POESIA GOIANA
Coordenação de Salomão Sousa
JOÃO ANTÔNIO MARRA SIGNORELI
Nasceu em Goiânia (GO), em 15.12.1989. Estuda na Universidade Federal de Goiás, cursando graduação em Letras, na modalidade de Bacharel em Literatura. Escreve desde os 15 anos de idade e tem no prelo o primeiro livro, Klívena Klarim, pela Editora Kelps, na coleção Goiânia em Prosa & Verso (2011).
ELEGIA DA LIBÉLULA
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Se tudo é o fim agora eu não mais sei,
Mas sei que um fim agora está presente
No abismo que fecunda nesta lágrima
A pálpebra demente.
O fim desabrocha ausente a toda a Lei
Rasgando a nossa pele amargo e quente
E pousa no Infinito a sua pétala
De flor inconveniente.
Ó fim que não é fim, é só problema
De si. Discípulo que o Mestre vence-o,
Por que trazes destroços?
É tua a dor que rege este poema!…
Queria hieroglifar o teu silêncio
No verso de meus ossos.
Primeiro passo ─ ontem
És Ontem, de quando fomos
Catar lágrimas nos esgotos do céu
E cheirar os sonhos embrulhados,
corvos de papelão
Tinham cheiro de tomar coca-cola no bar da esquina.
Ninguém vai nos ver atrás desta noite!
Não, em teus oráculos de silêncio
Salivam miolos a perder de vista. Mas
Soubesses a saudade de ti,
Deixar-me-ias
beijar os teus ossos
banhando-me em esporos de tua presença,
Libélula…
Os olhos de nunca palavra,
A boca de nunca coisa,
As mil asas de nunca nado
No espírito de nada…
Ainda me lembro:
─ Você gosta de falar isso pra ninguém entender?
─ Só quando eu quero me calar,
─ É, não devia falar nada.
Deu R$ 4,00 e fomos, estrelas no tênis,
E eu só queria esquecê-la…
Tempus,
dóhn a vad
Sonos vem
Nus, invadem
E não tem volta.
Segundo passo ─ canção esputinique (ou o que restou do céu)
Há dias quando o Mistério se cronogela
E se iluminam as marés e as ruínas,
Fotografias, letras, pontes, vales ou céu…
E o negativo de Deus não estava
Em nenhum esgoto ou sonho… Aquela caixa…
Um pouco de tilenol e alegoria.
Felicidade de plástico nas ruas enfeitando
A morte da noite, nem mesmo Alexandre,
O marinheiro pelos peixes de nós mesmos
Imaginava-nos nas residências de Pompeia
Desenhados antes de inventarem a coca-cola.
Alfa. Como se já não bastasse, a luz queimou.
A luz queimou tudo:
A noite, os sonhos, os peixes, o cerrado, a argila,
Os heróis, os vômitos e Patmos (Patmos sumiu),
E os faróis imersos no rosto como se fossem
A luz de trinta moedas, o suficiente
Para tomar um sorvete e um beijo no rosto.
Há dias em que o Mistério se cronogela,
Mas neste houve festa e conclusões,
Um pássaro que nunca veio, e podemos ver
Até o infinito com os trítonos no pescoço.
Não temas! Eu sou o Primeiro e o Último
E passo na SBT às quatro e meia da tarde.
Dona Verônica faz e desfaz todos os tipos
De trabalho através das forças místicas,
Dar-lhe-á orientações seguras sobre
Coordenação de assuntos disciplinares,
Quando for permitido abrir o caderno
Verifique se ele está completo,
Pois a nossa vida não está, é um loading
Indo para o último gole.
A luz queimou tudo.
A lua é somente um satélite de Bandeira,
Eu saí com ela para tomar sorvete
E ver as felicidades de plástico do Natal.
Nenhuma nuvem no céu, como já disse,
Nenhuma noite ou sonho ou mesmo peixe, e eu apontei:
─ Vês aquela estrela que já não brilha sobre nós?
É a prova, Patmos, de que as trevas nos iluminam.
Terceiro passo - volta de van, sobre um soneto de Camões
Ebarme dich mein Gott,*
O canto pela aurora não suporto.
Neguei o meu caminho e agora o sigo,
E tu, Libélula, no mesmo porto
Ou van cheirando a mijo me ignoras.
Campo voltamos, tu, campe, também
Os olhos me voltas fingindo invisível
A pétala em galho na beira do mar.
És multidão, Libélula,
Black bough-eyes eu diria de meus sonhos,
O fogo que na branda cera ardia…
A van nos levará de volta,
Mas sou ainda aquele da janela,
Meu pássaro me voa em línguas de Scriabin,
Não posso perdê-lo de vista.
Perdoa-me se ditosa aquela flama
De teus pés me trouxe ao Mistério…
Vocês me perdoem se não cedi antes
Aos seus pés e não me fiz esquerdo na vida…
Virei cristão quando me quiseram, Libélula,
Cobrindo com panfletos o sonho
Bebendo castelhano barato e vomitando-o por aí!
