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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

Foto: http://www.metropoles.com

PIERO EYBEN

 

Piero Luis Zanetti Eyben.  Poeta, Tradutor e Professor Adjunto 4 de Teoria da Literatura da Universidade de Brasília. Pesquisador com bolsa de Produtividade do CNPq. É Chercheur-associé ao Collège des Études Juives et de Philosophie Contemporaine - Centre Emmanuel Levinas, na Université Sorbonne - Paris IV. Possui pós-doutorado em Filosofia pela Université Sorbonne - Paris 4. Doutor em Literatura, tem experiência na área de Teoria Literária, Filosofia, Tradução, atuando principalmente nos seguintes temas: desconstrução, linguagem poética, experiências limites em estética e ética, pensamento de Jacques Derrida e Jean-Luc Nancy. Organiza, concebe dramaturgicamente e dirige o Bloomsday BSB, desde 2007. Coordena o Grupo de Pesquisa "Escritura: linguagem e pensamento". Foi Coordenador do Programa de Pós-graduação em Literatura (TEL-UnB), entre 2013 e 2015. Dirige a coleção PORVIR na Editora Horizonte.

 

Veja também:  Poesia de LOUISE GLUK – Prêmio Nobel de Literatura 2020-         Traduções de PIERO EYBEN

 

 

 

TRILOGIA DE PERDAS

3 volumes:

 

EYBEN, Piero.  Um móbile no peito  (trilogia de perdas, 1)  Vinhedo, SP: Editora Horizonte, 2017.  117 p..  14x24 cm.   Capa: sobre foto de Lara Nogueira "Francesca e Paolo".  ISBN 978-85-99279-86-1  Ex. bibl. Salomão Sousa

"Os poemas mudaram de acordo com o ritmo do meu corpo, que também mudou drasticamente. Experiências de muitas perdas pessoais tornaram-se as perdas necessárias ao poema. Constituíram um todo em que a 'perda' se torna não apenas o título oculto de cada um desses livros, mas a própria experiência de continuar a escrever poesia."                             Piero Eyben

 

DA MI BASIA MILLE DEINDE CENTUM

 

dizes com estes teus

lábios aguarda o tempo

e mora em mim

e sem mais já habito

o intervalo dos

olhos a onda do

cabelo e teus montes

tudo enquanto dizes

o meu nome sem o dizer

calando-o na espera

última sempre a

mesma e junta de

que partamos ainda

juntos isso porque

dizes ainda a palavra

não sussurrada inaudita

de tuas mãos dedos e

ocres espaças tuas

espáduas por pupilas

e a fruta sempre

madura da idade um

só sendo junto

 

 

 

OLHANDO-TE NA MEMÓRIA

 

estarei talvez roto em uma

hora despindo a última

faísca do que encontrei em

ti

 

estarás talvez deitada em

tecido de flor e plumas os

gatos para fazer calar vazio em

mim

 

pois que o dia de pernas e vias

canta uma outra folha de pombas

e ruídos na noite fosca de amarelo

no curso débil dessas minhas mãos

 

 

 

À NOITE E O CORPO

 

teu corpo de noite

monte em pele

desconhecida após

hora e hora em

música e neblina

de dança e lama

 

reside em mim

estirada numa esquina

no fim dessa noite

quente e seca

em beijos fortuitos

e pulso maculado

 

estás como que

íntima sem nunca mais

te tocar

ou saber o que guardas

na próxima noite

o próximo a ti

 

 

 

INVENTÁRIO DA SAUDADE

 

cheiro das manhãs de sábado

                                                teus olhos fechados

o elástico do lençol solto

                                       tua boca com sede à noite

o primeiro dia de cabelos curtos

                         um sorriso que marcha à luz da tarde

a nuca solta ao vento

                        raio de sol entre as árvores do parque

os saltos dos gatos sobre a cama

                              teu rosto um dia antes da viagem

a armação dos colares

                                                 tuas mãos na terra

os dentes de tão perfilados

 

 

EYBEN, Piero.  Algum olhar apesar (trilogia de perdas, 2).  Vinhedo, SP: Editora Horizonte, 2017.  71 p..  14x24 cm.   Capa: sobre foto de Lara Nogueira "Francesca e Paolo".  ISBN 978-85-99279-86-7-8  Ex. bibl. Salomão Sousa

 

IMPERATIVO

é preciso criar um corpo próximo
é preciso te dizer o que a pele
inteira e só nada diz com
seu silêncio de voz e rosto

é preciso crer em corpos próximos
é preciso no entanto tentar te dizer
nem mesmo uma palavra breve sorriso
em que restas comigo no escuro

é preciso temer nossos corpos próximos
é preciso para dizer fechar os lábios
um contra o outro e sem avanço
na demora dos dedos

é preciso um corpo próximo que esquece
é preciso dizer uma frase um ano
unido ao eu em ti quando
nos olhamos entre
os cais

 

PROMESSA

há sempre uma promessa frágil a dizer
teu nome como se o peito me tomasse
ou o tempo tombasse com os pés de quem
queria ter andado por aquelas mesmas
ruas cobertas das pinhas e lama depois
da tempestade logo que desse olhar
desceram as pálpebras pintadas da noite
e uma dor tua me coube na mudez

