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PIERO EYBEN
Piero Luis Zanetti Eyben. Poeta, Tradutor e Professor Adjunto 4 de Teoria da Literatura da Universidade de Brasília. Pesquisador com bolsa de Produtividade do CNPq. É Chercheur-associé ao Collège des Études Juives et de Philosophie Contemporaine - Centre Emmanuel Levinas, na Université Sorbonne - Paris IV. Possui pós-doutorado em Filosofia pela Université Sorbonne - Paris 4. Doutor em Literatura, tem experiência na área de Teoria Literária, Filosofia, Tradução, atuando principalmente nos seguintes temas: desconstrução, linguagem poética, experiências limites em estética e ética, pensamento de Jacques Derrida e Jean-Luc Nancy. Organiza, concebe dramaturgicamente e dirige o Bloomsday BSB, desde 2007. Coordena o Grupo de Pesquisa "Escritura: linguagem e pensamento". Foi Coordenador do Programa de Pós-graduação em Literatura (TEL-UnB), entre 2013 e 2015. Dirige a coleção PORVIR na Editora Horizonte.
Veja também: Poesia de LOUISE GLUK – Prêmio Nobel de Literatura 2020- Traduções de PIERO EYBEN
TRILOGIA DE PERDAS
3 volumes:
EYBEN, Piero. Um móbile no peito (trilogia de perdas, 1) Vinhedo, SP: Editora Horizonte, 2017. 117 p.. 14x24 cm. Capa: sobre foto de Lara Nogueira "Francesca e Paolo". ISBN 978-85-99279-86-1 Ex. bibl. Salomão Sousa
"Os poemas mudaram de acordo com o ritmo do meu corpo, que também mudou drasticamente. Experiências de muitas perdas pessoais tornaram-se as perdas necessárias ao poema. Constituíram um todo em que a 'perda' se torna não apenas o título oculto de cada um desses livros, mas a própria experiência de continuar a escrever poesia." Piero Eyben
DA MI BASIA MILLE DEINDE CENTUM
dizes com estes teus
lábios aguarda o tempo
e mora em mim
e sem mais já habito
o intervalo dos
olhos a onda do
cabelo e teus montes
tudo enquanto dizes
o meu nome sem o dizer
calando-o na espera
última sempre a
mesma e junta de
que partamos ainda
juntos isso porque
dizes ainda a palavra
não sussurrada inaudita
de tuas mãos dedos e
ocres espaças tuas
espáduas por pupilas
e a fruta sempre
madura da idade um
só sendo junto
OLHANDO-TE NA MEMÓRIA
estarei talvez roto em uma
hora despindo a última
faísca do que encontrei em
ti
estarás talvez deitada em
tecido de flor e plumas os
gatos para fazer calar vazio em
mim
pois que o dia de pernas e vias
canta uma outra folha de pombas
e ruídos na noite fosca de amarelo
no curso débil dessas minhas mãos
À NOITE E O CORPO
teu corpo de noite
monte em pele
desconhecida após
hora e hora em
música e neblina
de dança e lama
reside em mim
estirada numa esquina
no fim dessa noite
quente e seca
em beijos fortuitos
e pulso maculado
estás como que
íntima sem nunca mais
te tocar
ou saber o que guardas
na próxima noite
o próximo a ti
INVENTÁRIO DA SAUDADE
cheiro das manhãs de sábado
teus olhos fechados
o elástico do lençol solto
tua boca com sede à noite
o primeiro dia de cabelos curtos
um sorriso que marcha à luz da tarde
a nuca solta ao vento
raio de sol entre as árvores do parque
os saltos dos gatos sobre a cama
teu rosto um dia antes da viagem
a armação dos colares
tuas mãos na terra
os dentes de tão perfilados
EYBEN, Piero. Algum olhar apesar (trilogia de perdas, 2). ) Vinhedo, SP: Editora Horizonte, 2017. 71 p.. 14x24 cm. Capa: sobre foto de Lara Nogueira "Francesca e Paolo". ISBN 978-85-99279-86-7-8 Ex. bibl. Salomão Sousa
IMPERATIVO
é preciso criar um corpo próximo
é preciso te dizer o que a pele
inteira e só nada diz com
seu silêncio de voz e rosto
é preciso crer em corpos próximos
é preciso no entanto tentar te dizer
nem mesmo uma palavra breve sorriso
em que restas comigo no escuro
é preciso temer nossos corpos próximos
é preciso para dizer fechar os lábios
um contra o outro e sem avanço
na demora dos dedos
é preciso um corpo próximo que esquece
é preciso dizer uma frase um ano
unido ao eu em ti quando
nos olhamos entre os cais
PROMESSA
há sempre uma promessa frágil a dizer
teu nome como se o peito me tomasse
ou o tempo tombasse com os pés de quem
queria ter andado por aquelas mesmas
ruas cobertas das pinhas e lama depois
da tempestade logo que desse olhar
desceram as pálpebras pintadas da noite
e uma dor tua me coube na mudez
ALGO COMO UNS AFORISMOS (l)
a piedade é o fim do amor
o desprezo o começo do ódio
•
perdemos tudo o que no fim
nunca esteve aqui
•
