JOSÉ CARLOS PEREIRA PELIANO
Nasceu em Juíz de Fora (MG), em 02.06.1948. Poeta, contista, roteirista e doutor em economia (1993). Encontra-se em Brasília, onde já trabalhou no IPEA, CNPq e Câmara dos Deputados, onde assessorou o PT e o presidente da Câmara dos Deputados, mantendo atualmente assessoria autônoma. Membro da Associação Nacional de Escritores.
Já publicou os seguintes livros de poesia: Passagem de Nível, edição da Livraria Galilei Ltda., Brasília, 1979; A Faca no Ar, edição do autor, Brasília, 1988; Os Pireneus e os Outros Eus (co-autoria com o fotógrafo Roberto Castelo), edição de Relume-Dumará Editores, Rio de Janeiro, 1996; Dois Oceanos, edição da Bárbara Bela Editora, Brasília, 1999, 1º lugar da Bolsa Brasília de Produção Literária, Brasília, 1998. Tem dois livros inédidos de poesia: Tetraedro e Águas Emendadas, livros inéditos, menções honrosas do Prêmio Jorge de Lima de Poesia, União Brasileira de Escritores (UBE), Rio de Janeiro, 1993; e Vadândora, livro inédito, 1º lugar do Prêmio Jorge de Lima de Poesia, UBE, Rio de Janeiro, 1994.
CASTELO, Roberto; PELIANO, José Carlos Pereira. Os Pireneus e os Outros Eus. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996. 71 p. ilus col. isbn 85-7316-100-0
Sobre o livro Os Pireneus e os Outros Eus escreveu Bernardo Élis na apresentação: São poemas destilados e redestilados em que a gravura tem papel insubstituível... Por várias vezes revi os poemas e as janelas que me contaram muitas estórias, que recriaram minha vida, amores, incertezas, ambições, coisa nenhuma. Não está nisso o encantatório poético?,
Página especialmente preparada por Salomão Sousa.
Azuis
as asas que não tenho estendo e alcanço
o pássaro sem asas e horizonte
perdido ao chão dos ventos em balanço
achado aos ares das águas das fontes
profano o vôo que me leva manso
ao sopro eterno para além dos montes
onde paira alta a nau onde descanso
e sigo em rios sem beiras, nem pontes
desmesurado o espaço dentro e fora
do tempo, dos espelhos, do marfim
do desejo desperto à qualquer hora
rompo os limites da matéria, assim
e de asas infinitas vou-me embora
com as asas que voam dentro em mim
Iniciação
muitas vezes quando a tristeza me assombra
me curvo a sua sombra
e vou ter aos céus com meus olhos
atrás dos rituais do tempo
um por um
deixo a me olharem as nuvens
darem lume as luzes
e fugirem meus pensamentos
a lugar algum
é quando das nuvens saem luzes
das luzes as sombras
e eu percebo a diferença
a cega diferença
que me faz nenhum
Reminiscências
parte loucura, parte devaneio
circunavegação em rodopio
em meio ao rio mais que um rio ao meio
rios de um rio ao meio em meio ao rio
nem tanto seco, tanto e quanto cheio
volumoso talvez, quiçá vazio
infinito mergulho, breve anseio
diminuto prazer, fundo arrepio
como um pião em solto catavento
nó nas tripas, nó cego, nó sem pontas
o corpo dentro e fora em movimento
nas voltas do colar, a vida em contas
cada vento, outro vento, pé de vento
paixões amalgamadas, sóbrias, tontas
dezessete horas e quarenta e cinco minutos
cada carro leva restos da tarde
luzes inquietas de lusco-fusco
nem dia nem noite nem estrela guia
cada canto se move por faróis dispersos
painéis e fraldas cobre-azuladas
restos de uma manhã bem aventurada
cada gesto meu descortina lembranças arregaçadas
desejos sem nortes e fronteiras, esquecido mapa
pouco a pouco de mim se desabotoa da cortina da noite
toma os ouvidos de minha pele o som de Años de Soledad
inchaços de vida fugidia, latejante, trespassada
através do bandoneón de Piazzolla e do sax de Mulligan
fogo fátuo
nem sinal nem dúvida nem outono
deserta a passagem onde tropeçam meus olhos
a sombra do desconforto ocupa o passo
o rosto há pouco passageiro
não trazia semelhança com a esfinge
longe de meu porto se esvai em brumas
ah! o remoinho dos candelabros acesos
com paixões e ternura em volta do desejo
deixou envelope sem remetente
a tristeza em pedras
me impede de seguir ou voltar
mais cruel e peçonhenta contudo
me puxa de um lado a outro
sem pulso, cicatriz, ou alívio
Apenas a chuva
desesperadamenteelasemsaberoquefazer
encurtaapassagemdasaladeestarcomacozinha
empassosapressadosquasevôos
ocoraçãodescontroladosaidopeito
escorreempingosdedesconsoloeexcessodevelocidade
dandoformaaumacachoeiradeaflições
A sala de estar e a cozinha
permaneceramumsólongoriosubmerso
inundadasdaenxurradadepassos
quetransbordavamdotemporaldedesamoresensaçãodeafogamento
Por um instante
os olhos correram pela casa
e deixaram cômodos vazios e
inquietações ressuscitadas
retiraram-se sonâmbulos
e levaram um grito úmido
interrompido em léguas de entardeceres
um silêncio sem rosto
desabou pelo chão feito óleo queimado
Mariana Alvim(nho) de inigualável safra † *
