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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


ITALO CRISTIANO

ITALO CRISTIANO

 

 

Ítalo Cristiano S. Souza nasceu  em Teresina-PI em 1979 e reside em Parnaíba. Fez o curso de História, especialização etc... Em julho de 2006 publicou o livro Sanatório Geral. Depois lançou os livretos Uivos do Mar, ékstasis e As quimeras de Pasárgada.       Blog do autor: http://italocristianopi.blogspot.com/ 

 

 

a dissolução do sujeito

 

tempo

efêmero das horas

na busca dos rastros

eu te arrasto ao mar

tempo – deus vida – intransigente

eu te mastigo e vento

nas velas e nos versos

o ancoradouro e as pedras

horizonte dissolvido em tempo

ouro, grãos de sol

do nascente ao pôr

tempo

homem – sombra do vir-a-ser

eu te desenho os membros

dos corpos expostos

harmonias em dissonância

flor da paixão e da morte

eu te guio e me esqueço

animal desprovido de tempo

 

 

insólito

 

procurei em tuas pernas

a matéria da poesia;

do que poderia ser feito o músculo

que pulsa qual um coração

quando meus dentes o arranham

dos pêlos eriçados

qual um cacto do sertão

quando minha língua

os absorve

do que seria feita a pele

se de repente do branco

fosse rubro

ao sabor do que lhe chega ao ouvido

das veias aflorando sangue

tal um vulcão expelindo calor

sob o peso das mãos

é a medida do verso

a matéria das pernas

tal qual um inseto

iluminando a noite

eu, bicho-homem

devassei teu campo de flores

 

 

canto a vênus

 

 

                                      entre tempestades de fogo

arrebato minha lança ao vento

pêlos bordéis onde encontrei teus cachos

soltos - onde aponta teus seios

à beira, de rio e líquido pútrido

em vida sobre pedras centenárias

és escrava, puta dos versos incrustados

                                                no barro do teu lar

és Vênus em teu castelo de homens

                                                de peixes

e redes apinhadas ao sol

no couro curtido da tua pele

no salitre dos lábios férvidos

não sou mais deste sonho perdido

à memória - sou presente e vivo

encravado em teu umbigo - tenho sede

não de água, posto que animal no cio

mas do teu hálito de coisa bruta

e viva

das tuas ancas

em meu altar de miséria

e poesia

coisa da terra

seca

eu te deserto

e aporto meus versos

em teu ventre

 

 

 

CRISTIANO, Ítaloékstasis. Teresina, PI: 2009.  s.p. 15X21 cm Col. A.M.  (EA)

 

exílio

 

não deixarei meus olhos dilacerados morrerem

reduzidos à fumaça dos líquidos e da primavera

o espírito aveludado que parte pêlos ermos

 

não, recuso a agitação do pulso e dos flagelos

no ofício convulso da minha arte derradeira

saúdo os condenados por amarem,

 

repulso a brancura das castas

e as fatigadas glórias

o nome feudal

 

sou doutro tempo

quando o mundo era vivo

num transe de espasmo carnal,

 

a poesia entoada nos livros

derramava-se à pele como bálsamo

num deleite supremo e vertiginoso

de versos roucos, brandos

 


CRISTIANO, ÍtaloAs Sombras de Orfeu. Teresina, PI: 2009.  s.p. 15X21 cm  Col. A.M. (EA)

 

despedida

 

no mormaço dos dias

a água acesa no pavio da vela

queima incandescente

minha decência

o maço das cigarras

velam o canto surdo

no solo negro pós-fogo

foste rio

saudade antecipada

foste homem

medida concreta

reta, e mesmo assim

foste

presa no bravio do silêncio

no serrilhar da cama vazia

fria, como os dedos

acesos em minhas mãos

 


CRISTIANO, ÍtaloUivos do Mar. Teresina, PI: 2009.  s.p. 15X21 cm  Col. A.M.  (EA)

 

 

          sujeito oculto

 

uma palavra

retilínea

                                   pousada no ar

 

uma pedra

                 fugidia

                             erguida do mar

 

eu, antes passado

                           côncavo fechado
                           monumento barroco

 

                                                      choro, ausência de tinia

                                                           de saber-se nada

                                                                     reto, ereto

                                                                        feito feto

                                                 abortado do mundo

 

 

 

POESIA SEMPRE  - Número 33 – Ano 17 / 2010.  Hungria e Índice Geral.
Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2010.  320 p; 17,5 x 25,5  cm.
Editor: Marco Lucchesi.   ISSN 9770104062006  Ex. bibl.  Antonio Miranda.

