Foto: https://twitter.com/leopoldocomitti
LEOPOLDO COMITTI
(Rio Negro, Paraná, 1956.)
Possui graduação em Licenciatura Em Letras pela Universidade Federal do Paraná (1977), graduação em Licenciatura Em Letras pela Universidade Federal do Paraná (1977), especialização em Curso de Especialização Em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Paraná (1985), mestrado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais(1989), doutorado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais(1993) e pós-doutorado pela Universidade Federal Fluminense(2002). Atualmente é funcionário da Universidade Federal de Ouro Preto. Atuando principalmente nos seguintes temas: Contexto brasileiro, Cidade, Dalton Trevisan, Identidade Cultural, Pos-Modernidade e Vida literária.
Fonte da biografia: ESCAVADOR
A POESIA CONTEMPORÂNEA COMO PROJETO DISCURSIVO - [UMA LEITURA DA POESIA DE LEOPOLDO COMITTI] – ENSAIOS
http://www.antoniomiranda.com.br/ensaios/a_poesia_contemporanea_como_projeto_discursivo_ensaio.html
101 POETAS PARANAENSES (V. 1 (1844-1959) antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI. Seleção de Admir Demarchi. Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. 404 p. 15X 23 cm. (Biblioteca Paraná) Ex. bibl. Antonio Miranda
A PORTA E O ESPELHO
1.
O espelho do quarto exíguo
reflete não mais a imagem
do quarto. Nem da cama,
nem do homem que olha
um verme que devora a noite.
Pela plana e ruiva superfície,
enferrujada de suores vários,
ele desce uma escada tosca,
aqui e ali mal iluminada
por um foco de luz inquieta.
Trémula. Postiça, talvez,
em sua fraca lâmpada frouxa
e pendente, e incauta, e fraca,
de um fio de pó ou pólen de vidro:
moído vidro de um relógio morto,
no pisotear de um tempo estrábico.
Entre o claro e o escuro disformes,
outro homem se interpõe e desce.
Tece a escada no espelho fosco
e transforma o quarto fechado
em aberta paisagem externa
e extrema. Pelos postigos da janela,
os espectros avenida se derretem,
na tortuosidade da ruela que verte
barroca e sinuosa paisagem artificial:
nas rugas, nos rostos, nas brechas
de uma falsa pátina aquarelada em verde.
2.
A escada vazia e tosca
divaga na sofreguidão
da lâmpada ainda acesa.
Passos rangem entre cupins
que o pé esmaga. Invisíveis
vítimas de uma noite tesa.
Rostos passeiam entre séculos
e os passos ainda largos
se dirigem a uma esquina:
quina pontiaguda e suspensa
que o relógio de vidro
encena num quarto de hotel.
De repente, da rachadura
do espelho, a casa se fragmenta
em lógico deslizar pelo penhasco.
Num lento quadro a quadro,
quarto e rua fundem-se novamente
em tapete e pedra, emaranhados.
3.
Há um degrau de morte
no desvão da escada.
Aranhas, aos montes,
o preenchem de tênues
dúvidas. Austeras, tecem
o sono, em lugar da espada,
em ingênuos arremedos
do arremesso final e inquieto.
Há luzes na calçada,
mas o espaço pouco entre
ela e a noite é interrogação.
Pergunta que paira
na irrespondível chegada
de uma insossa manhã
quase impossível e frágil.
Tão frágil que mal se ouve
os passos que rangem
na escada invisível
que se esconde e se mostra
por trás do espelho.
4.
No avesso do quarto
exíguo do hotel barato,
reflete a telha chã e vã
que reconstrói o dia pelo inverso.
Na luz que entra e se espalha
pela extensão da cama velha,
ainda se sente o soar dos passos,
a ecoar no brilho da lâmina
que os olhos então dispersos
registram ainda como estranha,
límpida e marmórea lápide.
ENTRE ROSAS E BARATAS
1.
Desculpe-me, Clarice,
nunca devorei uma barata.
Não por nojo físico
ou metafísico desprazer.
Compreendo-as,
em seu fugir pelos cantos.
Conheço-as todas,
e divido com elas,
companheiras insones,
as noites do não-dormir.
Amo-as em seu aspecto imundo,
e na imundície delas
me encontro como no espelho.
As rosas, prefiro as baratas,
em seu diligente caminhar
sorrateiro e obscuro, pois
obscuras são elas, e delas
encontro o rumo da fresta
onde a luz nunca chega.
Ou então, onde ainda não há.
Rosas exigem vasos.
Não os tenho, assim como
também não compartilho
da loucura sagrada de quem
as têm, e os têm e despedem-se
delas em busca de um vazio
que se espraia sobre a mesa.
A sós, bichinhos nojentos,
dividimos o mesmo quarto
escuro e exíguo; o espaço
minúsculo que nos resta,
antes e depois da ironia
alegre que cortejamos:
sempre surdos e irônicos,
frente a repugnância breve,
mas funda, dos passantes
fúteis e desapercebidos.
Comer baratas?
Comer-me-ia eu mesmo.
BIBELÔ
A pétala azul
de porcelana antiga
despencou sobre a mesa
amarela. Inteira e fresca
a dália se mantém
ereta.
O POÇO
Depois de um voo perfeito,
a lenta calma das paredes pétreas.
Nem ruídos, só o úmido rugir
dos ouvidos abertos para a água.
Tateia arestas brutas
e lanha-se nos braços,
sem sentir o sangue que escorre.
Liquefez-se lerdo e lindo
no fundo pedregoso do poço.
Ali espera o mágico e magno
formar de bolhas e círculos.
E espera. Espera o ovo.
Espera até que os pulmões
não suportem a sólida
parede da realidade.
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Página publicada em dezembro de 2020
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