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JOSÉ GALAS 

JOSÉ GALAS 

Um mínimo conjugar de palavras

 

Ao reler agora a poesia do parnaibano José Galas, me veio à lembrança a poesia de Alice Ruiz, viúva de Paulo Leminski. Isto porque a linguagem liberta e a palavra prosaica de José Galas tem a mesma força e dicção das diluições poéticas de Alice Ruiz, de Paulo Leminski, de Ana Cristina César, de Itamar Assumpção, de Wally Salomão, de Cacaso. José Galas e tem apenas um livro de poemas publicado: Entortador de Sentidos (2005). É maduro como madura é sua poesia. A consciência literária se faz presente para que a unidade da expressão exponha a qualidade. A disposição dos versos curtos dizem muito, dá imagens próprias, através do mínimo conjugar de palavras. A poesia de José Galas arma-se da verve irônica, das coisas cotidianas, da vida sufocante, do tempo antes tempo: imutável assim como quatro horas do haicai de Bashô. Um poeta antropoflor. Afinal: a flor na boca de cada poeta é a flor que ele come.                                        Diego Mendes Souza

 

 

Engenho de letras

 

Cansado de letras cansadas

letras de ofício

quase tão mortas

quanto o fim do dia.

 

É mais o que engendram

do que o engenho delas

que atrofia.

 

É como porfia de partilha:

uns a querem morta

outros nua.

De nada adianta copular

com a forma.

O que sobrevive

é de pura teimosia.

 

E pensar que o tempo passa

entre o dedal e a linha

quase num suspiro.

 

 

Cabeça de poeta

 

Não um troféu se safári, ornamento.

Um bicho vivo arrastando a carcaça

para não morrer em lugar comum:

 

O instinto transmutado

longe das doces palavras.

 

 

Diáspora

 

Aqueles aos quais me apeguei

estão distantes agora

Uns morreram por terra

outros correram por fora

De sorte que nada resta

afora gibão e espora

Eu mesmo me plantei aqui

entre o mar, o sertão e a espera.

 

Se perguntares a quem combato

Digo-te: a mim mesmo

                        bicho do mato.

 

 

Arranjos florais

 

não queira no galho

colher a rosa viva

nem no livro agasalhar

a pétala caída

 

 

Criador de gatos

 

deixe-me dormir

amanhã tenho tempo de sobra:

frito ovo arrumo a casa faço carinho no gato

           ah!? não tenho gato!?

tanto faz

com tempo sou capaz de inventar

um.

 

 

Uma janela ao lado da cama

 

nenhuma aurora

nem pomar

meus olhos dão para alqueires

de luzes,

os automóveis passam desligados

e estou cansado desse sabor...

 

O homem e o tempo

 

O homem pára,

fuma seu cachimbo.

 

Que matéria ousaria perturbá-lo?

 O tempo não é feito de têmporas

nem o homem de tâmaras.

Cada um a seu feitio

engendram-se.

 

O homem fuma,

o tempo esfuma-se

e não passa.

 

 

Caramujo

 

às vezes me encontro caramujo

o mar vem, rola...

o caminho percorrido a água apaga

         a onda passa

o mar me devolve.

 

 

Antropoflor

 

A flor é diferente

na boca de cada poeta

Pode ser palavra só

sem aroma, adorável

palavra beija-flor

um conto

A flor na boca de cada poeta

é a flor

que ele come.

 

 

Página publicada em outubro de 2008




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