JORGE ELIAS NETO
JORGE ELIAS NETO é médico, pesquisador e poeta. Capixaba, reside em Vitória/ES. São de sua autoria os livros:
Verdes Versos(Flor&cultura Ed. 2007), Rascunhos do absurdo (Flor&cultura Ed. 2010), Glacial e Breve dicionário poético do boxe (inéditos). Integrou as publicações Antologia poética Virtualismo (2005), Antologia literária cidade (L&A Editora - 2010), Antologia Cidade de Vitória (Academia Espirito-Santense de Letras - 2010 e 2011) e Antologia Encontro Pontual (Editora Scortecci - 2010). Publica regularmente nas revistas eletrônicas: Portal Cronópios de Literatura, Diversos a fins, Poesia diversa, Mallarmargens e Estação Capixaba. Blog: jeiiasneto.blogspot.com.
ELIAS NETO, Jorge. Sonetos em crise. Itabaiana, Bahia: Mondrongo, 2020. 98 p. 15 x 22 cm. ISBN 978-65-80066-65-0 Ex. bibl. Antonio Miranda
SONETO SEM TETO
O tédio faz brotar o Eu perverso,
nos cantos esquecidos dos escombros,
e da sombra, o rugido do universo
surge na boca imensa do ser manso.
Pois se o calor emena da tristeza,
e a paixão é pólvora do selvagem,
o sopro faz tremer a chama acesa,
e a urgencia é a medida da voragem.
E nada que se preze e guarde
àquele ser que se debate firme
contra uma vida que esmaga e late.
Resta o engate ao cerne da maldade,
sem esperança, se atirar ao crime,
e ser centelha no porvir da tarde.
Vitória, 05 de abril de 2018
DIÁLOGO ENTRE POETAS
Para José Augusto Carvalho
Será acaso Dante este estampido,
estreia derradeira de um sonho,
derramado nos campos, perseguido,
aquém dos portais do divino antonho?
E agora, José, se nem mesmo a valsa
de um azul Danúbio — já assaz retinto —
reafirma os laços, nos salões e praças,
onde sombras passam de olhar soturno?
Se o Inferno à Terra já não tras sentido,
e a surpresa empresta o poder ao tédio,
resta à indiferença polivilhar o olvido.
A pedra que brilha ofuscou o concreto,
e a palabra Má-qui-na perdeu fascínio.
Sair de Minas, do Mundo, assim, perdido?
Vitória, 30 de maio de 2018
PREFIRO OS LOUCOS
Para Italo Campos
Triste o fim dos que se destroem
por arcabouços de verdade,
e se recusando amizade
usam atropelo em sua verve.
O tom de um sofista, este açoite,
diz de uma procela de moucos;
faz ventar os cabelos poucos
da Musa rara… Ah eterna noite!
Saber da espera? Só os loucos
de versos claros, harmoniosos,
que mesmo imberbes, assim roucos,
respingam manhãs luminosas,
reviram a lama dos poços,
semeiam no nada as rosas.
Vitória, 13 de novembro de 2018
ELIAS NETO, Jorge. Breviário dos olhos. Vitória, ES: Edição do Autor, 2017. 136 p. 13x19 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
"Sempre fui um admirador dos poemas curtos, dos aforismos e epigramas. Sei que o nada, a convivência com o absurdo, o simples prazer e o deslumbramento são tudo o que se persegue no poema. Mas muito me atrai "brincar" com as ideias. Daí minha admiração por Nietzsche, José Paulo Paes, Fernando Pessoa, Antonio Porchia, Leminski e outros amis.". JORGE ELIAS NETO
Rente ao chão,
toda mentira resvala na
inutilidade.
*
As cores amanhecerão diferentes
na tarde de tua lucidez.
*
Perdi meus tempos de insônia
fiando futuros improváveis.
*
Pode existir alguém mais fiel
que um inimigo?
*
O que fazer
com instantes
que insistem em chegar
dissipando ilusões?
*
A esperança
é uma simples questão
de instinto de sobrevivência.
NETO, Jorge Elias. Cabotagem. Poesia. Itabuna, BA: Mondrongo, 2015. 88 p 13x20 cm ISBN 978-85-5557-014-8
Surpreendente a poesia de “Contagem”. Lírica, telúrica, assumindo um território coletivo pelos olhos de uma vivência plural, compartilhada. ANTONIO MIRANDA
70 METROS
Na perspectiva da ponte
O pássaro solitário não volta.
