ALEXANDRE GAIOTO
(Maringá, Paraná, 1989) Jornalista e bacharel em Letras. Mestre em Estudos Literários (UEM).
101 POETAS PARANAENSES (V. 2 (1959-1993) antologia de escritas poéticas do século XIX ao XXI. Seleção de Ademir Demarchi. Curitiba, PR: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. 398 p. 15X 23 cm. (Biblioteca Paraná)
MANÍACO DA MOTO
Eu tinha brigado com o Baiano.
Ele já tava bêbado.
De olho na gordinha da mesa ao lado.
Vai saber o que fez com ela depois do Meu Pato.
No meio da briga me chamou de puta.
Gorda baranga do carai.
Com o taco de sinuca ameaçou uma surra.
Ali mesmo no meio do bar.
O Celso e o Bode tavam junto.
Eles pensam que sou trôxa.
Bem sabia o motivo da alegria.
Comemorando mais um assalto.
Pagando cerveja pra todo mundo.
Era só pedir.
Daí na esquina mesmo liguei pro mototáxi.
Esperei dez minutos.
O cara parou na minha frente.
Esticou o capacete.
Corrida pra onde mesmo?
Moro perto dali.
Na rua perto do Bar do Vermelho.
Mas não arrisco voltar andando não.
Terra de maníaco é Maringá.
Rua Vasco da Gama.
A cor?
Preto feito a morte.
Que era bonito era.
Não tava nervoso.
Subimos pra Avenida Cerro Azul.
Ele virou o redondo certinho.
Seguiu.
No meio da Cerro Azul o pedido.
Se eu incomodava de passar num amigo.
Coisa rápida 5 minutos.
Só pegar um boné emprestado.
Não quis não.
Ele disse que não ia cobrar.
Entrou numa vilinha.
Uma coisa esquisita.
Ruas estranhas.
Logo me perdi.
Vi que tinha algo errado.
Parou a moto numa rua deserta deserta.
Na pressa de descer queimei a perna no escapamento.
Neguinha minha!
Todo fogoso veio pra cima de mim.
Musculoso.
Macho pra danar.
Se não gritei?
Não parava de tremer.
E a voz nessas horas desaparece.
Em momento algum tirou o capacete.
Deu uns tapinhas na minha bunda.
Eu desesperada.
Ele me fodeu feito um animal.
Descontrolado.
Viseira aberta.
Acabado.
Um último tapa na bunda.
Com o capacete bati nele. E corri.
— minha salvação.
Não posso ouvir barulho de moto.
Entro em desespero.
Lembro dos detalhes.
Do Baiano me ameaçando com taco.
Da vilinha.
Dele deitado sobre eu.
A voz desaparece.
Fico muda sem palavras.
Forte dispara o coração.
QUANDO NENHUMA MÚSICA
quando nenhuma música
te conforta mais do que ouvir
os carros amor os carros
passando em volta da gente
e a vontade é de vomitar
antes de chegar à esquina
onde foi parar o controle do portão?
é preciso agachar juntar
os pedaços distantes do que um dia foi o.
para então deixar a casa
(que está à venda)
correr antes do fracasso
escondê-lo na manga da camisa
sem fazer barulho
eu deito no meio da calçada para gritar
um pouco mais alto
balbuciar o seu nome
não só nas noites de porre
tomando socos alguns pontapés
tive o braço quebrado
e a boca cheia de catarro dos outros
para sentir que aqui dentro ainda havia vida
TRAFICANTE EU?
A perna perdi na linha do trem
A direita
Se dói não sei não
Desmaiei e acordei assim ó
O eterno manquinho do Borba Gato
Respeitador de todos e muito trabalhador
Meu último emprego era na farmácia do bairro
Levando na casa o remédio dos coitados
E não ficava só na rotina
Eu sempre muito humano sabe?
Conversava com os velhinhos
Aceitava o chá das senhoras solitárias
Ria junto com elas
Fazia piada da minha perna
Deixava o dia um pouco feliz
De bicicleta sim das oito às oito
Cruzando a Vila Operária
Rasgando a Cerro Azul de cima pra baixo
Com cuidado maior na Avenida Brasil
— que não sou besta de ser atropelado, viu?