Eu, como dois ardores, eu e tu, Libélula,
Onde a estrela-flor se incendeia em cinzas de trítonos
Recitando assim:
“Namoram os tempos:
Migalhas de estrada
Aos chulos do céu,
Casulos do nada.
Minutos nas gotas…
Quem vai abraçá-los?
No meu rodacosmo
Há sopro de calos.”
Não, quereria Pompeias de plumas
Se fossem teus olhos, quereria apenas,
Dizer “eu te amo”, brega como tudo,
Vendo o rosto gentil se, senhora,
As tranças de tarde tornassem sem hora
Por alcançar a luz que vence o dia.
Ouvimos o resto das penas de fogo,
Cheguei a chorar…. Caronte, pô, cuidado aí!
Meu cinto de segurança estragou!
Esta janela que eu na alma vejo
Passando as árvores até o início…
Seguimos por essa lágrima
De pedra quando na casca da árvore
Entalhei o teu e o meu nome, e seguimos
De Moisés a Gerardo. Falei daquela dor
De meu pássaro ao sentir chegar a morte,
Rezou e teve de beber o cálice, mas antes
Seu pranto espalhou arsênio nos corações,
Mas quando achamo-lo se ascendeu em outra chama!
A imagem do pássaro feita do barro prometida
Ou fogo, segundo Stravinsky, findou em nós
E eu filho do qual não pude escrever a voz.
Minha vida está nas tetas daquela cadela
Latindo constelações pelo fim do tempo?
E acaso fiz alguma coisa? Pois me olhas desse jeito,
Não somos dois adolescentes? Não
Vês-me inclusive como pequenino?
Os pombos que nos mascam dia-a-dia
Sequer seremos nós, imitadores,
Apenas isso é a nossa identidade!
O canto pela aurora na vista de que o mundo…
Não importa, ao virar aquela rua,
A van te deixará em casa, e essas alucinações
Minhas nos retalhos dessas nuvens
Serão amortalhadas no silêncio desta elegia
E assim, Libélula, teus tênis nos céus amarrados,
la pointure de l’éclaircie,
Com a luz remeterão com furor sobejo
cuspido de estrela
As luas mentirosas de meu rosto
Que estarão longe dos ardores e tormentos.
E pensar ter ido ao fundo e gritado
Como ao esgoto já sem lágrimas
Com a voz voraz cortando os embrulhados sonhos, cortando
Cada fedor moderno e sangrando-o ao focinho das sílabas:
“Eu acredito na eternidade!”
Mas o homem que se atreve está morto.
E ao virar aquela rua a apagar os teus
Rastros eu vou precisar de um tilenol,
Além de precisar terminar isto aqui,
Sofrer na grande impaciência de meu tempo,
Por ti queimar nos olhos de meus semelhantes
E nem disso me lembrar, pois esta van virará
Letes e te deixará em casa.
(O instante é o meu pássaro em pouso no se)
Lembro quando foste beijá-lo
Na parte onde se via umbigo…
Constelações de sangue, deve tremer
Aquela neve, argila dos Elementos.
Eu poderia ter deixado, não ter vivido,
Recuado dos esgotos, vencer a poeira,
Encolher-me feto de vômito no sonho,
Ter sido sublime no relâmpago da cama,
Mas a lágrima queima o fogo, sabemos,
E queima corações e pensamentos.
Ebarme dich mein Gott,
O canto pela aurora não suporto,
Este é nosso caminho, sigamo-lo,
Não faltam ali os raios de artifício,
Os trêmulos cometas imitando os teus…
Ser diferente não podia, mas
Não vamos nos lamentar, que tu, Libélula,
Da porta sais e vês-me sem adeus.
Primeira apólise ─ amanhã
Não choro por seres pólenes de carne
Em pouso no silêncio,
Tampouco pelos prostíbulos sagrados
Onde o Mistério amortalha a tua solidão
em nossa boca.
Ventos que vociferam vícios e vespas
Que nós mascamos não me produzem uma lágrima,
Mas ela cai, lúcula de sal, fitando o nunca
E o motivo talvez não seja a saudade…
Se lamento não é por tuas carpideiras
Ou por me lembrar da graça
Com que tocavas na água pura,
Pois nem te lembras de mim em tua ilha de sono
Como Eurídice, que baila
Num mundo feito dos prantos de Orfeu
Com vales, cidades, prédios e versos de Rilke.
Mas choro e me rasgo e desejo
Amar contigo em edredons de terra
Apenas por saber
Que a lágrima inexistindo em teus ex-olhos
É a única verdade que te resta.
Segunda apólise ─ Alexandre crucificado
Quando Alexandre, o grande marinheiro,
Sofreu a incineração azul do sal
Alimentando os peixes com seus sonhos de lágrima
Chegou a nossa boca seu espírito de fruto.
Consegues enxergar a eternidade dessas velas?
Nosso horizonte são os olhos de Alexandre.
Página publicada em julho de 2011
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