ALBENIZ CLAYTON
ALBENIZ CLAYTON Brandão Dias nasceu no Rio de Janeiro em 1967. Criou-se entre Belo Horizonte e o Rio. Iniciou estudos de Artes Plásticas na Fundação Escola Guignard em BH e, mais tarde, Letras na USP. Em 1990, deixa o Brasil e iniciou uma viagem pela Espanha e Marrocos, naturalizando-se espanhol. Freqüentou o curso de Filologia Portuguesa na Universidade de Barcelona e recebeu a bolsa ERasmus (2000-2001) para estudar Literatura e Tradução na Universidade de Sorbonne – Paris IV. Atualmente vive e trabalha em Londres.
“O fato de Albeziz Clayton estar fora do Brasil há mais de uma década, tendo se radicado na Espanha e, atualmente, na Inglaterra, autoriza sua poesia a possuir um visão cosmopolita e crítica em relação à sua terra natal, não isenta também da emoção de estar distante. Assim, Braasil, Minas Gerais, Rio de Janeiro, o Mundo pulsam numa escritura ágil, nervosa, contemporânea. Nada escapa à antropofagia que lateja em Ícaro e Eu. Nem o amor, como no poema de mesmo título, onde o autor voa com o mito, tendo-o no fundo do estômago, no cerne, no miolo, por assim dizer, “já passado o coração”, que, mesmo sem sol, sonha alto, longe do perigoso sol a derreter as asas, no fundo da queda”. Olga Savary, na orelha do livro citado.
Extraídos de
ÍCARO E EU
Rio de Janeiro: Ibis LIbris, 2007
ÍCARO E EU
Voando
Ele me oferece
Oferecendo-se de longe
Algo, leve, invisível
E voa
Vendo-o desaparecer
Nas nuvens
Brumas dos meus sonhos
Vou tateando sombras
Pressinto a queda
Iminência de um amor
Ele se salva
Homem
Salvando-me do salto ao vazio
Retém meus pés
Cala a minha mente
Ocupando a minha boca
Com o seu idioma
Tranqüilizando as minhas asas
Desaparecendo nos seus braços
Unifico-me
Em músculos encontrados
Em pleno céu
Transformo-me no que ele representa
E
Suspiro
Transpirando
Pele
Ele
Pulmão
Estamos
Os dois
Loucos
E esta loucura nos une num nó
Porque eu sou ele
Eu sou
Irreal ou real
O vôo consentido pelo pai
A fantasia nos salva
E os outros
Quando nos chamam
Utilizam um só nome
Ícaro
Amor
E nós
Dois num
Olhamos
E tão assim mesmo
Vôo
Voamos até a queda prometida
Ainda o sinto, longe
Mas dentro
Naquele céu sem deuses e castigos
Nosso
De um lado da noite
Vamos
Ainda vamos
Sonhando alto
De noite
E a lua clareia, fria
Aquece
Sem derreter
Os sonhos
E reinamos
E ele vai caindo dentro de mim
E o tenho no fundo do estômago
Depois da curva do coração
Atravessando as vísceras
Eu o tenho dentro
Bem no fundo da queda
O amor é uma ambição como outra qualquer.
PRAIA
Para Francis Bacon
E segue a demora
Todas essas carnes expostas
Bolhas de sangue, sebo e cabelo
Revestidas de pele e pêlos
Ossos, músculos e nervos
No desenho da anatomia masculina
As curvas das mulheres
Os deleites experimentados na vida
Na carne registrados
Perece com preguiça
Irreversível dom do destino
Fauna colorida
Bronzeado de carcaças
Na areia da praia do Jacuri
Todos selvagens no desejo
Jacarés domesticados
Jibóias adormecidas
Sapos engolidos
Alguém que alguma vez fosse promíscuo
Conheceria todos os gostos
Que em plástica se mostram
Quem provou e conhece
Os sabores, os odores, as cores
E as dores que habitam no corpo
E as efêmeras belezas deles
Também morrem, mas, com gosto.
Página publicada em janeiro de 2008. Obra gentilmente enviada pela editora e amiga Thereza Christina Rocque da Motta. |