 

ALGO COMO UNS AFORISMOS (l)

 

a piedade é o fim do amor
o desprezo o começo do ódio

perdemos tudo o que no fim

nunca esteve aqui

o corpo apenas cede ao suor

por falta de outro

o desejo não diz não

é apenas uma resistência

quando os olhos estão distantes

a perda é irremediável

quase já a memória apaga os odores e de repente eles nos assaltam

há sempre uma cor que guardo ao ti

a casa em ruínas pode significar uma viagem sem volta

os tempos nunca são compassos

o amor inexiste de apenas um

a certeza do fim do outro representa o fim de tudo nada sobrevive aí que não seja já uma luz crepuscular

 

 

ALGO COMO UNS AFORISMOS (2)

 

perder é estar perdido
mesmo que não se queira

 

entre um tempo do eu e aquele do outro há
um abismo infranqueável e sem doçura

 

a manhã não foi feita para acalantos
se acordo

há uma espécie de tempestade
que me torna mais humano

 

enquanto escrevo

por mais que o gato passe sobre meus pés
há apenas um resto
sem importância

à noite não caem as máscaras
elas estão sobrepostas à ficção
que nós mesmos inventamos

 

morrer ou viver não é doce

ter de sobreviver ao abandono é o amargo


quando se abandona
se cala o outro

termina ali um mundo possível

carregar o mundo do outro é o fim do seu mundo
é preciso fazer um inventário de tudo isso

 

a decisão extrema implica uma certa dor

momentânea

para o apaziguamento

 

não há cor que se encaixe nessa primavera
apenas há cigarras

 

 

EYBEN, Piero.  Cada vez tuas mãos (trilogia de perdas, 3).  Vinhedo, SP: Editora Horizonte, 2017.  74 p..  14x24 cm.   Capa: sobre foto de Lara Nogueira "Francesca e Paolo".  ISBN 978-85-99279-85-4    Ex. bibl. Salomão Sousa

 

ALGO COMO UMA LEMBRANÇA

 

 

hoje não escreveria mais poemas

nenhum verso sobre o tempo

e o luto daquelas horas todas sob

nossos pés

 

não escreveria poemas por demasiados

inflados desse orvalho que não chega

deste teu rosto se desvanecendo

entre vidraças

 

não os escreveria endereçados

enquanto observo esses nós desatados

essa luz tênue que povoa a cama

de nunca mais

 

hoje não escreverei nenhum poema

por ser breve o teu respiro num outro

lado de meus cabelos poucos

sem mãos

 

não escrevo apenas dito sem olhos

ociosos carregando minha nudez

para o fora em longe e névoa

desta cinza de ontem

 

 

 

AOS POUCOS

aprendo aos poucos que não é preciso fazer calar uma dor aprendo aos poucos que não é preciso ainda responder por essa

                                                                            [ou aquela noite

aprendo aos poucos que não adianta nem mesmo esperar que

                                                                      [alguém esteja aqui

 

aprendo aos poucos que é preciso silenciar sem calar
aprendo aos poucos que é preciso fazer do hábito o inábil aprendo aos poucos que não adianta confundir o mar e seu bafo

aprendo aos poucos que é preciso fazer mais que extinguir o tempo aprendo aos poucos que é preciso madrugar o breve para fazer
[nascer o inaudito

 

aprendo aos poucos que não adianta
aprendo aos poucos que é preciso

 

VOLTAR A CABEÇA

 

chega um momento em que é preciso

virar a cabeça de outro lado deixar

o corpo seguir sem o que nele havia porque

não sonho mais apenas guardo pesadelos

são muitos os silêncios em que me assaltas

esperaria dormir toda a noite entre esses dedos

mas apenas toco minha própria nuca minha

pele já reconhecida entre as pintas e os pelos

a tensão dos ombros cedendo a meus olhos

que já se cansaram tanto de olhar e se

tornaram extensão do rosto da lágrima

que me desperta a cada dia um novo dia

a cada vez tuas mãos com as quais me dizes

que chega o momento de virar-se de esquecer

de não mais de saber que não existe nada

como uma espera e sou apenas um resto

 

 

 

TOMAR A DISTÂNCIA EM ALGUMA PALAVRA

 

 

afasto-me como quem tem mãos doloridas

por um sono intolerável e devagar desse tempo

roendo-se à carne e ao corpo para que haja um

rosto compassivo a fazer do gesto mínimo

tua loucura sem limites para além do castanho

 

afasto-me faminto para que não possas domar

esse raio do dia apenas uma linha que me pesa

entre os ponteiros perfilados da tua ternura

e à diferença de rio e lago tomes o efêmero

que ouve o caminho sem altura descer por excesso

 

afastas-te para que talvez espessa tenha a embriaguez

constante da ardência onde o nunca do nome

resta sobre as corolas e os ramos e o orvalho

rasteiro nessa porta lenta da demora a coagir

meu mundo sobre o degelo do mar de ontem

 

afastas por isso uma marcha dada à violência

da vida à exceção dos dias sempre e quentes

numa exceção e luta ao salto para tomar entre

as mãos o toque daquilo que ainda sofre desse

abismo em uma cinza de liberdade 

 

 

Página publicada em julho de 2017

 


 
 
 
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