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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




ASCÂNIO LOPES

(1906-1929)

 

 

Ascânio Lopes Quatorzevoltas nasceu em Ubá MG) em 1906, vindo com cinco meses para Cataguases. Em 1925 foi para Belo Horizonte, onde estudou Direito. Morreu em 1929, aos 22 anos, o que decretou o fim da revista Verde.

Obras: Poemas cronológicos (ao lado de Enrique de Resende e Rosário Fusco). Em 1967, sua obra foi organizada por Delson Gonçalves Ferreira no livro Ascânio Lopes: vida e poesia. Sobre o autor, foi publicada em 1998 a antologia Ascânio, o poeta da Verde, organizada por Joaquim Branco.

 

“Quando os audazes rapazes de 27 lançaram a Verde, Ascânio Lopes tinha vinte e um anos incompletos, mas uma poesia madura, fruto de seu espírito intelectual que mesclava aguçada observação do mundo e inquietações com sua saúde”.    Ronaldo Cagiano

 

A seguir, quatro poemas do autor, dois deles extraídos da antologia organizada por Assis Brasil — A POESIA MINEIRA NO SÉCULO XX (Rio de Janeiro: Imago, 1998), —exemplar enviado por Aricy Curvello para a Biblioteca Nacional de Brasília.

 

 

         SANATÓRIO

        

         Logo, quando os corredores ficarem vazios,

         e todo o Sanatório adormecer,

         a febre dos tísicos entrará no meu quarto,

         trazida de manso pela mão da noite.

 

         Então minha testa começará a arder,

         e todo meu corpo magro sofrerá.

         E eu rolarei ansiado no leito

         com o peito opresso e de garganta seca.

 

         E lá fora haverá um vento mau

         e as árvores sacudidas darão medo.

         E os meus olhos brilharão, procurando

         a Morte que quer entrar no meu quarto.

 

         Os meus olhos brilharão como os de uma fera

         que defende a entrada da sua morada.

 

 

            SERÃO DO MENINO POBRE

 

         Na sala da casa da roça

papai lia os jornais atrasados.

Mamãe cerzia minha meias rasgadas.

A luz frouxa do lampião iluminava a mesa

e deixava nas paredes um bordado de sombras.

Eu ficava a ler um livro de histórias impossíveis

— a vista estava cansada, a luz era fraca,

e passava de leve a mão pelos meus cabelos,

numa carícia muda e silenciosa.

 

Quando mamãe morreu

o serão ficou triste, a sala vazia.

Papai já não li os jornais

e ficava a olhar-nos silencioso.

A luz do lampião ficou mais fraca

e havia muito mais sombra pelas paredes...

E, dentro em nós, uma sombra infinitamente maior.

 

 

                   (In Cataguarte, 20/4/1997)

 

 

 

CENA DE UMA RUA AFASTADA

 

                         Para Martins de Almeida

 

 

A solteirona fechou as janelas com estrépito.

Uma mocinha da escola normal passou firme,

                                            [ sem olhar.

Um senhor gordo disse que era uma pouca

                                            [ vergonha

e que nossa polícia não vigiava os costumes.

Mas, indiferentes aos gritos dos carroceiros,

às pedradas dos garotos,

a lulu de D. Mariquinhas e o fox-terriê

                 [ (meio sangue) do sr. Fagundes

continuaram impudicos no meio da rua.

 

 

 

O CHEFE

 

 

O valentão brigou com o chefe político

e então todo mundo se lembrou que ele era

                                           [ criminoso

e veio ordem da Capital para prendê-lo.

 

Os soldados se prepararam foram 30 jagunços

                                 [ para acompanhá-los.

O escrivão lavrou de véspera o auto de

                                 [ resistência à prisão.

Mas o bandido não resistiu abobado diante dos

                                 [ soldados da Capital.

e entregou-se docilmente.

 

Mas o chefe disse que era preciso matá-lo

pois o auto já estava lavrado e assinado.

 

Era impossível voltar atrás.

 

 

Cataguazes

 

   Para Carlos Drummond de Andrade

 

Nem Belo Horizonte, colcha de retalhos iguais,

cidade européia de ruas retas, árvores certas,

casas simétricas,

crepúsculos bonitos, sempre bonitos;

Nem Juiz de Fora. Ruído. Rumor.

Apitos. Klaxons.

