Fonte: http://www.plataforma.paraapoesia.nom.br/2005btentrevista.htm
BRUNO TOLENTINO
(1940 - 2007)
Nasceu no Rio de Janeiro em 1940. Revelação de autor em 1963 por Anulação e outros reparos. Com o golpe militar de 1964 mudou-se para a Itália a convite de Ungaretti. Na Inglaterra a partir dos anos 70, ensinou nas universidades de Bristol e Essex antes de suceder a W. H. Auden como editor da Oxford Poetry Now. Ainda na Europa publicou Le vrei le Vain (Paris, 1971) e About the Hunt (Oxford, 1979). De volta ao Brasil em 1993, vem reunindo sua obra poética em português com: As horas de Katharina (1994), Os Deuses de hoje (1995), A balada do cárcere (1996), O Mundo como Idéia. São Paulo: Globo S. A., 2002. Recebeu os prêmios Jabuti e Abgar Renault, no centenário da Academia Brasileira de Letras.
Veja também>>> POÈMES EN FRANÇAIS
Ver: BRUNO TOLENTINO – EM ITALIANO
VIA CRUCIS
A Via Crucis foi uma selvageria,
a Crucifixão uma brutalidade;
mas em três, quatro horas, acabou a agonia,
baixou a eternidade.
Eu vivo aqui, crucificada noite e dia,
carrego da manhã à tarde
o meu lenho de opróbrio e a noite me excrucia,
lenta, fria, covarde.
Ah, como eu preferia
que crucificassem de uma vez, sem o alarde
de algum terceiro dia!
Mas toca-me seguir nessa monotonia,
a agonia de alçar-me do catre
e abrir de novo os braços, vazia.
Extraído de As Horas de Katharina*.
*A obra acaba de ser reeditada pela Editora Record (em 2010). O relançamento mereceu um artigo de Reinaldo Azevedo, antigo colega do polêmico Bruno Tolentino ma redação da revista Bravo!. Revela que "Bruno foi demasiadamente humano nas qualidades e nos defeitos. Aquelas fizeram dele um poeta universal; estes tornaram sua vida atribulada. O poeta saudado por artistas e intelectuais do porte de W.H. Auden, Saint-John Perse, Ungaretti e Yves Bonnefoy (...)". Ganhador do Prêmio Jabuti duas vezes, Bruno, segundo Azevedo, "Não era um vândalo da ruptura, mas um reformador da tradição já desde seu primeiro livro, Anulação e Outros Reparos, publicado quando ele tinha 23 anos, com prefácio de José Guilherme Merquior. Abominava essa bobajada de "ate social" ou "arte engajada". Não foi prisioneiro do verso livre nem escravo da invenção." (VEJA, edição 2177, ano 43, n. 32) 11 DE AGOSTO , 2010
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TOLENTINO, Bruno. Anulação e Outros Reparos. Edição definitiva. 2ª ed. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998. 298 p. 16x23 cm. “ Bruno Tolentino “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Segundo Movimento
Mas vem o amor, o amor que faz tão doce
o travo em que circula à flor do instante,
e entre resíduos vai como se fosse
suficiente, plácido e constante...
Mas se é amor é muito mais cortante
e em lâmina tão leve disfarçou-se
que por melhor alar seu golpe pôs
cintilações de ganho em cada instante.
E a alma se insurge, cobra a amor que abrande
seu ginete malsão tonto de posse,
esse peso de corpo que a alma torce
e não doma, esse breve, esse bastante
soluço da vontade no imperfeito —
mas a alma cede, a alma sucumbe ao peito...
MECANISMOS
Havia um azul sereno
naquele roxo florindo,
o jardim dava no tempo
e o tempo passava rindo.
É tudo de que me lembro.
Quase nada do que sinto.
Deu-se a flor ao pensamento
entre a memória e o instinto.
O mais é aquilo que invento,
as músicas que mal digo,
orvalhos que ficam sendo
daquele jardim antigo.
FLAUTM
Guardaremos juntos
os acertos, breves,
os enganos, fundos,
e aquele remoto
amparar de parcos,
altivos escolhos.
Cairão o signo
e a secreta cinza
desse ardente enigma.
