ANTONIO CARLOS MIGUEL
Antônio Carlos Miguel, sob o pseudônimo de Antônio Caos, apareceu na memorável antologia EBULIÇÃO DA ESCRAVITURA : TREZE POETAS IMPOSSÍVEIS, seleção do poeta Moacyr Felix, para a editora Civilização Brasileira, em 1978. Poetas que revelavam as agruras e incertezas de uma ditadura militar em declínio, rompendo limites. Lá estavam Salgado Maranhão e TT Catalão, que já estão em nosso Portal.
Hoje o poeta é um dos colunistas de O GLOBO, com um blog dos mais visitados:
http://oglobo.globo.com/blogs/antonio/
ANTONIO CAOS / PLANOS DE BATALHA, CAMPOS DE BATATA
DUPLA PERSONA
eu sou puro como um anjo índio
mas tenho toda a podridão dos homens civilizados
eu sou podre como urna goiaba bichada
mas carrego toda a pureza dos pomares selvagens
o ruim e o bom se completam dialeticamente em mim
eu não sou má-landro não
mas tenho meu modo de gingar
eu não sou bom homem
vivo no mundo
total-mente-corpo
BURRO DE CARGA
eu sou o que pensa parar de repente
nesta vida rolante
a mula que empaca no caminho
mas a estrada continua
ANIMAL II
você olha pra mim
como se tivesse os lábios sorrindo
e brilho nos olhos
me beija e morde forte
através de sua máscara
gemendo
você é como urna mula sem cabeça
pensando pelo rabo
****
eu sou o lado não lambuzado do papel higiênico
o que não muda muito
nao faz diferença
o esgoto é um só
o desgosto é de todos
TODAS AS CORES
não quero o branco destas páginas
nem o desta pele doente
não quero o branco destes hospitais
nem o das cabeças vazias
anestesiadas
quero o amarelo dos milharais
e o vermelho do sangue
o marrom da terra
o verde dos marcianos
o azul da atmosfera
o negror
COVAS DA ILUSÃO
Fernando pessoas
conhecia seus habitantes pelo nome
eu não os nomeio ainda
mas sinto quando eles me possuem sensualmente,
como me penetram ou saem de algum lugar dentro de mim (cabeça?)
milhares de berros
gins-bergs-tônicos-capilares
borracho
milharais
trigais e corvos
van grogue e sua orelha cortada
passados em branco internados
quem não entende que se ligue num PICASSO
maya-kovsky pras massas
tudo
vácuo
DISTRUI-AÇÃO
rasgar os poemas amorosos
bababilacs pros canas
chega e festas frustrantes
procura frestas de negror
a flauta falta do real
tocando novamente
a música da respiração ofegante
beijos prosfundos
recomeço:
a ter uma visão mais trágica da vida
a viver mais escondido ostracismamente dentro de mim
a não procurar a satisfação festiva
imerso na destruição das aparências
tirar os símbolos da minha cabeça
sem-sura
meus olhos
contatos
AFOGADAMENTE
o cérebro está pegando fogo
em deses-
pero não me incomodo
dança de estátuas na hora em que me perco
fotogramas fixos
minha vida não se faz
em 24 por segundo ou
por dia
sigo sem medidas
sem saber a hora de parar
quero saber dos perdidos:
em que supermercados estás agora
GInsberg?
tu e Whitman
desbrava-dores
trepando entre enlatados e frios
seres humanos
no ser-mitério flores do Mao murcham
Pessoa e Anjos nos campos de caça
perseguidos
todos os párias do passado
são agora esqueletos
in-corpo-rados à cultura
todas letras que li não me enrolam
neste i-mundo
a poesia é a passagem livre...
NOVO RELATÓRIO: PERPLEXO
cada vez mais intenso
possesso
possuído por essa cidade
tenso
como uma pilha de erros
jogado no luxo
nervo em curto
estou cansado
como no fim da vida
sem menos nada
só
estou curtido
com a pele no ponto
cabeça acesa
unhas afiadas
e por que esse silêncio?
não quero mais nada
vou me afogar nesta onda
ainda não notaram o meu estado
saturado
sem ação
como trocadores de ônibus
anjos de henry Miller
com as asas caídas
pausa para a res-piração
4 ELEMENTOS PERICULOSOS
os homens já sabem
dos ventos que percorrem nossos corpos
e caminharam sobre as pedras que nos habitam
nadaram nas águas do pensamento
secando-se no fogo que carregamos
mas eles ainda não viram
o furacão que está reprimido
não receberam pedradas
nem se afogaram nas nossas veias
ou se queimaram
a terra continua rodando
como não poderia deixar de ser
Página publicada em maio de 2009
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