Dois meses manco já pegava a prática
Nem sentia mais a falta da ausente pedalando
Acho que até ia mais rápido
Não sei de onde tiraram essa ideia
Traficante eu?
Só de amor seu moço
Nunca nem usei essas coisas aí quando jovem
Nem sei a cor o peso ou como se usa
Na hora ali fiquei é com medo
Cinco carros me encurralando e cantando pneu
Os brutamontes gritando com a cabeça pra fora da janela
O que cê faria?
Me joguei na magrela
Pisei fundo
Na confusão até perdi o chinelo
Cansado de tanto trabalho tive mau desempenho
Na subida da ladeira me alcançaram os trogloditas
Rindo da minha cara
E da falta que a perna me faz
Quem me conhecia chegou junto
Dizendo ele é do bem trabalha na farmácia
De nada adiantou
Deram uns tapas no meu rosto
Ofenderam minha mãe morta ano passado
Chamaram de puta maloqueira daí pra baixo
Zombando disseram que vou traficar agora no xadrez
Sei como é na prisão
Perneta e estuprador os prediletos dos marginais
Tapam a boca
Não tem como gritar
Amarram os braços
Passam gel às vezes perfume
Lambem todas as suas partes
As mil loucuras na sua frente atrás no seu ouvido
Um por um em fila organizada
Todos famintos carentes de amor
ME PROFANA, DIABO!
Na voz vi um sujeito aflito
Tropeçando em palavra e silêncio
Cheio de três pontinhos sabe?
Cinco anos de rua conheço bem o tipo
Combina no Meu Pato e dá balão
Esperando feito trôxa eu sozinha na mesa
Matando o bicho aqui dentro com goles de Presidente
O lugar?
Uma sobreloja na Vila Operária
Pra surpresa não cancela não
Até bonito o apê em cima duma loja de sapato
Toquei o interfone no primeiro andar
Da linha abriu o portão sem dizer oi pode subir vem tesão
Sem elevador parti pra escada
Bem metida num vestido azul curtinho e salto alto
No 101 o olho me espera atrás da porta meio aberta
Salivando me espia de baixo pra cima e empurra a porta
E quatro talvez cinco mãos menor que eu
Tão miúdo capaz de subir nas coxas daqui?
Num risinho digo bem gostoso hem
Se todos fossem assim que nem cê
Ele fica suado acho que sente a mentira
Não insisto
Tinha um sofá laranja no centro da salinha nada demais
Na mesa o retrato derrubado à pressa
— quem abraçado a ele jurando amor eterno?
Peguei pela mão e levei pro sofá
Numa lambidinha na orelha ele todo contorcido
Sete anos sem bimbar?
Louco com as gemidas da leoa em mim ao pé do ouvido
Escancara o tuzinho da tua cotovia faminta
Benze de leite meu rosto minha boca não perdoa nem a
covinha
Soca tudo inteiro de uma vez sou tua me profana, diabo!
Ele ficou louco ainda mais suado
Lambendo atordoado meu decote até aqui
Daí veio a campainha com alguém batendo na porta
Tão branco tremendo assustado
A voz pela primeira vez respondendo fraquinha calma tô me trocando
Corri pra trás do sofá abaixei muda
Pra minha surpresa ele veio do lado
Levantei achando que tinha outro esconderijo
Nisso a mulher com razão mandando abrir e batendo
Fraco ainda não sei como fez aquilo não
Me erguendo com tudo de uma só vez no colo
Tão rápido não gritei só fechei o olho
Arremessada um andar sem dó pelo escroto
Aqui ó a queda dói como uma faca no tuzinho
Na hora dor alguma
Só a sede de enforcar aquela garganta buscar meu dinheiro bolsa dignidade
Ninguém ali se importou comigo Nem perguntaram de onde como se eu mesma caí Enquanto um velho abria o portão aproveitei e corri Sangue no zóio!
Empurrei a porta num grito alto não lembro o que disse
Quem descia a mão nele era a coitada
Que me jogou vinte pila a bolsa e um olhar de mulher
Página publicada em maio de 2016
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