ISABEL CÂMARA
Maria Isabel Câmara (Três Corações, 1940 - Goiânia, 2006) foi uma poeta e dramaturga brasileira].
Sua estreia no teatro foi como atriz, numa montagem da peça Nossa Cidade, de Thornton Wilder, em Belo Horizonte. Mudou-se para o Rio de Janeiro e em 1968 levou sua primeira peça, Os Viajantes, ao palco do Conservatório Nacional de Teatro. O texto foi mais tarde adaptado para a TV por Domingos de Oliveira.
Em 1969, estreou As Moças no Teatro Ipanema, retratando a contracultura ao mostrar em cena duas mulheres que dividiam um apartamento e expunham de forma poética os problemas da juventude da época. A peça lhe valeu o Prêmio Molière de 1970. Voltou a trabalhar como atriz em Hoje é Dia de Rock, em 1971.
Participou da antologia 26 poetas hoje, apesar de não ser propriamente uma integrante da geração da poesia marginal[3][4]. Na década de 1990, abandonou o mundo dos espetáculos e foi morar em Goiânia, onde morreu em 2006.
Dezenove do oito de mil novecentos e setenta e quatro
Não entendo nada desta janela fechada
que me aperta a culpa
Doer não dói mais,
nem sangra —
Consegui o que queria:
ser despedida, ficar perdida
falida & alone
olhando o papel da Comédia.
Sei que me chamam Bel
Mel de paixão
sugado da boca louca
de onde sangra o coração
e chora a hora
do leito vazio
do jeito do beijo
fácil, difícil, sutil.
A verdade é que vivo a mil
sonhando a morte em azul-anil
só para gênios, tímidos
e alguns porcos chauvinistas
desses que o padre vem me
benzer todo dia, e quando
não vem ele cá vou eu lá:
Leva este caralho compra-me um maço
de cigarros Continental, umas cem
gramas de alho e o tempero, que te der na cuca.
E se o dinheiro render, um lacinho de fita
de seda ou crepom. Depois, na saída do cinema,
vem cedo para casa, me leva pra cama, sem se
esquecer que o alho é para um aglio-olio.
Fim (13º. Volume)
Você me falou
que me mandasse porta afora
Eu vou
Vou com força total
esta porta não é metal
é o nosso mental
transparente
correndo da corrente
que pega gente exigente.
Vou enxugando a alma,
na palma que segura
a espada.
Vou pedindo calma...
Ih, lógica
Sós quem sabe a Idade de Ferro
é a Bigorna que o modifica...
Exclaresendo
Toda alegria que bate em mim é motivo de certa
emoção que assusta. E como o susto me retira
de mim mesma feito tivesse cheirado pó de pirlimpimpim,
embarco no ato do sentir dor tal e qual um daqueles
rapazes ou moças indevidamente apontados pela
hipocrisia de “pervertidos sexuais”. (Ninguém perdoa, hein?)
Pois há determinados dias que nem me passa
pela cabeça tal ideia e o que me assola mesmo é
o prazer dos cinco anos, quando a dor, doendo, ficava
no mesmo pé de igualdade com o amor se abrindo.
É então que eu saio por aí de braço dado com
a própria sombra e vou sonhar acordada nas portas dos
Grupos Escolares (de preferência os públicos) como
um tarado qualquer.
Só assim sinto-me pura para um Ato Solitário.
A very important question
Qual mortal até hoje
pensou um
Unicórnio com medo
de cair-lhe o chi-
frinho da testa?
Afirmativa
Na posição que me encontro
só no sono do barato
na zona franca, ausente
me sinto contente!
Hora sagrada
Ti espero.
Sob o travesseiro
a tesoura segura
o Ouro
o Trigo
o abraço ligeiro
de quem tem cheiro
das coisas pagãs
anãs sob o linho fino
o vinho rasteiro.
Faço a feira
da Orgia
que pia, escorregas,
cortando ligeira
a noite do dia que me alivia.
E aí só cria
meu mundo de fantasia
Agora vê se não chia
Você não é minha tia.
