REIVALDO VINAS
Belém do Pará, 1963. Quase uma dezena de livros de poesia, três deles premiados em editais de literatura. Dentre suas obras destacam-se Ércia (poemas) e Valsa para Edgar Furioso (contos). Foi professor de Língua Portuguesa na UFPA e de Teoria da Literatura no UniCEUB, de Brasília.
Atuou na década de 80 como jornalista nos jornais O Liberal e Diário do Pará, ambos com circulação na capital paraense. Editor da Letraviva e da Projecto Editorial, editoras com sede em Brasília/DFD, cidade onde reside há mais de uma década.
Escreveu 21 poemas para fotografias de Sebastião Salgado, publicadas no livro Quem Está Escrevendo o Futuro? (Letraviva, 2000).
Poemas extraídos da obra de Olga Savary POESIA DO GRÃO-PARA (Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 2001).
SEM TÍTULO
Beijo as espadas,
rezo aos fuzis,
tarde exausta.
Há um calor de estopim
queimando na ponta errada,
um vapor de sal, de gorduras,
que vaza em todas as portas.
A morte não desola os ombros,
o que destrói é a espera,
esse aguardar ansioso
que mina as forças e as almas,
que é o gozo de mil abutres
que espreitam nossa batalha.
Em círculo, no céu, voam
em busca de nossa carne,
tais aves desajeitadas.
O vento bate à porta,
range os dentes, pede entrada.
Mas todos estão fechados
em seus sustos, suas derrotas.
O exército inimigo enfim,
mostra de vez sua cara,
desce as encostas em nuvem
de pérfida cavalgada.
Os morteiros estão prontos,
cospem de vez sua raiva,
abrem o inferno das dores,
para o inverno das almas.
SEM TÍTULO
O coração que definha
humanamente ainda
não se mede em estrias.
Ouvir seu coração
pulsar
sua medida
como um relógio marca
em horas
o suplicio
de sua delicada fibra.
Ouvir não
a dor
a que se achou submetida
a flácida ilusão
de sua perspectiva.
Esquecer não
que lhe tiraram a linha
demarcadora
de sua terra e vida.
Terra
que jamais
esqueceria.
SEM TÍTULO
O Deus que se aproximou de mim,
com olhos ternos e tensos
me disee:
— Foge!
SEM TÍTULO
Vivo aqui meus desejos
de mulher até a cintura,
todos insatisfeitos,
todos na escora do medo,
todos à beira do abismo.
Um tanto de febre arde
na fronte da angustura
— beco que corre dentro,
quando lá fora há fartura
de horizonte sem nada
e nada dentro povoa.
(Nada de um só
e um só mesmo.)
As pedras seguem-me o passo
e sigo atrás do que sobra,
entre a rocha e o mormaço,
cobra que sibila a esmo.
Página publicada em fevereiro de 2008. |