Retrato por Ismael Nery
ADALGISA NERY
(1905 — 1980)
Nasceu em 29/10/1905 no antigo Distrito Federal (RJ). Perdeu a mãe aos 8 anos, estudou num colégio de freiras, de onde foi expulsa por defender as “órfãs”, que eram maltratadas na época por serem consideradas subalternas. Fez apenas o curso primário.
Casou-se aos 16 anos com um vizinho, o pintor Ismael Nery — um dos precursores do Modernismo no Brasil. O casamento durou até a morte do pintor, em 1934. Eles tiveram sete filhos, todos homens, mas somente o mais velho, Ivan, e o caçula, Emmanuel, sobreviveram. Viúva aos 29 anos, foi trabalhar na Caixa Econômica. Em seguida, conseguiu um cargo no Conselho do Comércio Exterior do Itamaraty. Em 1940 casou-se com o jornalista e advogado Lourival Fontes. Seguiu o marido em funções diplomáticas, em Nova York de 1943 a 1945 e como embaixador no México, em 1945. O casamento com Lourival durou 13 anos. A partir daí, tornou-se jornalista, escrevendo para o jornal Última Hora. Foi eleita deputada três vezes, tendo os direitos políticos cassados em 1969. Desamparada e pobre, morou nos anos 1974 e 1975 em uma casa do comunicador Flávio Cavalcanti, em Petrópolis, onde viveu reclusa. Em maio de1976, sem ter doença alguma, resolveu internar-se numa casa de repouso para idosos, em Jacarepaguá. Em 1977, sofreu um acidente vascular cerebral e ficou afásica e hemiplégica. Faleceu em 07 de junho de 1980, solitária.
Bibliografia: Poemas, 1937; A mulher ausente (poemas), 1940; Og (contos), 1943; Ar do deserto (poemas), 1943; Cantos de angústia (poemas), 1948; As fronteiras da quarta dimensão (poemas), 1952; A imaginária (romance), 1959; Mundos oscilantes (poemas) 1962; Retrato sem retoque (crônicas), 1966; 22 menos 1 (contos), 1972; Neblina (romance), 1972; e Erosão (poemas), 1973
Página preparada pelo poeta e colaborador Salomão Sousa.
TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTOS EN ESPAÑOL / EN FRANÇAIS
Pensamentos que reúnem um tema
Estou pensando nos que possuem a paz de não pensar,
Na tranqüilidade dos que esqueceram a memória
E nos que fortaleceram o espírito com um motivo de odiar.
Estou pensando nos que vivem a vida
Na previsão do impossível
E nos que esperam o céu
Quando suas almas habitam exiladas o vale intransponível.
Estou pensando nos pintores que já realizaram para as multidões
E nos poetas que correm indefinidamente
Em busca da lucidez dos que possam atingir
A festa dos sentidos nas simples emoções.
Estou pensando num olhar profundo
Que me revelou uma doce e estranha presença,
Estou pensando no pensamento das pedras das estradas sem fim
Pela qual pés de todas as raças, com todas as dores e alegrias
Não sentiram o seu mistério impenetrável,
Meu pensamento está nos corpos apodrecidos durante as batalhas
Sem a companhia de um silêncio e de uma oração,
Nas crianças abandonadas e cegas para a alegria de brincar,
Nas mulheres que correm mundo
Distribuindo o sexo desligadas do pensamento de amor,
Nos homens cujo sentimento de adeus
Se repete em todos os segundos de suas existências,
Nos que a velhice fez brotar em seus sentidos
A impiedade do raciocínio ou a inutilidade dos gestos.
Estou pensando um pensamento constante e doloroso
E uma lágrima de fogo desce pela minha face:
De que nada sou para o que fui criada
E como um número ficarei
Até que minha vida passe.
Poema natural
Abro os olhos, não vi nada
Fecho os olhos, já vi tudo.
O meu mundo é muito grande
E tudo que penso acontece.
Aquela nuvem lá em cima?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Ontem com aquele calor
Eu subi, me condensei
E, se o calor aumentar, choverá e cairei.
Abro os olhos, vejo um mar,
Fecho os olhos e já sei.
Aquela alga boiando, à procura de uma pedra?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
Cansei do fundo do mar, subi, me desamparei.
Quando a maré baixar, na areia secarei,
Mais tarde em pó tomarei.
Abro os olhos novamente
E vejo a grande montanha,
Fecho os olhos e comento:
Aquela pedra dormindo, parada dentro do tempo,
Recebendo sol e chuva, desmanchando-se ao vento?