Bom sentar aqui…
Gera um desvio do olhar;
um torcicolo súbito
diante da emanação do absurdo.
Ver do alto a evolução das águas:
sem o murmúrio
do bocejo das ondas,
sem o grito ruidoso do
rasgar do mar.
Imagino os que trafegam às minhas costas…
Nas gaiolas de metal,
guardam as intenções dos gestos.
Que assim fiquem — distantes!
Cada despedida vale pela nudez dos corpos;
o íntimo dos olhos.
E o momento não pede tal intimidade…
(A Penha ergue-se sobre todas as coisas…)
Minha mãe guardou meus cachos de anjo,
cortados,
abençoados…
Mas os anjos são lívidos
demais para serem humanos…
(A eternidade é uma metáfora que já não me iludoe.)
Lá embaixo,
no Oceano de pedra,
reside o fim da angústia essencial.
Desmantela-se a Lei suprema.
(Que homem ruidoso medrou minha carne?)
A busca do indefinido.
Muito me interessam os fósseis,
desimpregnados de nomes…
As palavras curtas;
o anzol justo na boca da morte.
Nesse beiral, ancoram-se cruzes,
destroem-se firmamentos.
Sacia-se a fome de ossos
dos Oceanos.
Uma grande composição nua de gestos.
Eis a porção relativa da insignificância
humana.
Mas, por ora,
contenha as lágrimas, leitor.
Não se trata de vida do poeta.
Por mais que insista,
a vida é mais irônica
que minhas palavras.
Vitória 12.07.2012
Nota: 70 metros é a altura do vão central da Terceira ponte que liga a Ilha de Vitória à Vila Velha (no continente).
MANHÃ DE DOMINGO — RESUMO DO MUNDO
Saiu na Veja
esta manhã:
“homem rasteja
sob uma Van
bate, lateja
vive o afã
arde, pragueja
piche — divã
disk-cerveja
morte — irmã”
Saudade andeja
memórias vãs
cada certeza
febre terçã
carne, bandeja
a fome chã
só se deseja
sorte — amanhã…
Vitória 18.11.2014
BRITZ BAR
Coca litro
e porção de fritas
Fim de tarde
na saída do Carmo
No ar o burburinho
Assim começou
a embriaguez com o inefável.
Vitória, 25.10.2014
Nota: Bar tradicional da boemia de Vitória nos anos 70.
O FIM DE TODAS AS ONDAS
O mar atravessou as cortinas
e arrancou-me do silêncio.
O Mar se despe
aos pés da criança
e despeja o horizonte
em seus olhos.
(cada ilhéu traz uma concha
guardada a sussurrar saudades.)
O mar é berço do infortúnio
agasalho
contra todas as perdas.
Vitória, 28.11.2014
NETO, Jorge Elias. Glacial. São Paulo, SP: Patuá, 2014. 108 p. ilus. Projeto gráfico e capa: Leonardo Mathias. Ilustrações internas: Felipe Stefani. Capa dura. Tiragem: 100 exs. ISBN 978-85-8297-030-0 “ Jorge Elias Neto “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Um resto de sol no desalento
Ocupo-me de uma febre
sem propósito.
Modos existem
de forjar os dias,
principiar universos,
rir do descomunal
segredo da vida ...
Mas não nessa noite gelada
em que persisto centelha.
Eis a última pele — a palavra
que se desgarra inapta
a prosseguir
afirmando
o esplendor da verdade.
NETO, Jorge Elias. Os ossos da baleia. Vitória, ES: Seculti-ES, 2013. 197 p. 15x21 cm. ISBN 978-85-64423-23-7 Col. Bibl. Antonio Miranda.
Borgiana I
Atiro os cacos
do espelho partido.
Busco-os no chão,
onde as imagens se dispersaram.
Com o que resta na moldura,
brinco de cortar os dedos
encaixando respostas
no rosto trincado.
E, se, no entanto, a figura
se assemelha ao medo,
remisturo todo
o ser desfigurado.
Pois a faina louca
de remexer segredos
fez-me encontrar as sombras
dos dias passados.