o corpo apenas cede ao suor
por falta de outro
•
o desejo não diz não
é apenas uma resistência
•
quando os olhos estão distantes
a perda é irremediável
•
quase já a memória apaga os odores e de repente eles nos assaltam
•
há sempre uma cor que guardo ao ti
•
a casa em ruínas pode significar uma viagem sem volta
os tempos nunca são compassos
•
o amor inexiste de apenas um
•
a certeza do fim do outro representa o fim de tudo nada sobrevive aí que não seja já uma luz crepuscular
ALGO COMO UNS AFORISMOS (2)
perder é estar perdido
mesmo que não se queira
•
entre um tempo do eu e aquele do outro há
um abismo infranqueável e sem doçura
•
a manhã não foi feita para acalantos
se acordo
há uma espécie de tempestade
que me torna mais humano
•
enquanto escrevo
por mais que o gato passe sobre meus pés
há apenas um resto
sem importância
•
à noite não caem as máscaras
elas estão sobrepostas à ficção
que nós mesmos inventamos
•
morrer ou viver não é doce
ter de sobreviver ao abandono é o amargo
•
quando se abandona
se cala o outro
termina ali um mundo possível
•
carregar o mundo do outro é o fim do seu mundo
é preciso fazer um inventário de tudo isso
•
a decisão extrema implica uma certa dor
momentânea
para o apaziguamento
•
não há cor que se encaixe nessa primavera
apenas há cigarras
EYBEN, Piero. Cada vez tuas mãos (trilogia de perdas, 3). Vinhedo, SP: Editora Horizonte, 2017. 74 p.. 14x24 cm. Capa: sobre foto de Lara Nogueira "Francesca e Paolo". ISBN 978-85-99279-85-4 Ex. bibl. Salomão Sousa
ALGO COMO UMA LEMBRANÇA
hoje não escreveria mais poemas
nenhum verso sobre o tempo
e o luto daquelas horas todas sob
nossos pés
não escreveria poemas por demasiados
inflados desse orvalho que não chega
deste teu rosto se desvanecendo
entre vidraças
não os escreveria endereçados
enquanto observo esses nós desatados
essa luz tênue que povoa a cama
de nunca mais
hoje não escreverei nenhum poema
por ser breve o teu respiro num outro
lado de meus cabelos poucos
sem mãos
não escrevo apenas dito sem olhos
ociosos carregando minha nudez
para o fora em longe e névoa
desta cinza de ontem
AOS POUCOS
aprendo aos poucos que não é preciso fazer calar uma dor aprendo aos poucos que não é preciso ainda responder por essa
[ou aquela noite
aprendo aos poucos que não adianta nem mesmo esperar que
[alguém esteja aqui
aprendo aos poucos que é preciso silenciar sem calar
aprendo aos poucos que é preciso fazer do hábito o inábil aprendo aos poucos que não adianta confundir o mar e seu bafo
aprendo aos poucos que é preciso fazer mais que extinguir o tempo aprendo aos poucos que é preciso madrugar o breve para fazer
[nascer o inaudito
aprendo aos poucos que não adianta
aprendo aos poucos que é preciso
VOLTAR A CABEÇA
chega um momento em que é preciso
virar a cabeça de outro lado deixar
o corpo seguir sem o que nele havia porque
não sonho mais apenas guardo pesadelos
são muitos os silêncios em que me assaltas
esperaria dormir toda a noite entre esses dedos
mas apenas toco minha própria nuca minha
pele já reconhecida entre as pintas e os pelos
a tensão dos ombros cedendo a meus olhos
que já se cansaram tanto de olhar e se
tornaram extensão do rosto da lágrima
que me desperta a cada dia um novo dia
a cada vez tuas mãos com as quais me dizes
que chega o momento de virar-se de esquecer
de não mais de saber que não existe nada
como uma espera e sou apenas um resto
TOMAR A DISTÂNCIA EM ALGUMA PALAVRA
afasto-me como quem tem mãos doloridas
por um sono intolerável e devagar desse tempo
roendo-se à carne e ao corpo para que haja um
rosto compassivo a fazer do gesto mínimo
tua loucura sem limites para além do castanho
afasto-me faminto para que não possas domar
esse raio do dia apenas uma linha que me pesa
entre os ponteiros perfilados da tua ternura
e à diferença de rio e lago tomes o efêmero
que ouve o caminho sem altura descer por excesso
afastas-te para que talvez espessa tenha a embriaguez
constante da ardência onde o nunca do nome
resta sobre as corolas e os ramos e o orvalho
rasteiro nessa porta lenta da demora a coagir
meu mundo sobre o degelo do mar de ontem
afastas por isso uma marcha dada à violência
da vida à exceção dos dias sempre e quentes
numa exceção e luta ao salto para tomar entre
as mãos o toque daquilo que ainda sofre desse
abismo em uma cinza de liberdade
Página publicada em julho de 2017