LAURO LEITE
Lauro Bocayuva Leite Filho, poeta, jornalista e radialista, nasceu em São Luis do Maranhão em 19 de dezembro de 1937. Letra Fria/ Sentir foi seu livro de estréia em 1967.
Os tempos
Tinha uma porção de anjos
segurando o algodão daquela nuvem branca;
e o que pintou de azul o fundo,
manchou de cinza o fim dos nossos olhos
e nos beijamos.
Tinha um lago calmo
e o vento sussurrava malícias,
o peixe prata luar de agosto saltou
e nos amamos.
Tinha o fogo dos infernos,
um Lucifer danado
e homens se matando;
eu tinha lágrimas nos olhos
e tu também choravas
quando nos deixamos.
lronia lúcida
Agora é tempo de sorrir
e ser de novo
o garoto das compras e dos recados
Agora é tempo de fingir
que nada valem
os eternos fundilhos remendados.
Agora é tempo de esquecer as lágrima
- engoli-Ias de uma vez! -
e voltar à surdez da ignorância,
pois já me afogo em tanta ironia,
pois não suporto ter-me em consciência
e já não quero amar-me em lucidez.
(Os Filhos de Dom Quixote/1987)
Página preparada por Zenilton de Jesus Gayoso Miranda. Alguns textos do poeta foram extraídos de matéria publicada no Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante. Página publicada em novembro de 2008.
Vinde a mim
as velas coloridas
que aportam às prostitutas
do Desterro.
Abram os caminhos:
quero falar com a Mãe de Deus
e receber a unção
da ansiedade
e da poesia.
Calem, por favor,
as radiolas regueiras;
quero ouvir o boi-bumbá
e o criola,
quero rodopiar o corpo
no balé negreiro.
Agora, tragam a rede
que o poeta vai dormir
com o sonhar afoito
das gentes maranhenses
e o corpo cansado do viver intenso.
(Discurso Essencial / 1992)
LEITE FILHO, Lauro. Moacyr e Ambrósio. São Luis: Gráfica e Editora Jornal do Dia, 1970. s.p. 14x18,5 cm. Ex. col. Antonio Miranda
moacyr e Ambrósio
pés no chão
São pobres
eu vejo
que tão pobres são
que vejo a pobreza
na dor
e no ar
que enche seus peitos
sofridos
sentidos
irmão e irmão
2
pequenos ainda
já sentem sentir
de quem padeceu
uma vida
de anos
tão longos e feios
passados
levados
irmão e irmão
3
os dois
de mãos dadas
correndo no lixo
que o mundo lhes deu
é lama
malvada
que suja seus pés
doridos
feridos
irmão e irmão
4
comida
pedida
negada também
pelos poderosos
os donos
de tudo
de escravos
de terras
paradas e virgens
que nunca correram
ou estagnaram
na solidão
deixando, só fome
pra irmão e irmão
5
as roupas
que vestem
o resto de alguém
que delas cansou
de velhas
de podres
e deu de esmola
pra livrar-se
enfim
de irmão e irmão
6
e dinheiro
que pedem ?
eu bem que recordo
que irmão e irmão
recebem
felizes
e saem correndo
e compram
o pão
irmão e irmão
7
são pobres
amigos —
e pedem ajuda
os dois coitadinhos
andando
mãos dadas
no lixo de nós
que falamos
mentiras
de irmão e irmão
8
são pobres —
nós vemos —
mas não conhecemos
a vida que têm
de pobres
de tristes
e são resultados
de nossa vaidade
que fere
que mata
não tem piedade
de quem infeliz
nasceu e morreu
(pois vivo não é
o ser que do lixo
de nossa matéria...)
LEITE FILHO, Lauro. Fuga arranjo e orquestração
1º. movimento poesia. São Luis: Departamento de Cultura do Maranhão – SIOGE – 19-3.1972 63 p. 13 x 16,5 cm.
Ex. bibl. Antonio Miranda / doação do livreiro Brito – DF
poema número 4
eu beijei
os lábios da miséria,
no êxtase do encanto
do meu ser.
senti
o gesto amargo do sofrer
e pisei na sertã seca
do amor.
corri
os tempos do imediato.
tracei o destino
de todo o vivescer.
ah! eu corri, lutei e chorei tanto
e morri
na presença do morrer.
poema número 5
sonha-te entre desnudos e fatigados,
com quem repartes as tuas vestes e o teu leito;
sonha-te entre famintos e inválidos,
com quem repartes o teu pão e a tua força,
e,
acordarás no reino dos bons
e serás irmão dos anjos.
poema número 6
luzes se agruparam
procurando vida
e a vida surgiu
com pontos,
contrapontos,
paradas, fugas e abrigos.
uma orquestra solúvel,
de musical inter-presente,
anunciou hosanas de verdades
e salmos-mentiras
da vida disforme.
*
Página ampliada e republicada em fevereiro de 2023.
Página preparada por ZENILTON DE JESUS GAYOSO MIRANDA,
publicada em novembro de 2008. Ampliada e republicada em maio 2014 |