Eu estou lá,
Ela sou eu.
EU TE AMO!!!
Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita do tempo
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
Em tudo que ainda estás ausente.
Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.
Cemitério Adalgisa
Moram em mim
Fundos de mares, estrelas-d'alva,
Ilhas, esqueletos de animais,
Nuvens que não couberam no céu,
Razões mortas, perdões, condenações,
Gestos de amparo incompleto,
O desejo do meu sexo
E a vontade de atingir a perfeição.
Adolescências cortadas, velhices demoradas,
Os braços de Abel e as pernas de Caim.
Sinto que não moro.
Sou morada pelas coisas como a terra das sepulturas
É habitada pelos corpos.
Moram em mim
Gerações, alegrias em embrião,
Vagos pensamentos de perdão.
Como na terra das sepulturas
Mora em mim o fruto podre,
Que a semente fecunda repetindo a vida
No sereno ritmo da Origem.
Vida e morte,
Terra e céu,
Podridão, germinação,
Destruição e criação.
Mistério
Há vozes dentro da noite que clamam por mim,
Há vozes nas fontes que gritam meu nome.
Minha alma distende seus ouvidos
E minha memória desce aos abismos escuros
Procurando quem chama.
Há vozes que correm nos ventos clamando por mim.
Há vozes debaixo das pedras que gemem meu nome
E eu olho para as árvores tranqüilas
E para as montanhas impassíveis
Procurando quem chama.
Há vozes na boca das rosas cantando meu nome
E as ondas batem nas praias
Deixando exaustas um grito por mim
E meus olhos caem na lembrança do paraíso
Para saber quem chama.
Há vozes nos corpos sem vida,
Há vozes no meu caminhar,
Há vozes no sono de meus filhos
E meu pensamento como um relâmpago risca
O limite da minha existência
Na ânsia de saber quem grita.
Repouso
Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados pela canção das colheitas
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas entreabertas.
Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar a alegria do solo agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.
Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito amada.
A POESIA SE ESFREGA NOS SERES E NAS COUSAS
Nunca sentiste uma força melodiosa
Cercando tudo que teus olhos vêem,
Um misto de tristeza numa paisagem grandiosa
Ou um grito de alegria na morte de um ser que queres bem?
Nunca sentiste nostalgia na essência das cousas perdidas
Deparando com um campo devoluto
Semelhante a uma virgem esquecida?
Num circo, nunca se apoderou de ti, um amargor sutil
Vendo animais amestrados
E logo depois te mostrarem
Seres humanos imitando um réptil?
Nunca reparaste na beleza de uma estrada
Cortando as carnes do solo
Para unir carinhosamente
Todos os homens, de um a outro pólo?
Nunca te empolgastes diante de um avião
Olhando uma locomotiva, a quilha de um navio,
Ou de qualquer outra invenção?
Nunca sentiste esta força que te envolve desde o brilho do dia
Ao mistério da noite,
Na extensão da tua dor
E na delícia da tua alegria?
Pois então, faz de teus olhos o cume da mais alta montanha
Para que vejas com toda a amplitude
A grandeza infindável da poesia que não percebes
E que é tamanha!
A um homem
Quando numa rocha porosa
Cansado te encostares
E dela vires surgir a umidade e depois a gota,
Pensa, amado meu, com carinho,
Que aí esta a minha boca.
Se teus olhos ficarem nas praias
E vires o mar ensalivando a areia
Com alegria pensa amado meu
Num corpo feliz
Porque é só teu.
Se descansares sob uma arvore frondosa
E além da sombra ela te envolver de ar resinoso
Lembra-te com entorpecência amado meu,
Da delicia do meu ventre amoroso.
Quando olhares o céu
E vires a andorinha tonta na amplidão
Pensa amado meu que assim sou eu
Perdida na infindável solidão.
A noite quando as trevas chegarem
E vires do firmamento
Uma estrela cair e se afundar
É sinal amado meu
Que o teu amor vai me abandonar.
Na morte, quando perderes o último sentido
E a tua própria voz
Em forma de pensamento
Te subir ao ouvido
Deixa escorrer a derradeira lagrima pelo teu rosto
Nascida do extremo alento do coração
E pensa então amado meu
Que ainda é um suave carinho da minha mão!
Estigma
Não receio que partas para longe,
Que faças por fugir, por te livrares
Da força da minha voz
E da compreensão do meu olhar.