Não lamentaremos
mais que o desencontro
dos humanos termos,
a rápida marca
que o passado imprime
na face, na máscara,
e os puros despojos
que às vezes são versos
e sempre são ossos.
Não diremos nada
dos velhos desejos
que a memória abraça,
sem qualquer palavra
não recordaremos
o que nos pesava,
mas apenas isso
que nos pese ainda:
ter vindo, ter sido.
FRAGMENTO DE UM CORO
Nós
os de cinza e tempo
nós os de olhar barrado
nós os de céus ardendo
e ventos desfigurados
nós os de mito e queda
nós os de mãos atadas
ecos
desdobrando
gritos
mudos mantos desdobrados
nós silenciados muros
de desesperos caiados
nós cegos irmãos em luto
por mundos manietados
nós sonâmbulos
remotos
nós vagos
só recordados
os estáticos andantes
escuramente pisados
nós os egressos da sede
diuturnamente velada
nós o exílio de nós mesmos
viva lâmpada apagada
nós entre o infinito e o medo
esparsos
desencontrados
nós frios
de cinza e tempo
em tempo e cinza
encerrados
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D´O CASTELO INTERIOR
Não saberei, Senhor, se era possível
evitar o degredo ensimesmado,
se ao coração sedento de invisível
e cedo emparedado em seu quadrado
de febre, de impureza e de impossível,
fora talvez possível, por um lado,
escapar à masmorra, ou preferível,
por outro, haver crescido encarcerado.
Sei que duro é o exílio e que difícil
a arte de, nos pulsos tendo algemas,
escalar pedra a pedra o precipício.
Sei quanto é frio o fogo em que nos queimas,
que renitente a lenha e quão propício
teu cadafalso às almas mais extremas.
Não permitas, Senhor, que a minha carne
se confunda outra vez e eu me atrapalhe
e caia como cartas de baralho
o castelo em que entrei para salvar-me.
Teresa, castelã, valha o que valha
o meu fervor, o meu fragor de armas,
sustentai-me, rogai que eu não desarme,
que não se apague o fogo meu, de palha,
talvez, mas seja palha de fogueira;
fogo de auto-da-fé, se necessário,
mas fogo irrevogável, se primeiro
hei de arder que render-me ao ilusório.
E se hei de merecer algum martírio
tanto mais duro quanto o assédio é sério.
Á TERRA PROVISÓRIA
Adeus cimos e vales e veredas,
e bosques e clareiras e campinas
soltas ao vento, sacudindo as crinas
das espigas do sol na luz de seda.
Adeus troncos e copas e alamedas,
esmeraldas selvagens que as neblinas
salpicavam de prata, adeus colinas
que iam subindo como labaredas
de cobalto no ar... Adeus beleza
irrepetível, que me viu nascer
e toca-me deixar: a natureza
também é feita de deixar de ser,
e eu levo agora a sombra e deixo a presa
à inevitável luz do amanhecer.
RESPONSABILIDADES
Ah, o país dos poetas! Quanto mais
improvável aqui, no pobre agora
dos desastres morais, quanto mais fora
das probabilidades do fugaz,
quanto mais sujo, mais doente, mais
esquecidiço, quanto mais demora
a aparecer esse país, a hora
de defender-lhe as torres ancestrais,
as coisas que fundaram esta linguagem,
ou a replantaram aqui nesta paisagem
insultada mas certa do que é,
a hora de erigir-se alguma fé
faz-se mais clara e cheia de coragem
que obriga a não ceder, a fincar pé!
O MUNDO COMO IDÉIA
O mundo como idéia (ou pensamento).
Entre a gnose e o real (talvez) o acordo.
Mas no ramo (imperene) cantão tordo
(provisório) e invisível vem o vento
e leva o canto e deixa um desalento,
a queixa dos sentidos... Não recordo
se sonhei tudo isso ou não: um tordo
e a noite em meus ouvidos um momento,
outro rapto no vento... Mas supor
que o triunfo moral do cognitivo
restitua-me o ser menos a dor,
é resignar-me a um perfume tão rápido
que não existe quase, insubstantivo
como a Idéia... Não: o mundo como rapto!
