RUBEM BRAGA
(1913-1990)
Romancista, cronista, tradutor e jornalista. Considerado por muitos o maior cronista brasileiro desde Machado de Assis, nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, ES. Como jornalista, Rubem Braga exerceu as funções de repórter, redator, editorialista e cronista em jornais e revistas do Rio, de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife. Foi correspondente de "O Globo" em Paris, em 1947, e do "Correio da Manhã" em 1950. Obra vasta e de valor permanente. Também foi poeta, de cujo livro extraímos o poema abaixo.
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POETA E CRISTÃO
A poesia anda mofina
Mofina, mas não morreu.
Foi o anjo que morreu:
Anjo não se usa mais.
Ainda se usa estrela
Se usa estrela demais.
Poeta religioso
Mocinha não pode ler:
Pecará em pensamento,
Que o poeta gosta do Novo,
Mas pilha seus amo ricos
É no Velho Testamento.
Ai, o Velho Testamento!
Eu também faço poema,
Ora essa, quem não faz:
Boto uma estrela na frente
E um pouco de mar atrás.
Boto Jesus de permeio
Que Deus, nos pratos de amor,
É um excelente recheio.
E isso bem posto e disposto
Me vou aos peitos da Amada:
Sulamita, Sulamita,
Por ti eu me rompo todo,
Sou cavalheiro cristão.
Minh'alma está garantida
Num rodapé do Tristão
E o corpo? O corpo é miséria,
Peguei doença, Mas Jorge
de Lima dá injeção!
O badalo está chamando,
Bão-ba-la-lão.
Amada, não vai lá não!
Eu também tenho badalos
Bão-ba-la-Ião!
Eu sou poeta cristão!
Rio, 1940
(Livro de versos, 1980)
AGENDA 2019 Literatura Brasileira e Portuguesa. São Paulo: Global Editora, 2019. s.p. Inclui poemas de Patativa do Assaré, Menotti del Picchia, Cora Coralina, Murilo Mendes, Cecília Meireles, Marina Colasanti, Henriqueta Lisboa, Ruben Braga, Mário Quintana, Manuel Bandeira, Machado de Assis. Ex. bibl. Antonio Miranda
Poema de Rubem Braga– mês de Setembro:
Bem-aventurados os que fazem o carnaval,
os que não fogem nem se recolhem,
mas enfrentam as noites bárbaras e acesas:
bem-aventurados os gladiadores e Césares
e chiquitas e baianas, e que a vida depois lhes seja leve
no volta do sonho sem que se esbaldam!
ANTOLOGIA DOS POETAS BRASILEIROS BISSEXTOS CONTEMPORÂNEOS. Organização: MANUEL BANDEIRA.
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1996. 298 p, 12 x 18 cm.
ISBN 979-85-209-0699-O Ex. bibl. Antonio Miranda
“Bissexto é todo o poeta que só entra em estado de graça de raro em raro.” MANUEL BANDEIRA
TARDE
E quando nós saímos era a Lua,
Era o vendo caído, o mar sereno
Azul se cinza azul anoitecendo
A tarde triste das amendoeiras.
E respiramos livres da ardências
Do sol nos levara à sombra cauta,
Tangidos pelo canto das cigarras
Dentro e fora de nós exasperadas.
Andamos em silêncio pela praia.
Nos corpos leves e lavados ia
O sentimento do prazer cumprido.
— Se mágoa me ficou, na despedida,
Não fez mal que ficasse, nem doesse:
Era bem doce, perto das antigas.
ADEUS
“Adeus, escritório, adeus
Para sempre, e nunca mais.
Eu vou sair pelo mundo
Eu vou pra Minas Gerais,
Já não quero mais cidade
Onde tem muita prisão
E nenhuma liberdade.
Nem quero ser lavrador.
Eu quero ser vagabundo,
Mas de espingarda na mão.
Se precisar trabalhar
Mudo sempre de patrão.
Beber, só bebo cachaça,
Não preciso beber mais.
Se morrer é de maleita
No fundo do mato: morte
Que rima com esta sorte
Do Brasil que Deus me deu.
Adeus mulherada, adeus,
Eu vou no rumo de Minas,
Pego o sertão de Goiás,
Mato onça e pesco muito.
Se forem me aborrecer
Vou matando sem aviso
O branco que aparecer.
Depois desço por um rio,
Vou pro Norte ou vou pro Sul,
Em Marajó ou no Prata
Eu varo as ondas do mar.
E saio por este mundo
barbado, pobre, sozinho,
Doente, todo estragado,
— mas de espingarda na mão!
Página ampliada e republicada em fevereiro de 2019; ampliada em maio de 2020 |