Rômulo Neves na Feira do Livro de Brasília de 2017 com o seu livro Terminal de onde foram selecionados os poemas acima. Foto por Nildo.
RÔMULO NEVES
Ele nasceu em Anápolis (GO), em 1977. Como diplomata, morou na Venezuela, Suriname e Etiópia. Foi jornalista na "Folha de S. Paulo" e na "Gazeta Mercantil".
Atualmente, além de seu trabalho como diplomata, apresenta o programa Jazz Brasil, transmitido pela Rádio Nacional, em Brasília, e pela Rádio MEC/FM, no Rio. Participou do Big Brother da Rede Globo em 2017.
NEVES, Rômulo. Terminal. Poemas. Brasília: Angaturama, 2016. 134 p. 15x22 cm. ISBN 978-85-92186-0-5 O livro reúne poemas escritos entre 1999 e 2016. x. bibl. Antonio Miranda
Acaso
Trapaça no jogo taciturno
entre o eterno e o malogro;
golpe baixo no combate
entre o destino e o acidente;
banho de água fervente
nas costelas do gato preto,
que cruza seu caminho;
incêndio aninhado
no breve intervalo
entre o já e o para sempre.
Madraço
respeito pouco e deboche farto
de fora, o falo; da braguilha, o parto
mulambo em constante escracho
barba por fazer, na cara de macho
o molejo e a ginga quando passo
o cheiro de pinga do meu bafo
toda minha coleção de vícios
as lembranças do meretrício
a careta de meus nobres pares
e eu mandando o mundo pelos ares
Segredinho
Meu pé do ouvido
está com calo,
frieira, chulé
e uma unha encravada.
Então, não diga nada,
nenhum sussuro,
nenhum gemido,
apenas me abrace
e sorria.
Golpe
Satisfeito,
pois o sumo da ninfa
ainda enche um copo com gelo,
e sua carne ainda tapa
o buraco do dente.
Em meus parcos momentos
de sangue corrente, julgo
correto saciar a lucidez
da minha tez sulcada
na perdição do pavio
do jovial corpo de bacante.
Nesta idade, um homem
faz jus a se lambuzar
de sémen, catarro, suor ou sangue
e, se não há clareza do perigo
de morte,
sei que estão conexos,
nessa agressividade doce,
que dá o tom da nossa alcova,
cova, cama e semente.
Em família
No casório do irmão,
a malícia da titia
no velório do vovô,
a delícia da priminha
no domingo em família,
o molejo dos quadris,
um cheiro, um beijo,
um pecado, um bis
a preservar
a moral e os bons costumes,
a depender
do grau de parentesco.
Lua de Mel
O filme estreou
na noite de núpcias,
em sessões seguidas.
O roteiro saiu do prelo.
A prole.
Kit na 407 Norte
No quarto e sala,
sacodem apertados
demônios e hormônios;
a roupa suspensa
no varal
sobre o fogão
esconde o cenário
dos olhos curiosos da população do outro bloco;
os cantos da geladeira velha
já pariram pontos de ferrugem;
três pratos e dois copos
dormem sobre o pano
na mesa de dois lugares
e o romance,
que pegou fogo um dia,
agora se resume
a dois corpos,
uma barriga
e um rastro de pólvora
encharcado de arrependimento.
Gramática em preto e branco
A cor acabou
e, pelo menos por enquanto,
sem rastro algum de flor
ou de arco-íris,
voltemos ao preto e branco,
ao cinza, às cinzas,
deixemos de lado
os livrinhos de colorir
e passemos ao ditado
das sentenças em ordem direta,
pois a oração
ficou sem sujeito
e o pretérito
mais-que-perfeito
transformou-se
em um futuro indeterminado.
Página publicada em junho de 2017