SÔNIA FERREIRA
Poetisa, cronista, ensaísta, animadora cultural. Filha do folclorista e animador cultural Joaquim Luiz Ferreira, e da artesã Leolina Gonzaga Ferreira, nasceu na Fazenda Samambaia, Orizona/GO. Diplomada em Línguas Neolatinas e em Orientação Educacional, com Mestrado em Educação. Especialista em Dinâmica de Grupos Comunitários e em Psicometria. Professora Universitária, Jornalista, Consultora em Educação e Cultura, Pesquisadora.
Pertence á UBE/GO, ao Instituto Histórico e Geográfico/GO, á Associação Goiana de Imprensa, ás Academias de Letras, Ciências e Artes de Trindade/GO, de Caldas Novas/GO, de Orizona/GO, á Associação Nacional de Escritores/DF. Integra o Grupo de Cultura Popular João-de-barro e a Comissão Goiana do Folclore. É Presidente e fundadora do Centro de Cultura da Região Centro-Oeste / CECULCO. Atuou nos seguintes órgãos de comunicação: Jornal Atual-GO; Jornal do Consumidor-GO; TV Goiás Rural; Programa de TV “ Brasília Urgente”-DF. Dentre outras homenagens, recebeu o Prêmio Bolsa de Publicação Zequinha da Costa/GO. Como presidente do CECULCO, criou os seguintes Troféus: Índio Brasileiro, Pedra da Terra, Serenata. Dentre as dez publicações brasileiras, verbetes e antologias de que faz parte, destaca-se Poesia no Brasil, 2005, org. por Ademir A. Bacca, RS.
Obra poética: Janelas de Campo Formoso,1991; Bucólica, 1991; Licores de Outros Quintais, 2001; Compotas de Poesias e Caldas,2005;Chuva de Poesias, Cores e Notas no Brasil Central, 2005/2006 (1.a e 2.a edições ); Labaredas do Fogão - poemas e panelas (inédito); Dinâmica do Potencial Criador nas Escolas (inédito); Ação Pedagógica para Áreas Rurais (Tese de Mestrado).
Sem violentar a ordem enunciada, pode-se dizer que as janelas desse livro [referindo-se a Licores de outros quintais] estão organizadas em pares que se opõem: as que se abrem para fora (rua e quintal) e as que se abrem para dentro (amor e vida), separadas pelas que abrem para a natureza. Creio que é por essas janelas, que estão no centro da série, que a poetisa vê o seu mundo, levada pela alegria de mostrá-lo e, no fundo, por um desejo utópico de evasão.” Gilberto Mendonça Telles
“Se em alguns poemas há denúncia social, ela o faz com dignidade, com brilho, sem cair nos chavões costumeiros. Suas janelas se abrem para restaurar, reconstruir o ser humano, dignificar a vida.” Aldair Silveira Aires
CORAÇÃO DE CHOCOLATE
Pele de jambo
flambada,
ao conhaque
e às labaredas.
Fios de
Algodão doce
nos cabelos,
ao sereno
malandrinho
da lua nova.
Treliça firme
de dedos,
pirulitos
de caramelos,
expressão melosa
de afeição.
Olhar de mostarda,
sorriso de ketchup,
nobreza de pérola
nos dentes.
Beijinho doce,
suspiro de
açúcar refinado,
clara de neve
e sumo de limão.
Água de coco,
em olhos
picantes,
derretendo
meu
coração
de chocolate.
Extraído de COMPOTAS DE POESIA E CALDAS. Brasília: Projecto Editorial/ Livraria Suspensa, 2005. 161 p. ilus. Col. Publicado com o apoio do FAC/SC-DF
LICOR
Um,
dois,
três
pedaços
de cravo.
Cinco
favos
de ternura.
Seis
pauzinhos
de canela,
com brilho
de uma
estrela.
Oito
cantadores
à janela.
Muitas
cordas
de viola.
No copo,
no peito,
uma chama
amarela.
Itumbiara- GO
Extraído de LICORES DE OUTROS QUINTAIS. Goiânia: Edições consorciadas UBE/GO, 2001.
LADAINHA
Asas de borboletas
— dêem-me a leveza do vôo
Sereno das manhãs
— dêem-me a força do sol
Brisa dos campos
— ensina-me a conviver com as tardes
Laranjais brancos de flor
— quero colorir os quintais
Pipoqueiro de chapéu de palha
— plante vida nos olhos
Sinos da capelinha
— permitam-me anunciar o amor
Cigarra da primavera
— quero morrer de cantar
Mãos do lavrador
— façam-me semente no chão!
Extraídos de JANELAS DE CAMPO FORMOSO. Brasília: Thesaurus, 1991.