O VERME
O coração, enfermo porque vive
do que morre,debruça-se à janela,
vê a luz desertando-o no declive
entre a vida e a paixão do ser por ela,
e comovido vai compor a tela
em que a reduz para contê-la. Eu tive
essa mesma ilusão, compus a bela
equação passional da mente livre
e pus meu coração nesse vazio.
Mas falhei. Ele nunca permitiu
o oásis ilusório na epiderme
sensível do real. Eu tinha um verme
no coração, que foi roendo o fio
da ilusão e acabou por socorrer-me.
Extraídos de 41 POETAS DO RIO, org. Moacyr Félix. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1998. 514 p.
TOLENTINO, Bruno. As Horas de Katharina. São Paulo: Compnhia das Letras, 1994. Capa: João Batista da Costa Aguiar. ISBN 85-7164-392-X “ Bruno Tolentino “ Ex. bibl. Antonio Miranda
16 VALSE OUBLIEE
Certas estrofes perdidas
longe de papel e lapis
vão e vêm e doem-me ainda,
tão límpidas quanto rápidas,
como certos, certos fatos
de uma fluida inconseqüência
na rapidez da existência,
certos rasgos, certos raptos,
certas cenas, certa faca
de que às vezes sou bainha,
afiada quando ataca
e cega quando sozinha.
18 ESTREITEZAS
Madalena, Madalena,
no escuro da minha cela
penso em ti como naquela
que passou pelo portão
mais estreito: o do perdão
depois do doce pecado.
Mas meu corpo encarcerado
não tem nenhuma opção:
na estreiteza desta cela
a pele ardente e morena
que me acossa e me flagela
não conhece remissão.
Na comprida noite fria
como na manhã vazia,
minha carne, Madalena,
não tem escolha ou perdão.
80 WIEDERGEKOMMEN
E aqui venho de volta e Te agradeço
me haveres socorrido,
porque não levo mais no corpo combalido
a dor que ainda mereço.
Perdi-me muitas vezes, mas paguei logo o preço,
e por fim o alarido
do fogo eterno já não faz nenhum sentido.
A minha longa litania foi um terço
Rezado às escondidas,
sem que a consolação
da vida eterna me curasse desta vida.
Mas Te agradeço que um martírio sem razão
fechasse uma ferida
sem culpa e sem perdão.
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TOLENTINO, Bruno. Os Deuses de Hoje. Rio de Janeiro: Editora Record, 1995. 265 p. 15,5X23 “ Bruno Tolentino “ Ex. bibl. Antonio Miranda
A CAMINHO DO CAIS
Pátria minha, que apostasias,
que desertas a ti mesma e dás,
como lesma ao bico voraz,
teu corpo cheio de harmonias,
tua alma jovem... Quantos dias,
quantos anos desolados vais
alimentar os teus chacais
com a carne dos filhos que crias
e abandonas à desesperança!
Vou deixar-te para não te ver
atravancar o amanhecer
com balbúrdias e carnificinas,
a tragédia que desde criança
vi-te amontoar nas esquinas.
Rio de Janeiro, 8/5/1964
À TERRA PROVISÓRIA
Adeus, cimos e vales e veredas,
e bosques e clareiras e campinas
soltas ao vento, sacudindo as crinas
das espigas de sol na luz de seda.
Adeus, troncos e copas e alamedas,
esmeraldas selvagens que as neblinas
salpicavam de prata, adeus, colinas
que iam subindo como labaredas
de cobalto no ar... Adeus, beleza
irrepetível, que me viu nascer
e toca-me deixar: a natureza
também é feita de deixar de ser,
e eu levo agora a sombra e deixo a presa
à luz do provisório amanhecer.
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TOLENTINO, Bruno. A imitação do amanhecer. 1974-2004. São Paulo: Globo, 2006. 328 p. I16x23 cm. Capa Paula Austiz a partir da imagem do Farol de Alexndria, gravura de Erlach. SBN 85-250-4189-0 “ Bruno Tolentino “ Ex. bibl. Antonio Miranda
EM FRONTISPÍCIO
"Eu vos compensarei pelos anos que
o gafanhoto comeu..."