 

Eros

 

III.

 

o amor é rotação
universo das tardes
é ânsia sem contorno
sentimento que atravessa
- horizonte devorado,
o amor é infantil
objeto do silêncio
ouve-se

pelos ângulos da luz

é voo indolente

floresce onde menos se espera

na seiva do céu

na urdidura do sono

a atmosfera cresce

caudalosa

gerando o fruto

influxo da razão

vapor

inalado - fecunda o riso

os dias bravios

só resta entender

a projeção do mar

nessa carência que é negação

nessa fogueira cotidiana

morremos

abrasados de não-amor

sejamos areia

que se entrega

esse gozo lunar

que é único

raro e eterno

 

 

 

carta de Jeremias aos cativos

 

 

foi a ti que o meu salgueiro esgueirava
confundido com os ímpios mercadores do alvor
enegreceram o pensamento emerso e escultor

 

incrustado em rocha o sangue luminoso beirava

no facho do caule onde ascendia o granizo e a cólera

o abrigo da aranha tecendo o manto que a volvera

 

mas eis que veio a luxúria manchada na língua da víbora
destilar o veneno do consumo e me fez coisa entre coisas
objeto de pouco valor no mercado um simulacro de cópias

 

eis que a sensação pereceu de inanição por falta da vinha
do ócio amputado travestido na imagem do vídeo
fez-se vinagre mísero astro vítreo

 

veio da Pérsia a alforria dos escravos

das montanhas o profeta anuncia a vida viva

impregnada do musgo que desce dos pinhais

da seiva quente que vem das seringueiras

Buda olha do alto e do lado e a terra pulsa vigorosa

lançar às mãos dos cativos a pedra milenar a sabedoria dos cravos

 

apontados p'ras fendas do coração alquebrado
busca d'alma o escarlate do rosto mais são
a púrpura dos tamarineiros o linho do algodão
o alforje das samambaias balança o bálsamo...

 

veio a nuvem do alto dos coqueiros beijar-me o espírito

banhar-me as colinas das escarpas com perfumes de mirra do oriente

 

quebrar as grades do deserto semiótico e midiático

em que encerra os homens... inda o azul... o grito dos palmares

 

 

 

 

Sexta-feira

 

caminho sobre o espelho da lua
eu mesmo - um reflexo que basta
e encerra a raiz da vida -
falho e sempre

encontro, aflito, a ideia mundo

sussurrando em meus olhos

olho-o. elemento incorpóreo entre o azul do mar

e o azul do céu, facho de nuvens

entre arrulhos d'espumas

areia que assanha o caminho

farol que fecha o horizonte e arrefece o olhar

espreita a mão a figura que forma

eu - beira de mim

sinto ferir-me da imagem

que sei não mais existir em lugar algum

só na projeção que projeto irreal à minha frente

caminho, reticente, pondo-me a sonhar a noite inteira

evoco dos sentidos as cortesãs da madrugada

os perfumes adocicados nas calçadas

pairo em torpor o meu corpo na rua

talvez do asfalto brotem os escravos e os cílios

quentes - volúpia do animal no cio

fogo eterno que não finda

e fere a rosa

cravo de mel na pele

a mulher lasciva exala

o passado que há em mim soterrado

sobre cem pétalas de chão

vencido em êxtase - num plano arcado e imenso
desenho no papel o universo
oceano de folhas flores derramadas
fruto da paixão que flui em descompasso
sozinho - ladeira abaixo...

 

 

 

Página publicada em março de 2009, aumentada e republicada em agosto de 2013. Ampliada em julho de 2019



 

 

 
 
 
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