CRIAÇÃO
A princípio era o caos. A noite tenebrosa
Cobria a imensidão sombria e silenciosa
Como um negro sudário, amortalhando o espaço,
Num amplexo fremente, em sepulcral abraço!...
— E Deus criou a luz! E logo o mundo inteiro
Banhou-se em resplendor, e um celeste chuveiro
Dos astros derramou-se, em profusão brilhante,
Por sobre a Terra nua, agreste e deslumbrante.
— E Deus criou a vida! E as árvores surgiram
Em bosques de verdura, e o deserto cobriram!
De peixes povoou-se o oceano azul e calmo.
— e toda a criação, entoando ardente salmo,
Glorificava o Ser onipotente e bom
Que a tudo concedera o doce e suave dom
De gozar a beleza e a liberdade e a paz
Deste Éden de delícia e de ventura tais!
Os pássaros no céu cantavam docemente
Festivos madrigais, num voejar fremente ...
As flores em botão, nos bosques, entreabriam
As pétalas sorrindo, e os colibris desciam
Do espaço pra beijar os cálices floridos ...
Das fontes a brotar, filetes coloridos,
Refletindo o luzir do Astro-Rei no Infinito,
Banhavam-se de prata, em misterioso rito ...
E tudo era alegria ... e, entanto, o Criador
Sentiu que embora belo e cheio de calor
O mundo era imperfeito: inda faltava alguém
Que viesse completá-Lo, e desfrutar também
A doce suavidade, a paz do Paraíso ...
— E o homem foi criado - e logo, num sorriso,
De fé e de esperança envolveu toda a Terra
E o mar, e o vale, e a mata, e a resplendente serra ...
MÃE
Quando, em meio à tristeza desta vida,
Eu me vejo sozinho e abandonado,
Sentindo o coração pulsar, cansado,
— Mortas as ilusões, e a fé perdida;
Quando, ansioso, procuro no passado,
No Ideal que sonhei — visão sentida,
Um consolo à minha alma dolorida
— Um pouco de carinho ao desgraçado,
Vejo um vulto celeste e silencioso
Chegar-se a mim, beijar-me a fronte exangue,
Banhando-me de luz e suavidade ...
És tu, Ó mãe querida, o anjo bondoso
Que me secas as lágrimas de sangue
A brotarem da fonte da saudade ...
ESPECTROS
Nas asas virginais da Fantasia,
Entre nuvens de sonhos e desejos,
Ao som da magistral polifonia
De um festival de cores e de arpejos;
Vão passando, em fantástica harmonia,
Em meio a tempestades e lampejos,
As procissões do Amor e da Poesia
— Estranhos e patéticos cortejos
De ilusões, esperanças e quimeras,
Anseios de ternura incompreendida,
Farrapos de emoções da mocidade,
Lembranças de passadas primaveras,
Toda a existência humana resumida
Num cortejo de dor e de saudade ...
A
PRENDIZADO DE POESIA
(1951-1953)
CRIAÇÃO
No princípio era o caos. A noite tenebrosa
Cobria a imensidão sombria e silenciosa
Como um negro sudário, amortalhando o espaço,
Num amplexo fremente, em sepulcral abraço!...
— E Deus criou a luz! E logo o mundo inteiro
Banhou-se em resplendor, e um celeste chuveiro
Dos astros derramou-se, em profusão brilhante,
Por sobre a Terra nua, agreste e deslumbrante.
— E Deus criou a vida! E as árvores surgiram
Em bosques de verdura, e o deserto cobriram!
De peixes povoou-se o oceano azul e calmo.
— E toda a criação, entoando ardente salmo,
Glorificava o Ser onipotente e bom
Que a tudo concedera o doce e suave dom
De gozar a beleza e a liberdade e a paz
Deste Eden de delícia e de ventura tais!
Os pássaros no céu cantavam docemente
Festivos madrigais, num voejar fremente...
As flores em botão, nos bosques, entreabriam
As pétalas sorrindo, e os colibris desciam
Do espaço p'ra beijar os cálices floridos...
Das fontes a brotar, filetes coloridos,
Refletindo o luzir do Astro-Rei no Infinito,
Banhavam-se de prata, em misterioso rito...
E tudo era alegria... e, entanto, o Criador
Sentiu que embora belo e cheio de calor
O mundo era imperfeito: inda faltava alguém
Que viesse completá-lo, e desfrutar também
A doce suavidade, a paz do Paraíso...
— E o homem foi criado — e logo, num sorriso,
De fé e de esperança envolveu toda a Terra
E o mar, e o vale, e a mata, e a resplendente serra...
DESILUSÃO
Vou pela vida, errante, a carregar um fardo
De dor e sofrimento, e cruel desilusão.
A perseguir-me sempre o avantesma pardo
De uma desoladora, atroz desilusão.
Sem repouso, a vagar, a passo incerto e tardo,
Pela estrada sombria, encontro neste chão,
A penetrar-me a carne, um doloroso cardo.
E entanto, fere mais esta árdua sensação
De sentir-me um estranho entre os homens na Terra,
Exilado a buscar a região risonha
Onde encontrar espero amor, descanso e paz.
Sofrendo dor infinda, esta alma a mágoa encerra,
E o coração, descrente e triste, já não sonha, Na cova sepulcral em que a esperança jaz!