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JORGE NASCIMENTO

Fonte: www.guesaerrante.com.br

 

JORGE NASCIMENTO

 

“Ninguém, desconhece o talento de Jorge Nascimento, excelente profissional de imprensa e admirável contista cuja força de expressão dispensa, por evidente, qualquer apresentação.

 

Também o poeta que fala através de Ausência Restituída precisa apenas de apreciação, análise e crítica da parte de cada leitor.

 

Já deve esta, portanto, muito claro que não me proponho aqui apresentá-lo. Estou apenas, a pedido da escritora Aríete Nogueira da Cruz Machado, Diretora do Departamento de Cultura, dizendo de sua alegria por entregar ao público este livro.

 

Quando, em viagem de finalidade cultural, passamos pelo Recife, Jorge Nascimento, atualmente ali residindo, mostrou a Aríete, Nauro e eu, sua experiência poética. E tal foi a satisfação de vê-lo produzindo, que para logo ficou acertada a publicação destes sonetos.

 

Leiam, os sonetos deste livro e vejam com que violência criadora ele "sai rasgando a terra, no outro lado do mundo"”. Jomar Moraes

 

Auto-retrato

 

Cresce dentro de mim, doloroso, humilde pranto;

Alma surda e esquizofrênica, inútil de tristezas,

Desertei da vida pela aspiração do amargo canto

E mesmo assim ainda tive que banhar-me de torpezas;

 

Quem agora irá prover a insanidade do meu sonho,

Eu, que sempre tive o bem ajustado e negro desvario

De nunca permanecer nas proporções onde me ponho,

Errante e só, comandado pela minha bússola de desvio

 

Sempre a refulgir, nos oceanos de uma sinistra paz;

Meu reino imbecil, descoberto por defeituoso impostor,

Repetente de todas as classes da infâmia sempre audaz;

 

Minha terra sombria de obscenidade, na voz de um homem

A quem determinaram inteira sujeição ao destino opressor,

Abençoado, enquanto vida tiver, as horas que me consomem! 

 

 

De “AUSÉNCIA RESTITUÍDA, Poesia”, edição do Departamento de Cultura do Maranhão, Secretaria de Educação e Cultura, 1972. O livro está dividido em duas partes: “Átila” e “Nódoas de Carvão”, das quais foram selecionados os sonetos:

 

 

          ÁTILA:

 

Antes da Batalha

 

Se, de repente, a presença da morte fosse mais além do pensamento,

Numa definição de eternidade julgada para o obstáculo do castigo,

O que seria de mim, sem filosofia para escapar deste vil tormento

De dúvidas flagrantes para destruir o alvo do meu coração inimigo ?

 

E padeço despido de metafísica ouvindo o lento suor cu.e vai crescer

Dentro de minha rebelião pornográfica, contra este espírito de calma,

Assassino mercenário, vindo do exterior doido para matar o meu prazer,

Inútil e degenerada fortaleza da cristandade, jagunço dos céus da alma,

 

Imaterialissimamente abstraio, caindo aos pedaços para vir saudar-me

A mim, seu dono e senhor nas solidões onde o pântano nunca se atreve

Com a megalomania dos seus bruxedos universais na tome de retalhar-me,

 

Igual a tantos outros viajantes reverenciosos nas enfermarias esganados,

Como as vacas esquartejadas no matadouro fulminante desta hora breve,

Deslizando no corredor vermelho sem os gritos dos infortúnios lancetados !

 

 

O Arconte Executado

 

A boca dos mortos é igual a um escorpião corrupto sem perspectiva,

Observada apenas pelo verdugo quando vai se ajoelhar com o destino,

Depois que os sentidos caíram com o olhar da fronte real e fugitiva,

Longe do estrado, além. da crina verde do fantástico cavalo assassino,

 

Amaldiçoando as pastagens toscas com os resíduos da geada indiferente,

Doendo a imaginação com a infinidade dos longos amores já corrompidos,

Antes de receber na masmorra o candelabro para iluminar o inconsciente

E devolvê-lo aos mendigos farsantes e cruéis, na pocilga dos grunhidos,

 

Reacendendo a vergonha da nudez que recorda o Santo da montanha homicida

Para destruir o ilusionismo da sobrevivência, com o logro da eternidade,

Quando tudo está consumado, até mesmo a última parcela da Ceia dolorida,

 

Repercutindo nas trevas anónimas o grito selvagem do Inquisidor no cansaço,

Onde a luz do jazigo será insculpida para a nascente origem da deslealdade,

Com a epiderme da Face cravando-se nos antropofágicos filamentos do espaço!

 

 

NÓDOAS DO CARVÃO:

 

Desencontro

 

Sol é coletivo de relâmpagos, quando chovem estacas do pensamento,

Descendo em verticalidade dolorida ao remontar o passado no desejo

Pavoneando-se de lascívia, ao ver o negro antes do seu linchamento:

 

Comovente macho africano, subjugado na raiva inflamada de um beijo

 

Lambendo o corpo todo, contra a maciez dos seios nos olhos impuros

Desta branca tão bela quanto o transatlântico voando pêlos espaços

O peso de suas ancas para ferir anaconda enroscada acima dos muros

De vegetais sanguíneos, defendidos por quatro serpentes: os braços,

 

Mordendo-se desesperados na forragem dos cavalos, perto da vacaria,

Agora em silêncio furioso rolando pela grama que logo se desprende

No combate dos centauros de duas cabeças beijando o chão da agonia,

 

Sem perceber o latido dos cães rastejadores atrás da honra perdida,

Trazendo à frente o caçador de adúlteros num espanto que ofende:

Olhando o negro agressivo espojado em bestialidade no animal da vida!

 

 

Página publicada em dezembro de 2008



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