre
Deus e derme;
é trazer à superfície da palavra
o silêncio do cerne
Neste silêncio
que permanece silencioso
converte-se o Homem
em Babel
e tenta com todas as letras
refletir-se
num espelho de papel
Página publicada em setembro de 2018
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