ASAS DE BEIJA-FLOR
Serelepe sorridente buliçosa
ela chegou de repente
e começou a cantar
contou histórias gaiatas
contou taturanas pintadas
contou tentos no tempo
e fez previsão de futuro
Amou o passado
amor de filha amor de amante
amor de gente. Cochichou
aos ouvidos da história
Fez cócegas em S. Francisco
Puxou o manto dominicano
E pediu perdão pro Senhor
Brincou. Brincou com águas azuis
com força de lua nova
Ficou debaixo da choça
Bebeu pinga com limão
Dividiu o chá da alegria
deu receita de graça
e saboreou um raio de sol
Encontrou-se com a lua
Sem medo do galope épico
do lírico São Jorge
Participou de serenata
Montou na garupa do Santo
e começou a correr
passou por muitas primaveras
abraçou cada folha de outono
absorveu todas coares do inverno
suou suor de povo
molhou-se toda de azul
no orvalho de muitas manhãs
Vestiu avental. Fez comidinha
Mimou criança de colo
E se tornou berço do mundo
Fiou aconchego de algodão
Lavou roupa na bica
Rezou muitas ave-marias
e moeu muito café
teceu colcha de risada
— Tem jeito de menina
asas de beija-flor
e açúcar de manuê...
— Ainda não sabem quem é?
Extraído de BUCÓLICA. Goiânia: Edições Consorciadas Ube- Goiás, 1991.
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FERREIRA, Sônia. Encantamento. Brasília: Ler Editora; FAC, 2011. 190 p. Ilustrações de
Amaury Menezes. ISBN978-85-64898-03-8
TÃO Aí
Tão aí os artísticos
favos da
laranja fétida.
Tão aí as sinuosas
das andorinhas
em voo, unidas.
Tão aí
os peixes
no aquário,
contemplados.
Tão aí
os rebentos
da semente,
germinados.
FERREIRA, Sônia. Chuva de poesias, cores e notas no Brasil Central – história através da arte. 2ª. edição revista e melhorada. Goiânia: Kelps, 2007. 294 p. ilus. col. (antologia de poemas de autores do CECULCO – Centro de Cultura da Região do Centro-Oeste) Ex. bibl. Antonio Miranda
P O R Q U Ê ?
Por que são
tão falsos,
tão hipócritas,
tão fingidos
os chefes,
os patrões
— MASCARADOS de Pirenópolis?
Touros, leões, cornos,
gostam de aparecer
em dias de festa - Por quê?
Por que não são elegantes,
espontâneos, verdes,
leves, transparentes,
como copas de bambus,
que dançam à hora do vento
e fora da hora do baile?
Por que não são firmes
como as estradas,
que se vestem de lama
e continuam bonitas?
Por que não são especiais
como os vaga-lumes,
que nunca deixaram
de dar sua luz,
na hora da escuridão?
Por que nãó são simples
como as larvas,
que morrem para deixar voar
as borboletas?
O UNIVERSO POÉTICO DE SÔNIA FERREIRA
António Miranda
Íamos de carro pela Avenida L-2 Sul de Brasília, no entardecer. Sônia estava em estado de encantamento com a luz e a profundidade da alameda de copas das árvores. Compartilhamos a admiração pelos horizontes planaltinos da cidade. Ela é goiana, telúrica, intensamente ligada à paisagem e à vida, em que reverbera com emoção e admiração. Não é pose. É um estado de espírito, uma alegria permanente. Sentimento religioso, sentido de solidariedade. Vive em três cidades que são cenários de sua múltipla atividade de escritora e de vida social. Vem de Orizona, onde transformou a casa da família num centro cultural, passa temporadas em Goiânia onde se dedica à promoção cultural, e boa parte do tempo em Brasília, no convívio com amigos da Associação Nacional de Escritores. Sempre projetando atividades e publicações que promovem a literatura de sua região, de forma generosa e competente.
E é poeta. Uma poesia da terra, da vida, da emoção mais legítima. É difícil ser simples, é difícil ser autêntico. Sônia é simples e autêntica, ela escapa da sofisticação sem resvalar na banalidade. Cria iluminuras, situações delicadas, descreve cenários do quotidiano sem ser coloquial, com inteligência e sutileza. Sem afetação e pieguismo. Gilberto Mendonça Teles já se ocupou de sua poesia em prefácio. Jorge Fernandes tem-na como amiga e parceira em eventos e conversas com amigos da literatura, num círculo criativo que dá vida a um processo solidário. Este é o universo de Sônia que é o universo também de sua poesia, numa simbiose de vida e literatura, em tempo integral. Vem do berço. Seu pai, folclorista; a mãe, artesã, dedicados ao fazer artístico e ao estudo da arte popular.
Página ampliada e republicada em dezembro de 2019
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