Manhã de frio
(Lena meu amor)
Trata-se de uma certa dama
que acorda aflita pelo dia
observando da janela do seu
Disco-Voador
o cinza que se irradia
desde a música —
Romântica e Alemã
até a cor fria da Dor
Quem diante do amor
ousa falar do Inferno?
Quem diante do Inferno
ousa falar do Amor?
Ninguém me ama
ninguém me que
ninguém me chama de Baudelaire
Lençóis
(Para Esther, da Clínica V. Silva)
Aos domingos se vai ao longe...
Lavam-se panos brancos e os
denominamos roupa de cama:
Roupas de baixo
Roupas de cima —
Coisas da Casa
Aos Domingos todos se cansam cedo
há enlaces matutinos
e muitos hinos.
Aos domingos há missa, música
entreveros. Há quem chore
nalguma hora e há também
possibilidades novas:
Há pares, bares, porres.
Aos domingos semeiam
as lavadeiras
seus azuis/brancos lençóis
lúcidos dos dias de semana.
Para eles lençóis
prata da Casa
Lençóis louça de Porcelana
Mistura fina
Now is just a taste
of how to face
face to face
A faca que ataca
o mal real
de ser leal ao
leite quente, ao banal...
Probel / problemas
O futuro é uma ciência fodida pelo tempo
O presente é isso aí
O passado é a gavetinha onde a memória brinca
de obra e Arte.
Carta
Olha eu te desejo
tanto que perdi
o recato.
Nada temo, tremo!
Sou poeta devassa
adorando a tua raça.
Lovely & lonely Bird
of my Youth, tell
me how to reach
The South of your Mouth
Extraído de
POESIA SEMPRE – Revista Semestral de Poesia. Ano 5 – Número 8. Junho 1997. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional – Ministério da Cultura. Departamento Nacional do Livro, 1997. Ex. bibl. Antonio Miranda
Pecadora
Devoro teu vôo ó pássaro pleno
comendo tuas asas
Teu Deus
me absolve
Devoro este pássaro
em cujas asas me apreendo Plena
Deus de tantas lousas & dos que
não tenho olhos não os tenho para ver
E todos sabem é plenilúnio
é plena pele amaciando outra coisa pele
Teus olhos sejam meus olhos ó pássaro Deus.
Minha poesia não vale nada
minha fé se perde a todo instante
e passo contente feito não tivesse nada
com o passado o futuro sequer o presente.
Meu português não é de todo ruim
maldosa é a palavra labutada
dando quase em nada.
O pior português
foi aquele meu avô que pisava feliz suas vindimas
e se o vinho era meio azedado foi quando tomei
meu primeiro porre na adega de sete chaves
numa bela manhã tricordiana.
Quem nasceu para ferreiro tem o ditado:
espeto de pau. Fiquei tão feliz em ser bêbada
na adega do ferreiro seu Miguel.
O forte em mim no entanto são cordas de celos
e o de menos é tudo que acho saber.
Sou um arremedo arretado trespasse de espadachim
cheio de espirros acorrentados.
É que respirar faz tão bem aos pulmões!
2
Sou farta em tripés
e cheia de tripas sangrando
feito veias. Sou plena em Maomés
e conhecer faz-me doer tanto que esqueço o mistério.
Já fui carregada nua no meio da rua nua
arrombaram-me a casa
arrombaram-me a castidade (desde mocinha)
e chega.
Ser tão vulgo é um visgo.
Porém não o ser é perder-me de mim e morrer antes da hora.
Que foram antes tantas.
Gostaria de amar mas desaprendi.
Como todo tolo faço-me de poeta
P'ralegria não ficar triste e morrer de saudade ou pena.
Os suicidas merecem nada mais que o céu?
Isto devia ser escrito ou questionado?
Perigoso demais.
No mais a mais et coetecera
que de coleira nascemos.
Ai os que de nós houver, ver, vir e por amor
não perecer
Página publicada em janeiro de 2018; ampliada em junho de 2018
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