Não temo que os mares te levem
No bojo dos transatlânticos
Nem tampouco me amedronta
Que em possantes aviões
No céu e na terra,
Em todos os seres me encontrarás
Cortes espaços sem conta.
Serena ficarei se disseres
Que na certa me olvidarás
No ventre da mata virgem,
Nas areias dos desertos
Ou no amor de outras mulheres que terás.
Não importa.
Nada temo e desejo mesmo que o faças
Para que saibas o quanto estou em teus sentidos
E que a minha forma, o meu espírito
Jamais da tua existência passa.
Se fugires pelos mares
Tu me veras na espuma leve da onda,
Me sentiras no colorido de um peixe
E a minha voz escutaras dentro de uma concha.
Se partires pelos ares,
Certamente na brancura de uma nuvem
Tu sentirás a maciez e a alvura
Das minhas carnes.
Se fores para a floresta
Hás de me ver
Na árvore mais florida e harmoniosa
Atravessando areias cálidas do deserto.
Sei que trocarias o lenitivo de um oásis
Pela certeza de me teres perto.
E nas mulheres que encontrares,
Dos seios o perfume, das nucas a palidez,
Das ancas as curvas
E das peles a cor e a tepidez,
Fica certo, não te evadirás.
Porque desde a tua sombra
Ao teu mais rápido pensamento
Não serás livre de mim
Num um momento.
NERY, Adalgisa. Mundos oscilantes (poesia reunida). Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editôra, 1962. 324 p. 14x21 cm. “Esta 1ª. edição da Poesia Completas de Adalgisa Nery é comemorativa do 25º aniversário de sua estréia literária”. Inclui uma reprodução da capa em tamanho reduzido, com desenho de Teresa Nicolao, depois do Sumário. Col. A.M.
DO FIM PARA O PRINC1PIO
Nada mais acontecerá
Porque tudo Já aconteceu.
Amanhã é ontem e ontem é hoje.
Meu nascimento, minha vida,
Minha morte e meu julgamento
Já chegaram dentro de mim
Antes de chegar para todos.
Sei que ninguém mais nascerá,
Se alguém nasceu foi um instante
E os que vivem foram abafados
Antes de acabar como cosmos, como universo.
Em tudo e para tudo o mundo já começou por acabar dentro de
[mim mesma.
Espero o princípio, porque o fim
Já está comigo desde a minha formação.
EU ME MALDIGO
Que estalem nos céus os trovões, os relâmpagos,
Que as nuvens se estilhacem
E as montanhas se rachem.
Que as estrelas se embaciem
E o sol se apague para que meu corpo não tenha sombra.
Que as correntes marítimas
Carreguem meus braços para as praias fétidas
E o vento impeça meus joelhos de se dobrarem.
Que o raio fulmine a única palavra boa que eu tinha.
Que meus olhos se apodreçam
E se transformem em água
Para que não se levantem além das raízes.
Que a gosma dos vulcões
Soterre meu sexo,
Que os vermes fujam da minha carne
E o pó se levante fugindo antes de eu passar.
Que o cheiro de minha boca
Resseque o grão embaixo da terra
E meus cabelos sirvam de corda para os enforcados.
Que minha língua se enrole enegrecida dentro de minha garganta
E me diga as maiores injúrias.
Que a terra seja fendida como um ventre de mulher,
Que a destruição absoluta
Desça sobre meu corpo, meus sentidos,
Meu espírito, meu passado,
Meu presente, meu futuro
E liberte minha origem
Da lembrança dos homens.
ASPIRAÇÃO
Desejo de desmontar meu corpo
E atirá-lo aos quatro ventos do mundo,
De enfrentar a luz do sol
Até que seu calor pulverize meus ossos,
De atirar-me no oceano
Até que o batimento de suas águas
Transforme meus cabelos em algas perdidas,
De gritar contra as montanhas
Até que o eco se ausente de minha voz,
De matar a consciência de mim mesma
Até que eu possa viver.
NERY, Adalgisa. Erosão: poesia de Adalgisa Nery; ilustrações de Ryne. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1973. xii+84 p. ilus. 14x21 cm. Capa: montagem de Eugenio Hirsch, baseada em desenho de Ryne. Ex. Biblioteca Nacional de Brasília, doação de Aricy Curvello.
ABANDONO
A exaustão faminta
Procura elementos ainda vivos no meu ser
Talvez guardados em escuros vácuos
Que carrego sem saber.