Cidade inglesa de céu enfumaçado, cheio de chaminés negras;

Nem Ouro Preto, cidade morta,

Bruges sem Rodenbach,

onde estudantes passadistas continuam a tradição das coisas

                                                                  [que já esquecemos;

Nem Sabará, cidade relíquia,

onde não se pode tocar, para não desmanchar o passado

                                                                  [arrumadinho;

Nem Estrela do Sul, a sonhar com tesouros,

tesouros nos cascalhos extintos de seu rio barrento;

Nem Uberaba, nem, nem, cidades arrivistas de gente que no

                                                                  [pretende ficar:

Não! Cataguazes... Há coisa mais bela e serena oculta nos

                                                                  [teus flancos,

Nas tuas ruas brinca a inconsciência das cidades

que nunca foram, que não cuidam de ser.

Não sabes, não sei, ninguém compreenderá jamais o que

                                                                  [desejas, o que serás,

No és do passado, não és do futuro; não tens idade...

Só sei que és

a mais mineira cidade de Minas Gerais. . .

Nem geometria, nem estilo europeu, nem invasão americana

                                                                  [de bangalôs derniecri.

Tuas casas são largas casas mineiras feitas na previsão de

                                                                  [muitos hóspedes.

Não há em ti o terror das cidades plantadas na mata virgem.

Nem o ramerrão dos bondes atrasados, cheios de gente

                                                                  [apressada.

Nem os dísticos de aqui esteve aqui aconteceu.

Nem o tintim áspero dos padeiros.

Nem a buzina incômoda dos tintureiros.

Teus leiteiros ainda levam o leite em burricos.

Os padeiros deixam o pão á janela (cidade mineira).

Teu amanhecer é suave.

Que alegria de só ter gente conhecida faz teu habitante

[voltar-se para cumprimentar todos que passam.

Delícia de não encontrar estrangeiros de olhar agudo esperto

                            [mau, a suspeitar riquezas nas terras.

Alegria dos fordes brincando (são dois) na praça.

(Depois vão dormir juntinhos numa só garagem).

Jacaré!

João Arara!

João Gostoso!

teus tipos populares.

A criançada atira-lhes pedras e eles se voltam imprecando.

Rondas alegres de meninas nas ruas, as tardes, sem perigo

                                                                  [de veículos,
papagaios que se embaraçam nos fios de luz, balões que sobem,

foguetes obrigatórios nas festas de chegada do chefe político.

Jardins onde meninas ariscas passeiam meia hora só antes

                                                                  [do cinema.

Ar momo e sensual de voluptuosidade gostosa que vibra

nas tuas tardes chuvosas, quando as goteiras pingam nos

                                                                  [passantes

e batem isócronas nos passeios furados.

Há em ti a delícia da vida que passa porque vale a pena passar,

que passa sem dar por isso, sem supor que se vai transformando.

Em ti se dorme tranquilo sem guardas-noturnos.

Mas com o cricri dos grilos,

o ranram dos sapos,

o sono é tranquilo como o de urna criança de colo,

Vale a pena viver em ti.

Nem inquietude,

nem peso inútil de recordações

Mas a confiança que nasce das coisas que não mudam bruscas,

nem ficam eternas.

 

                            Poemas Cronológicos — "Verde" Editora — 1928
                            — Cataguazes — págs. sem numeração.

 

 

 

 

RUFFATO, Luis, org.   Ascânio Lopes, todos os possíveis caminhos.   Cataguases, MG:  Instituto Francisca de Souza Peixoto, 2005.   211 pl     14x21 cm.   Inclui poemas,         ficção, artigos, comentários, resenhas, além de fotos do poeta e da cidade de CataguaseS.  Ascânio Lopes Quatorzevoltas.  Col. A.M.

 

CERTEZA DA MORTE

 

Eu sei... Eu sei...

Mas não choro.

Não choro, nem clamo.

O pranto é amargo e inútil

e meu clamor não alcançaria o céu.

Nem desespero:

de nada vale o desespero ante. as coisas irremediáveis.

 

 

A FAZENDA QUE NÃO DÁ MAIS CAFÉ

 

          Para Emílio Moura

 

Cromos de folhinhas velhas enfeitam as paredes

quadros piedosos de santos, retratos descorados de

 

[homens barbudos

de mulheres com roupas estranhas.

Mobília antiga e pesada, cadeiras mancas

com a palhinha furada.

Teias de aranha, pó nas paredes

cheias de figuras e datas a carvão e a lápis.

Um cachorro dorme um sono tranquilo na sala de jantar.

Parece que há alguém muito doente

dentro da velha casa desanimada.

Crianças sujas brincam sem alegria

no terreiro cheio de mato.

Ar pesado.

 

Entretanto a fazenda já foi alegre e catita

mas começou a ficar assim desde que a terra cansou

e os cafeeiros envelheceram.

 

 

Página publicada em janeiro de 2008, por sugestão do poeta Aricy Curvello. ampliada e republicada em junho de 2009.

 


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