DANIEL LIMA
Daniel dos Santos Lima nascem em Timbaúba, Pernambuco, Brasil, em 1916. Fez estudos de Teologia e Filosofia nos Seminários de João Pessoa e no Recife. Fundou e dirigiu o jornal A Voz de Nazaré, em Nazaré da Mata, PE, onde residiu por muitos anos. Foi professor de Filosofia, Estética e Latim, na Faculdade de Filosofia do Recife e na Universidade Federal de Pernambuco. Por muito tempo, Daniel Lima orientou e iluminou gerações de jovens e de menos jovens intelectuais em Pernambuco e no resto do Brasil. Tem 27 livros inéditos, de poesia ou versando sobre assuntos referentes à ética, à estética e à política. Em 2011, com seu livro Poemas, recebeu o prêmio Alphonsus de Guimaraens, da Fundação Biblioteca Nacional.
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LIMA, Daniel. Poemas. Recife: Cepe, 2010. 415 p. 16x24 p. Projeto gráfico: Ricardo Melo. Capa dura e sobrecapa de couchê duro. Ilustração da capa: Galo-de-campina, de José Cláudio. Companhia Editora de Pernambuco. Apresentações de Lourival Holanda e Zeferino Rocha. Inclui os livros (inéditos até então): Livro 1 - Cancioneiro tímido – cordel modernoso; Um jumento e algumas rosas; Livro 2 – Asa, abismo e voo; Livro 3 – Cantos rápidos; Livro 4 – Quase. Col. A.M.
CANTIGA DO TOMARA
As aves voam e as palavras.
Com o tempo, todos voamos.
Voo eu, tu voas, ele
voa. E nos dissipamos.
Vamos, vamos e vimos
choramos, rimos, sorrimos.
Sem saber porque nem como,
mal chegamos, e partimos.
Como? Por quê? Por onde?
E onde? E quando? E daí?
E o quê? E mais: com quê?
Para quê, se tudo é se?
Se tudo é se. Deus quisera,
talvez possa, vamos ver,
tomara, espero, vejamos,
acho que sim, pode ser;
se é tudo assim no palpite
na torcida, só com a cara,
sem saber porque nem como,
eu quero voar... Tomara!
RECEITA DE BOM VIVER
Procuro viver a vida.
Viver faz bem à saúde
e faz milagres incríveis.
A vida é coisa divina:
nem a todos acontece:
Exemplo disto: os possíveis.
Os possíveis que, coitados,
lá no não-ser da potência
como em lago apodrecido
esperam em vão que às vezes
alguém, por acaso ou escolha,
deles faça um acontecido.
A morte, mal incurável,
é o mais natural da vida:
é vida, também, a morte.
Quanto mais vives, mais morres.
Bem só se vive o contrário,
chega-se ao sul pelo norte.
Saúde é viver intenso.
(eu quero dizer não-tenso).
Cada momento é um bom vinho.
Com bons médicos convivo,
mas pra viver os dispenso,
que bem sei morrer sozinho.
Às vezes vivo depressa
e hoje vivo o amanhã.
Mas logo dou marcha à ré.
Vivo todo ao mesmo tempo:
se vou de avião pra frente,
no agora eu ando a pé.
Nada será jogado no vazio.
Nem mesmo o vazio da vida,
porque é vida.
Nem mesmo-o gesto inútil,
pois-que é gesto.
Nem mesmo o que não chegou a realizar-se,
pois-que é possível.
Nem mesmo ainda o que jamais se realizará,
porque é promessa.
E o próprio impossível
é vontade absurda de existir.
E nisso existe.
O ANJO IMPOSSÍVEL
Dorme em mim um anjo impossível,
que Fra Angélico nunca pintaria,
e Jerônimo Bosch em pesadelo sempre.
Tem olhos de leopardo
e riso de hiena.
E um anjo sem asas
(mas é um anjo)
rosto cor de cinza
e dentes de vampiro.
Quando durmo, ele acorda.
Quando acordo, ele dorme.
Sei que um dia acordaremos juntos
ou dormiremos juntos.
E então saberei seu nome.
E decifrarei o seu riso
Mas será tarde demais
para uma conversa amiga.
LIMA, Daniel. Sonetos quase sidos. Recife: Cepe, 2012. 149 p. 16,5x25 cm. capa dura e sobrecapa Ilustração da capa: detalhe de desenho de José Cláudio. ISBN 978-85-7858-112-1 “ Daniel Lima “ Ex. na bibl. Antonio Miranda
ALMA SIMULTÂNEA
Tenho qualquer idade em qualquer tempo:
velho agora e menino logo adiante;
aqui jovem e depois homem maduro;
às vezes nem nascido, às vezes morto.
A idade em mim rebenta impetuosa
não do tempo existido, mas das coisas
que me criam, e também que são criadas
pelo que sou e sinto em face delas.
Menino e velho sou, não sucessivo,
mas simultâneo a cada sentimento
- múltipla idade de uma alma múltipla.
Às vezes já estou morto há muitos anos,
muito depois e frio; mas às vezes
sinto que vou nascer, sinto-me antes.
Recife, 2.5.1952
Numa árvore qualquer, repousa o pássaro
do leve e largo voo, com que risca,
livre, de asas abertas, ao Infinito,
o espaço, onde distende o frágil corpo.
Cada árvore é sua na passagem;
todo galho se estende ao seu descanso.
Mas se é tudo lugar para seu pouso,
para ele somente um ninho existe.
No mundo ando também estrada afora,
e em toda presença abrigo encontro,
acho pousada em qualquer parte sempre.
Tudo o que existe é árvore que acolhe.
E, como o pássaro, pouso em qualquer parte,
mas sei que existe um Ninho meu, somente.
Recife 29.11.1957
Da vida o que te resta, e para sempre
— inda que ao mais vivido atinja a morte -,
o que, no solo teu, fundo mergulha,
quais raízes eternas no teu tempo;
não são teus mais sublimes pensamentos,
nem mesmo os ideais por que sofreste,
nem derramado sangue, em heróico gesto,
de, te perdendo todo, te encontrares.
O que da vida fica, e para sempre
e que não passa nunca, inda que passes,
é o que de frágil nela construíste;
são teus sonhos que nunca consumaste,
as pequeninas coisas, tão fugazes,
que nem sabes, talvez, quanto as quiseste.
Recife, 30.4.1946
Página publicada em maio de 2013, página ampliada e republicada em agosto de 2014
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