Alimenta-se do sopro das imagens
Desenhadas pela minha imaginação
Pelo tato dos meus sentimentos,
Pelo pânico do desconhecido.
Aparece como febre constante dilatando as minhas carnes
Descoloridas e sem sabor de vida.
A exaustão sobre pelos meus pés,
Cobre os meus gestos incipientes,
Prende a minha língua,
Suga o meu cérebro, ninho de aranhas em fogo,
Pousa no meu cabelo como morcego.
Exaustão que funga o ar, que saqueia o meu silêncio,
Último repouso nos meus vácuos devassados.
PATRIMÔNIO
Pesam nos meus ossos
Os meus pensamentos,
Choram nos meus olhos
As visões neles crescidas,
Soluçam no torpor das minhas carnes
Ancestrais desalentos.
Sangram os meus pés
Na inútil andança
Da imaginação liberta,
Pulveriza o meu espírito
A solidão do suicida ignorado
E cresce assustadoramente dentro de mim
A calmaria que precede o fim.
NERY, Adalgisa. A Mulher Ausente. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1940. 157 p. 14x19,5 cm. Os desenhos são de Candido Portinario e a capa de Sana Rosa. ”Deste livro foram tirados, fora de commercio, vinte exemplares em papel Vergé, numerados e assinados pela autora.” Os desenhos são de Candido Portinari e a capa de Santa Rosa “ Adalgisa Nery “ Ex. bibl. Antonio Miranda
[conservando a ortografia original]
A amada é como a terra
Agachado, com a boca bem collada ao sólo
Fala para que a tua voz penetre na terra
E abasteça de harmonia e de vigor o grão que vae nascer.
Mergulha a tua voz no sólo para que os ramos dos arbustos
Tocados pelo ventos das manhãs
Sejam um mixto de amargor e de alegria
Acompanhando os desolados com essa melodia.
Falla bem dentro da terra e dize palavras de consolo
Que assim as flores terão quando brotarem
A belleza eterna em seus perfumes e em suas cores.
Colla a tua boca ao sólo
E envia com os sons da tua garganta
Os teus insuperaveis pensamentos de Unidade
Para que elles cainhem subterraneamente
E rebentem nomeio de outros povos
Cantando a glória da Verdade e da Fraternidade.
Abre com tuas mãos uma fenda na terra
Encosta a tua boca aflicta e diz bem no fundo
a razão dos teus tormentos
Para que a agua e o fogo central dissolvam os teus lamentos.
Colla a boca no ventre da Amada
E fala a seu corpo
Para que os seus filhos transportem a tua harmonia
pelos tempos infindáveis
E possas ouvil-a em cada homem, em cada flor,
Na intensidade de todos os perfumes
E nos millesimos reflexos de cada côr!...
O lamento me persegue
Lamento eterno das minhas carnes
Que inebria de sons o meu espirito
Que torna incertos os meus passos
E que invade de torpor os meus sentidos.
Lamento que se estica nos meus braços
Se volteia em meu pescoço
Se prende á minha lingua
E se plasma no meu torso.
Lamento eterno que tem percorrido caminhos sem fim
Que tem atravessado mares revoltos
Desertos pestilentos,
Sempre atraz de mim.
Lamento eterno que vem separando a minha Unidade,
Dilatando o meu ser com imperceptíveis movimentos,
Que domina, que lambe os meus contornos
E que me afoga em caricias como um amante sedento.
================================================================
TEXTOS EN ESPAÑOL
Retrato de Adalgisa Nery,
pintura a óleo por Cândido Portinari,
1937, 56,5x46,5 cm
TRADUCCIÓN DE
ADOVALDO FERNANDES SAMPAIO
MI DE PROFUNDIS
¡Señor¡, socorre la profunda tristeza de mi alma,
El penoso cansancio de mis sentidos que me hacen
Insensible a la grandiosidad de tus creaciones.
¡Señor¡, aparta de mis ojos desilusionados
La sensación de inutilidad de mis gestos interiores.
¡Señor¡, aleja de mi boca
La sonrisa que es la alegría vencida
Que así me arrastra diluyendo vanamente
Los fragmentos de mi existência.
¡Señor¡, ya que me hás hecho indiferente
A las glórias, al nombre, a la humana riqueza,
A las conquistas objetivas,
Destruye em mí el orgullo de mi propia resistência
Para que yo prosiga, serena y suave,
Por el camino que me lleva a ti.