Borgiana II
Repousa o veludo da pele,
tigre selvagem,
nessa distante gleba
à qual chegaste
por caminhos incertos.
Lembranças grisalhas,
velho tigre...
Compartilho teus dentes
nada castos...
Restou-nos o passado...
E suas páginas
de bordas marcadas.
Sempre reviradas,
velho tigre,
para não esquecer os outros dias.
(O que nos resta quando o orvalho
se perde no esquecimento?)
Nas catedrais, teu ouro roubado.
Depois raspado dos pilares
para cobrir os dentes.
Como se sorrir dourado
os fizesse arremedo de gente...
(Quanto de tua mordedura
permeia nossos sonhos?)
Não se traduz o mistério
de tuas escápulas,
nem a névoa em teus olhos...
Quem sabe a milonga nos taquarais
ou tuas listras obliquas
resistam ao imprevisível fim.
Tardam as horas...
Cada expectativa tem teu cheiro
e se esforça para caber no poema.
SOBRE LA POESÍA ÚLTIMA DE JORGE ELÍAS NETO, por Pedro Sevylla de Juana, texto publicado em http://cronopios.com.br/site/critica.asp?id=5815
NETO, Jorge Elias. Rascunho do absurdo. Vitória, ES: Flor&Cutlura, 2010. 108 p. ilus. ISBN 978-85-88009-88-5 Arte da capa: Lorena Elias. Ilustrações: Felipe Stefani. Col. Bibl. Antonio Miranda
Só sei que vou te amar
A quantas anda
a secura de tua boca?
Fulgura ainda
em teus lábios
a liga do beijo?
Entende que é breve
o que se diz eterno.
E que a intenção
se revela no
mesmo segundo
em que a mão esbofeteia.
O possível
Eu te daria meus vícios
se isso não me fizesse órfão.
Já o aconchego da pedra,
o travesseiro de folhas,
esses não são meus;
deles se serve qualquer poeta.
No entorno
"O homem é um ser para a morte"
Martin Heidegger
No entorno havia pensamentos.
Nada que se diga terá serventia
quando grudado no casco dos cavalos de ferro.
Espertas são as samambaias
que sobrevivem na eflorescêncía das pedras
(aproveitam a verticalidade dos muros
onde não pisam os homens).
Ocupemo-nos da fuligem...
Enquanto tivermos pulmões para
soprar as pétalas
exerceremos o ofício temerário de
celebrar a vida.
No entorno existe uma
carência desesperada de gestos.
Ilustração de Felipe Stefani
NETO, Jorge Elias. Posse do acadêmico Jorge Elias Neto na Academia Espírito-Santense de Letras: 17-10-2013. Vitória, ES: Academia Espírito-Santense de Letras; Formar, 2014. 74 p. 15x21 cm. Inclui: “Discurso de recepção proferido pela acadêmica Jô Drumond” e o “Discurso de posse” por Jorge Elias Neto. Ex. bibl. Antonio Miranda
Poema dedicado a Albert Camus:
AO “HOMEM ABSURDO”
Parte-se do esquecimento
Caminha-se para o esquecimento
Disso dou testemunho.
Tamanha consciência da morte vindoura
nomeia encantamentos
em cada trecho de aurora.
E, se, em alguma momento,
falta ao punho o sustento,
recolho-me ao verso que apoia.
Eis a dura lida que ao poeta condena.
Mas apesar do tormento da finitude certa,
tem no poema — pulsão da vida — rumo ao esquecimento.
NETO, Jorge Elias. Breve dicionário (poético) do boxe. São Paulo: Patuá Editora, 2015, 88 p. ISBN 978-85-8297-221-2 Ilustração de capa, projeto gráfico e diagramação: Leonardo Mathias. Editor: Eduardo Lacerda. Ilustrações internas: Felipe Stefani. “ Jorge Elias Neto “ Ex. bibl. Antonio Miranda
Há que se entender
o to be
para exprimir
em versos o que
se cultua com punhos.
BOXE
A arte possível
com punhos cerrados.
CATEGORIAS
No primeiro
instante
parece justo
atribuir ao peso
a gravidade do impacto.
Mas é no cérebro
que se estabelece
o pacto
com a vitória.
