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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Retrato: Alexandre Lazzarini

JULIA DA COSTA
(1844-1911)

 

Júlia Maria da Costa nasceu em Paranaguá, PR, em 1° de julho de 1844, filha de Alexandre José da Costa, também de Paranaguá, e de Maria Machado da Costa, natural de São Francisco do Sul, SC. Depois do falecimento do marido, a viúva e a filha — na época com apenas dez anos —, passaram a residir em São Francisco do Sul, com o irmão da mãe, tabelião João José Machado da Costa. Vivendo toda a vida nessa bela ilha e tendo ali falecido em dois de julho de 1911, é por essa razão também incluída entre os escritores catarinenses. Escreveu poemas desde muito jovem.

 

 

COSTA, Júlia da.  Poesia. Org. Zahidé Lupinacci Muzart.  Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2001.   416 p.   (Brasil Diferente)   16x23 cm.  “ Júlia da Costa “  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

DESESPERANÇA

 

Que céu formoso, que natura esta!

Tantos fulgores vem turbar minh' alma!

Meu Deus! se a vida é para uns tão calma

Por que p' rã mim ela é tão negra e mesta!

 

Em magos risos despertando a aurora

A flor do prado seu aroma exala!

Eu também vejo-a despertar... que fala

Soltarei d' alma que o passado chora?

 

Ávida é negra! Nenhum astro ameno

Derrama luz que lhe afugente a treva!

Quero sorrir-me! mas a dor me leva

Do peito aos lábios um saudoso treno!

 

Vejo floridos para o seu noivado

Os laranjais, e a natureza inteira...

É tudo festa! na mimosa esteira

Da veiga amena, no florente prado...

 

Mas a esperança que dourou minh'alma

 

Da minha vida na estação da infância

Agora à tarde, já não tem fragrância

Que possa dar-me ao dessossego calma!

 

E a natureza tem eterna festa!

Da f´licidade nela vê-se a palma!

Meu Deus! se a vida é para uns tão calma

Por que p'ra mim ela é tão negra e mesta?!

 

Dos verdes lustros na dourada aurora

Por entre rosas nos sorri a vida!

Mas de meu sonho é a ilusão perdida!

E geme o peito, enquanto a alma chora!

 

E a lira ali no laranjal cheiroso

Pendida a um galho se acalenta em prantos!

Ave chorosa dos passados cantos

Nem ouve o eco no vergel formoso!

 

E a rosa branca do gentil valado

Se às vezes diz-lhe um amoroso voto,

Ela suspira, e no futuro ignoto

Só vê a imagem do cruel passado!

 

 

SABIÁ

 

Ave sonora, que na veiga extensa

Trinas endechas de sentido amor,

Que de vertigens não me entornas n' alma

Asilo onde se abrigou a dor.

 

Teu canto é doce, como é doce a vida

Serena e bela no sorrir das flores;

Mas não modules tão sentido canto

Que o prado ameno nos promete amores.

 

Amo teu canto, como a virgem ama

O áureo sonho d' um porvir gentil;

Sinto minh' alma taciturna e triste

Acompanhar-te no trinar febril.

 

Tremem as fibras de meu seio virgem,

Quando teu hino n' amplidão se espraia;

E sobre a fronte pensativa e triste

Uma saudade languemente paira.

 

Ouvindo esse hino me falece o alento...

Não sei que sinto que me enleia... e choro!

Fujo dos campos... os ouvidos cerro

Mas ouço sempre teu cantar sonoro.

 

Ave divina, que na veiga extensa

Trinas endechas de sentido amor,

Que de vertigens não me entornas n' lma,

Asilo onde se abrigou a dor.

 

 

MINHA TERRA

 

Minha infância, meu sonho donrado,

Astro lindo que além se escondeu,

Por que as asas brandiste n'um voo

Esorrindo fugiste?'raocéu?...

 

A saudade minh' alma devora...

Que contigo fugiu-me a esperança!

E com ela um arcanjo mimoso,

Minha irmã, doce, meiga criança...

 

Eu fui logo, (que fado cruento!)

De meu lar, tão criança banida!

Ai que dores! que mágoas acerbas

Desde então me atormentam a vida.

 

Eu chorei por meu berço mimoso,

Como o pobre proscrito por pão!

E sequer não ouvi neste mundo

Nem um brado de doce afeição.

 

E hoje ainda da pátria me lembro

Com dorida saudade e pesar;

Quando a noite desdobra seu manto,

E é mais brando, mais lindo o luar.

 

E me lembro... Se as auras osculam

As ondinas cerúleas do mar,

Eu nas asas das auras desejo

A meu solo querido voar. -

 

E as fímbrias do lindo horizonte

Do meu Norte, quem dera eu voar!

Para ver os anjinhos diletos

De meu puro e saudoso folgar!...

 

Para ver minha linda casinha,

Que, pequena deixei a chorar,

Testemunha dos brincos da infância

Que jamais haverei de gozar.

 

Para ver minhas lindas patrícias,

Visões puras d' um sonho dourado,

Que somem gentis entre as nuvens

De meu vago e tristonho passado...

 

Mas é tudo p' ra mim impossível!

Tudo é sonho! quimera!! ilusão!!!

Só real a saudade que sinto

Nesta negra e cruel solidão.

 

 

A NOITE

 

O luar manso e triste além prateia

          Do céu a imensidão;

E do mar os arcanjos luminosos,

De volúpia estremecem jubilosos,

          À voz da criação!

 

Correm mansas as brisas perfumadas,

Cantando seus amores;

E do cimo azulado da colina,

Surge triste uma fada peregrina

          Toucada de esplendores!

 

Das neblinas não traja as brancas vestes,

          É triste o seu sorrir!

Mas no manto que é negro e roçagante

Traz mil gotas de luz de um mundo errante

          Que fala do porvir!

 

É ela, meu Deus! a doce amiga

          Que eu vejo à beira-mar!

Quando ao longe as estrelas maviosas,

Mil centelhas desferem luminosas,

          Eu vejo-a despontar!

 

Desce, ó noite gentil! ó casta filha

          Da mórbida saudade!

Vem beijar-me em silêncio... o vento geme,

          Suspira a imensidade!

 

Já não cantam as aves... nem os ecos

          Modulam mais sequer!

Mas minh'alma inda beija as mortas folhas

                              Que alastram o vergel!

 

Vem, ó anjo do orvalho! doce amiga

          De plácida harmonia,

Que me inspiram ainda longes cantos

          Nas harpas da poesia!

 

 

Gazeta de Joinville, 27 de setembro 1882

 

 

A NOITE

 

Brilha o céu, mas em vão soluça e brada

A terra ansiosa, com pueril receio!

É densa a treva; nessa paz calada

Funda tristeza nos oprime o seio!

 

Tudo fenece, embaixo da orvalhada

Repousa o campo de perfumes cheio!

Negro é o mar, a floresta sossegada,

Dormem as aves da espessura em meio!

 

Embalde a noite traiçoeira e linda

Enche de encanto os bosques e os atalhos,

E, enquanto de fulgor o espaço alinda,

 

Seu manto enfeita de gentis orvalhos:

Mentem os ermos na amplidão infinda!

Mentem as flores a tremer nos galhos!

 

 

(Versão encontrada em Marinha. Ano VI, n. 56, 1882)

 

Página publicada em julho de 2015


 

 

 
 
 
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