Extraído de la obra
VOCES FEMENINAS DE LA POESÍA BRASILEÑA
Goiânia: Editora Oriente, s.d.
FIGUEIRA, Gaston. Poesía brasileña contemporânea (1920-1946) Crítica y antologia. Montevideo: Instituto de Cultura Uruguayo-Brasileño, 1947. 142 p. 18x23 cm. Col. A.M.
Para nuestro gusto, las tres mayores poetisas brasileñas de nuestro siglo son — siguiendo el orden cronológico de su aparición en el panorama literario de su patria— Gilka Machado, Cecilia Meireles y Adalgisa Nery. La primera expressa con gran riqueza expresional, la sensualidad y la opulencia de su patria tropical, plena de color. Cecilia Meireles, en cambio, nos revela la finura de un espíritu universalista. Adalgisa Nery, la de orientación más moderna, se caracteriza por la bizarría y originalidad de su imaginación, por la hondura de su inspiración.
He aquí la poesía de Adalgisa Nery, en su libro "Poemas" (1937) y, sobre todo, en "A muiher ausente" (40). He aquí, en una expresión un tanto abigarrada y caótica, pero llena de fuerza y gracia, de grandes hallazgos, toda esa simbologia tan personal en que se mueve el mundo lírico de esta artista de amplia cultura y de sutil sensibilidad. No es la suya una poesía cuya aristocracia espiritual la aparte del suave y duro mundo en que vivimos. Al contrario: ella siente la avidez, la lucha, el dolor y la esperanza de su tiempo y las dice por medio de esa realidad mágica que es el canto. En tal sentido, hay en su obra una palpitación mística, de ese misticismo ardientemente humano que no busca los templos, sino que se enfrenta a la vida ' cotidiana. Luego, esas experiencias, para fundirse em el canto, se van depurando, van afinándose, desbrozándose de todo elemento superfluo, de toda vulgaridad, para dar, en líneas esenciales, su verdad integral.
El verso de esta carioca es, generalmente, libre, de una libertad ancha y gozosa, ágil y muy musical, llegando en algunos casos a resonancias sinfónicas. Otras veces, son a manera de arias de asordinada intimidad, sabiamente reazadas.
Por su apostolado poético, por su espíritu universalista, por la belleza y originalidad de su expresión, esta escritora merece figurar junto a las primeras de América. Si hasta ahora no ha logrado la difusión merecida, se debe —em gran parte— a que no se ha preocupado en dar a conocer sus poemas en los países hispanoparlantes.
CÍRCULOS
Un gran círculo de fuego vino del pensamiento de Dios
y vistió la tierra
las aguas en curva rodearon el universo
y la forma redonda dominó el hombre.
Sentada dentro de una esfera
está inmóvil la mujer construida en círculos.
Cabeza.
Senos.
Ancas.
Pensamiento.
Alimento.
Desdoblamiento.
Mis ojos atraviesan los cuerpos
y perciben la continuación humana en círculos.
La mujer concibe en su vientre, en forma redonda, otra mujer
que desde el embrión comienza a unir
la cabeza a los pies.
Somos la sucesión de círculos
en un pensamiento (primitivo transformado en generaciones
PH una eterna continuación
de sombras y de acciones.
LUZ
a Cándido Portinari
Repara en la luz que se proyecta sobre la tierra
separando las nubes que traen el mal tiempo,
disolviendo todos los misterios de las grutas oscuras,
atravesando las grandes masas de agua
y acompañando los movimientos de las raíces que se dilatan.
Repara como hace brotar los colores de las hojas,
en el plumaje de los pájaros, en las corolas de las flores
y en las escamas de los peces.
Vé como provoca el olor de los lagos olvidados
y realza las leyendas detenidas bajo los escombros gloriosos!
Repara que la misma luz' que se proyecta sobre la tierra
cayó antes sobre tu cerebro amortecido
y hace ampliar tu mano en gesto de bendición.
Y repara todavía como la sombra del consuelo que refresca los pensa-
mientos arrepentidos
es la verdad que nace de la luz que recibes en tu cerebro
y que se extiende a tu corazón!
Es la amplitud y la fuerza de la gran luz que se derrama sobre la tierra
deapués de haberse filtrado y recorrido en generaciones
el comienzo de todos los Principios
y de todas las Razones.
.
Página publicada em janeiro de 2008; ampliada e republicada em junho de 2013, ampliada e republicada em janeiro de 2014. Ampliada e republicada em novembro de 2015, ampliada e republicada em abril de 2016.
|