ROUNDS
Até quinze rounds
se aguentam,
mais ou menos
firmes.
Há que ferir-se
na batalha,
sem dúvida.
Árduo
caminho até a vitória.
SEGUNDOS
Toalha,
gelo,
vaselina.
Massagem,
estímulo,
adrenalina.
KNOCAUT
Três sentimentos
diluídos
no nocaute:
Amorfo do inconsciente,
esvoaçante do vitorioso
e
histérico da massa.
A OBRA – ÉDER JOFRE
Do artista
— a bora,
o todo
— da obra.
Mesmo que um segundo
apenas, seja o tempo
para a derrocada do homem,
cabe o feito
definitivo,
traduzindo o gesto, o
desfecho do combate.
Não se apegue
ao herói erguido aos céus
na glória do instante,
reafirmo:
— veja a obra.
A arte,
as mãos,
também se expressam
fechadas, sufocando
o ar no exíguo espaço
da tensão dos dedos.
O artista do palco,
do ringue,
persiste na imagem
que desaba
e se rasga.
Atenha-se ao diálogo
— com a obra.
ELIAS NETO, Jorge. O ornitorrinco do pau oco. Vitória, ES: Cousa, 2018. 162 p. ISBN 978-85-O49-1 Ex. bibl. Antonio Miranda
(...)
Meu é o absurdo,
o privilégio das horas,
o beijo contado,
o assobio, o assombro,
o firmamento inútil.
Meu é o desafio,
o preto e o branco,
e este zelo
pelas coisas perdidas.s
O QUE SE VÊ
Pela fresta estreita em que me permito ver a vida,
insiste em me turvar a visão
esta névoa contínua das minhas incertezas.
O lugar do horizonte
o seu próprio nome diz.
Vejo apenas uma fração do nascer
ou do porvir da existência.
Se claro, vejo pálido;
se escuro, aí vejo tudo.
Tão limitada é a consciência dos seus limites
que como um asno se permite tampar os olhos
para trilhar seguro seu pedaço na história.
O LIMITE DA RAZÃO
Os búzios
já não despejam ondas,
e eu me despeço.
De resto,
somente uma
suposição:
a questão passará a ser simples
quando dissermos: talvez...
PARA APAZIGUAR AS BORBOLETAS
Para WJ Solha
A sombra é neutra, desandado o escuro,
e, se não há certezas, há o adeus
da emoção que dura ao saber-se nulo
o testemunho erguido de um deus.
E se, silente, a cama - à procura
da insignificância hirta, desperta -
oferecer leito e cocho à loucura,
dizer-se talvez louco, mas alerta.
O chão é leito tosco, mas correto
a todo ser avesso à esperança,
àquele que titubeia e tropeça
na pedra desolada e temida,
que rola o descaminho, sem inércia.
Salvam-lhe a vida as asas de poeta.
ELIAS NETO, Jorge. Sonetos em crise. Itabaiana, Bahia: Mondrongo, 2020. 98 p. 15 x 22 cm. ISBN 978-65-80066-65-0 Ex. bibl. Antonio Miranda
SONETO SEM TETO
O tédio faz brotar o Eu perverso,
nos cantos esquecidos dos escombros,
e da sombra, o rugido do universo
surge na boca imensa do ser manso.
Pois se o calor emena da tristeza,
e a paixão é pólvora do selvagem,
o sopro faz tremer a chama acesa,
e a urgencia é a medida da voragem.
E nada que se preze e guarde
àquele ser que se debate firme
contra uma vida que esmaga e late.
Resta o engate ao cerne da maldade,
sem esperança, se atirar ao crime,
e ser centelha no porvir da tarde.
Vitória, 05 de abril de 2018
DIÁLOGO ENTRE POETAS
Para José Augusto Carvalho
Será acaso Dante este estampido,
estreia derradeira de um sonho,
derramado nos campos, perseguido,
aquém dos portais do divino antonho?
E agora, José, se nem mesmo a valsa
de um azul Danúbio — já assaz retinto —
reafirma os laços, nos salões e praças,
onde sombras passam de olhar soturno?
Se o Inferno à Terra já não tras sentido,
e a surpresa empresta o poder ao tédio,
resta à indiferença polivilhar o olvido.