(JOEL, 2: 25)
O Senhor prometera nos compensar os anos
que a legião dos gafanhotos devorara,
meu coração, mas a promessa era tão rara
que achei mais natural vê-Lo mudar de planos
que afinal ocupar-Se de assuntos tão mundanos.
Assombra-me, portanto, ver uma luz tão clara
fecundar-me as cantigas, coração meu — repara
como crescem espigas entre escombros humanos...
Naturalmente, quem sou eu para que Deus
cumprisse em minha vida promessa tão perfeita,
e no entanto ei-Lo arando, limpando os olhos meus,
fazendo-os ver que, no trigal em que se deita
a luz dourada e musical, se algo perdeu-se
foi como o grão — entre a seara e a colheita.
PRIMEIRO MOVIMENTO – AS EPIFANIAS
andante spianato
1.1
Provavelmente porque o ser se intranquiliza
de já não ser o que ia sendo; intensamente,
porque as fogueiras de um martírio impenitente
são seus triunfos, seus troféus cheios de cinza;
e finalmente porque tudo o que agoniza
quer promulgar, solenizar o impermanente,
o coração, naquele fundo ambivalente
da coisa humana, momentâneo como a brisa,
mas persuadido de que as músicas da mente
hão de reter do ser algo mais que uma soma,
o coração vive das sombras de um aroma.
Só muito raramente esse iludido sente
a força desacordar antes que a luz cadente
o deixe louco como à mosca na redoma.
1.2
Nem tudo se desfaz, anda em tudo um resquício,
um eco ou outro a mais de restos e destroços,
que alcançam ou não alcançam voltar a serem nossos,
segundo um coração baixe a seu precipício.
Que a aventura é escarpada e a escalada difícil,
alguém já disse isso; diz-se também que os ossos
do ofício, nus, inglórios, são como um desperdício,
um fogo-fátuo na memória — quantos fósseis
somam um só rosto, a mão que o livra num só gesto
de um feixe de cabelos a tumultuar-lhe a testa...?
Resta que um corpo acorda louco de alegria,
só porque, oco como uma ânfora vazia,
ainda há pouco invadiu-o, lhe entrou por cada fresta,
a luz daquele gesto que ele há tempos não via...
(...)
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TOLENTINO, Bruno. O mundo como Idéia 1959 - 1999. São Paulo: Globo, 2002. 445 p. 16x23 cm. “
Bruno Tolentino “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
IN PASSIM
Tudo vai-se acabando, tudo passa vfr
do que é ao que era; é tudo mais
ou menos uns vestígios de fumaça
no espaço do que deixas para trás.
E tudo o que deixaste ou deixarás
de manso ou de repente, sem que faça
diferença nenhuma no fugaz,
é assim como a garoa na vidraça:
intimações de lágrima delida.
Não valeu chorar nada. Nem te atrevas
a lamentar-te à porta da saída,
pois pouco importa a vida como a levas,
que ela te leva a ti, de despedida
em despedida, a uma lição de trevas.
LAMENTO DE CAIM
No estreito labirinto,
as hienas do vento
e teu corpo caído.
Tento acordar e sinto
que me persegues, lento
como no sonho um grito.
Ladrão do amor paterno,
quê à procura dó ninho
incurável do eterno
escalaste sozinho
as mais altas escarpas
sem volta nem caminho,
viraste a estátua fria
indiferente às farpas
monótonas do dia,
circundaste o meu peito
dos espinhos de um horto
penitente e perfeito.
Sei que estás morto, morto,
máscara mortuária
das mutações de um rosto.
Sou eu que não consinto
que escape a solitária
sombra no labirinto.
Sou eu que enterro, a sós
com aquela sombra amarga,
o que sobrou de nós
como faca na ilharga.
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TOLENTINO, Bruno. A Balada do Cárcere. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996. 129 p. Capa: Victor Burton. “Prêmio Cruz e Souza 1995”. “ Bruno Tolentino “ Ex. bibl. Antonio Miranda.
EROS A PSIQUÊ
"A noite era um regato
pousado a nossos pés
e o teu olhar dizia:
gosto do teu retrato,
quando vier o dia
perguntarei quem és...