A pedra que brilha ofuscou o concreto,
e a palabra Má-qui-na perdeu fascínio.
Sair de Minas, do Mundo, assim, perdido?
Vitória, 30 de maio de 2018
PREFIRO OS LOUCOS
Para Italo Campos
Triste o fim dos que se destroem
por arcabouços de verdade,
e se recusando amizade
usam atropelo em sua verve.
O tom de um sofista, este açoite,
diz de uma procela de moucos;
faz ventar os cabelos poucos
da Musa rara… Ah eterna noite!
Saber da espera? Só os loucos
de versos claros, harmoniosos,
que mesmo imberbes, assim roucos,
respingam manhãs luminosas,
reviram a lama dos poços,
semeiam no nada as rosas.
Vitória, 13 de novembro de 2018
O SEM PROPÓSITO
Canhestra pata, qual poesía
se faz rastro sobre o concreto?
É aparato, um manifestó;
algum verso é braço arrelia?
Tal panaceia, o raso prato
de letras e tempero insosso
desfaz a memoria e, aos poucos,
retira o ódio de um para o outro?
Vale a rosca e o parafuso
no vazio de um filisteu?
Existe brecha neste mouco
que é multidão do mesmo eu?
A mesma farsa do obtuso,
o mesmo jógo, o mesmo breu.
Vitória, 12 de outubro de 2019
ELIAS NETO, Jorge. Sonetos em crise. Itabaiana, Bahia: Mondrongo, 2020. 98 p. 15 x 22 cm. ISBN 978-65-80066-65-0 Ex. bibl. Antonio Miranda
SONETO SEM TETO
O tédio faz brotar o Eu perverso,
nos cantos esquecidos dos escombros,
e da sombra, o rugido do universo
surge na boca imensa do ser manso.
Pois se o calor emena da tristeza,
e a paixão é pólvora do selvagem,
o sopro faz tremer a chama acesa,
e a urgencia é a medida da voragem.
E nada que se preze e guarde
àquele ser que se debate firme
contra uma vida que esmaga e late.
Resta o engate ao cerne da maldade,
sem esperança, se atirar ao crime,
e ser centelha no porvir da tarde.
Vitória, 05 de abril de 2018
DIÁLOGO ENTRE POETAS
Para José Augusto Carvalho
Será acaso Dante este estampido,
estreia derradeira de um sonho,
derramado nos campos, perseguido,
aquém dos portais do divino antonho?
E agora, José, se nem mesmo a valsa
de um azul Danúbio — já assaz retinto —
reafirma os laços, nos salões e praças,
onde sombras passam de olhar soturno?
Se o Inferno à Terra já não tras sentido,
e a surpresa empresta o poder ao tédio,
resta à indiferença polivilhar o olvido.
A pedra que brilha ofuscou o concreto,
e a palabra Má-qui-na perdeu fascínio.
Sair de Minas, do Mundo, assim, perdido?
Vitória, 30 de maio de 2018
PREFIRO OS LOUCOS
Para Italo Campos
Triste o fim dos que se destroem
por arcabouços de verdade,
e se recusando amizade
usam atropelo em sua verve.
O tom de um sofista, este açoite,
diz de uma procela de moucos;
faz ventar os cabelos poucos
da Musa rara… Ah eterna noite!
Saber da espera? Só os loucos
de versos claros, harmoniosos,
que mesmo imberbes, assim roucos,
respingam manhãs luminosas,
reviram a lama dos poços,
semeiam no nada as rosas.
Vitória, 13 de novembro de 2018
O SEM PROPÓSITO
Canhestra pata, qual poesía
se faz rastro sobre o concreto?
É aparato, um manifestó;
algum verso é braço arrelia?
Tal panaceia, o raso prato
de letras e tempero insosso
desfaz a memoria e, aos poucos,
retira o ódio de um para o outro?
Vale a rosca e o parafuso
no vazio de um filisteu?
Existe brecha neste mouco
que é multidão do mesmo eu?
A mesma farsa do obtuso,
o mesmo jógo, o mesmo breu.
Vitória, 12 de outubro de 2019
Página publicada em março de 2014. ampliada em janeiro de 2016; ampliada em novembro de 2016, ampliada em agosto de 2018. Página ampliada em julho dee 2020
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