Mas não amanhecia
e, girassol no escuro,
desfolhei-me depressa;
e nunca perguntaste
e um estranho mercúrio
entre raiz e haste
separou tudo, tudo.
Gotas de um fogo espúrio,
cegueiras do veludo.
Na cela do sol-posto
amanhece entre barras
que a luz não atravessa.
Ah, não me deste um rosto
e eu durmo o sono impuro
da sombra a que me entregas.
O coração tem garras
anônimas e negras."
IMPAR
E eu, que odeio tudo o que recordo
em meu penoso, sórdido exercício,
a harmonia mais frágil que difícil,
mais passível de encanto que de acordo;
eu, que hoje escuto o rouxinol e o tordo
entre grades e névoas, desde o início
sabia que a beleza é um precipício
e que o mesmo Verão consume a cor
do efémero que acende... Eu, que aceitando
a imperfeição de tudo iria dar
com a perfeição moral de vez em quando,
agora, aqui, na luz crepuscular
deste lugar vazio, tenho um bando
de visões, só não posso ter um par.
TOLENTINO, Bruno. A Balada do cárcere. Edição aumentada. Notas e organização de Juliana P. Pérez, Jessé de Almeida Primo, Martim Vasques de Cunha, Guilherme Malzoni Rabello e Renato José de Moraes. Rio de Janeiro: Editora Record, 2016. 221 p 13,5x21 cm. ISBN 978-85-01-10477-9.
"Num clima poético como esse, dominado por palavras de ordem como "concretude", "objetividade", "concentração" e "antilirismo", a poesia filosófica e classicamente lírica deTolentino soou como música nova aos ouvidos mais atentos." ARNALDO JABOR
"Todas as poéticas classicizantes, a de Tolentino inclusive, apresentam, em alguma medida, essa pretensão normativa e modelar". ÉRICO NOGUEIRA
DESCOBERTAS
Descobre-se que a paixão,
a paixão e a primavera,
se são paralelas são
dois termos da mesma espera.
Espera encantada ou não,
ambas não passam de mera,
febril aproximação
da jaula aberta da fera,
tremor contínuo da mão
que agarra o gradil e enterra
as unhas na solidão
que força mas não descerra.
Mordida de comunhão,
no tronco o dente da serra,
no dentre o grito do grão,
e a boca aberta da terra
Recebe e fecunda o chão
com os pedaços que a pantera
desmembrou na confusão
com o corpo que já não era
sequer a gazela e em vão
se debate e dilacera
de tanta sofreguidão.
A véspera desespera.
TROMPE L´OEIL*
"Nosso amor, como tudo nesta vida:
faz de conta, um bordado de miçangas
num trapo fabuloso entre varandas
pintadas em paredes sem saída...
É assim que me apareces, rodas, andas
e eu te sigo em tertúlias e quadrilhas
onde o amor é aquarela das sibilas.
Mas olha como o vento enfuna as mangas
Fictícia, pintadas na cal virgem
da perfeita mansão avarandada
que eu fabrico de sonho, de vertigem,
de desespero... O vento vem do nada
e ao nada leva tudo, a cor pintada
e o nosso vago amor voltando à origem..."
*"Enganar o olho", técnica de pintura ilusionista que se origina no período barroco e que, por meio de jogos de perspectiva, cria objetos tridimensionais; foi muito usada em pinturas de murais ou de tetos par criar a ilusão de amplidão". (N. dos Org.)
"Eu me atreveria a incluir um nome que pode causar estranhamento entre os menos familiarizados com nossa literatura: Bruno Tolentino, uma figura muito polêmica, mas sólida em sua formação intelectual de viés classicista, mas também contemporânea. Bruno Tolentino começa recentemente a ser reconhecido em sua dimensão, embora alguns detratores podem insinuar que ele foi preso na Inglaterra por tráfico de drogas, mas foi lá que engenhou sua extraordinária Balada do Cárcere, uma verdadeira obra prima." ANTONIO MIRANDA recomenda esta edição, não apenas pela erudição e qualidade da autoria de Bruno Tolentino, mas pela edição comentada e primorosa que nos brinda a Editora Record.
Página ampliada e republicada em julho de 2015; ampliada em março de 2017
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