(para Mariana Agostini de Vilalva Alvim)
quisesse alcançar no fundo do peito
emoção maior à que se chegara
nem que se buscasse ao mais que perfeito
faltaria verbo à expressão mais cara
mesmo dando forma ao que não tem jeito
e no tempo fazer armação rara
ainda assim seria um contrafeito
aos pés da criação que se sonhara
surpreendente que possa a mão humana
tocar a arte que vem da natureza
ao tentar seguir-lhe a vida que emana
mas não há quem exprima com certeza
a graça que arrebata Mariana
e a faz mais bela que a própria beleza
*publicado em Subversão e Ternura – A saga de Mariana Alvim, de Maria Leda de Resende Dantas, Edições Bagaço, Recife, 1999
Alternância
como quem perto da noite em pedaços
crepúsculo algum, sóis embalsamados
um céu distante, inerte, ocres espaços
uma alameda acima dos telhados
passo em passo, passo a passo, outros passos
impulsos cegos de todos os lados
quadrantes alquebrados, entrelaços
súbitos afluentes revelados
um segundo só e a eternidade
um segundo a mais a arrebentação
feito o labirinto e a perplexidade
em frente à cordilheira o aluvião
atrás do girassol a tempestade
como quem perto da noite de cão
Rosa dos ventos
das águas não tenho o recurso
amplo, indefinível e exato
dos vidros, espelhos e escuridões
meu verso se faz
em rio espremido entre desejos e alvoradas
por entre foz sem embocadura
e margens desconhecidas
Plêiades
uma tênue auréola da manhã
sobre os seios da noite sempre e quando,
úmida cor sem cor da cor terçã,
colore o colo da terra se orvalhando
por entre sóis desponta aldebarã
e descobre os azuis iluminando
o morno ventre nu da antemanhã
e brilha ao mostrar as luzes em bando
águas que viram chuvas e desertos
e viram altiplanos e lagoas
e viram cordilheiras e vazantes
meus tateios em teus seios despertos
viram sons sensuais que tu entoas
e viram corpos ávidos e amantes
Desabafo
ah! como lhe esperei em hora alguma
à cada hora comprida ou encolhida
e à hora toda, toda ou dividida,
mantendo-lhe ao lado em ares de espuma
ah! como nunca lhe esperei por uma
e a toda vez que lhe vi refletida
entre os meus braços, lúdica e atrevida,
presa qual sombra mas solta qual pluma
não havia lugar que me coubesse
e mesmo que coubesse não me achava
em nenhum pensamento que me viesse
e por tanto que lhe amava eu lhe odiava
e lhe odiei ao lhe amar onde estivesse
e, ao lhe querer assim, eu lhe esperava
Ninguém
quando minha vida estiver acabada
e minhas roupas desusado o caimento e o viço
eu não terei jamais morrido
quando as lembranças de mim esmaecerem
e passarem a ser desveladas em manchas
e as minhas sombras pela casa
já estiverem perdidas nas paredes
meus cabelos estarão sendo ondulados pelas brisas nas folhagens do jardim
quando vierem as noites ocas e compridas
a ecoarem silêncio e desconforto
e sobrarem meus poucos retratos emudecidos
sem cor para lhe darem forma
eu estarei vestido de nuvens e arco-íris cheirando a terra molhada
e quando nada mais de mim restar
no fundo do armário
nos cantos das gavetas
e no chão por onde arrastaram meus chinelos
eu terei sido ninguém
e vivido na arrebentação das manhãs
como um tronco seco ao largo da estrada ao largo
PELIANO, José Carlos Pereira. Dois oceanos. Brasília, DF: Editora Gráfica Bárbara Bela, 1999. s.p. 14,5x21 cm. “Bolsa Brasília de Produção Literária”; Secretaria De Cultura, GDF. “ José Carlos Pereira Peliano “ Ex. bibl. Antonio Miranda
A pomba
A pomba no telhado espera pela chuva
e parece que me observa
com seus dois olhos de fim de tarde
sem saber que os meus
pousam longos ao seu lado
e também esperam pela chuva
para refrescar um pouco
as asas que não tenho
e que não vêm conseguindo
me levar muito longe.
Beira do rio
A árvore estica seus braços
e abre um leque espalmado de folhas,
pavão plantado à beira do rio.
O rio descansa em sua sombra e
cochila em rede de celofane
dependurada nas águas feitas de barro.
ANTOLOGIA PATUÁ 10 ANOS + Patuscada/ Vários autores. Editor Eduardo Lacerda. Capa de Leonardo Mathias. São Paulo: Editora Patuá, 2021.; 288 p. 13,5 x 21 cm.
ISBN 978-65-5864-191-9 Ex. bibl. Salomão Sousa
Faz sismo, mas eu me levanto
Faz sismo, mas eu me levanto
o chão se trem e a mim de medo
maior ainda é meu espanto
nem ao coração é segredo
seguia o vento pela mão
quando a madrugada dormia
ia ver nascer o clarão
do sol que o olhar emergia
corre ao chão betoneira ativa
me aprumo com o sabiá
no canto que traz sempre viva
a graça da vida que há
faz sismo, meu eu me levanto
vou com a luz do teu amor
juntar mais outras mãos enquanto
a liberdade for valor
o menino em mim também vai
para abrir todos os sorrisos
manter voz da vida que atrai
sem tirar dos pés os seus pisos
a mulher dentro de cada homem
o homem em cada mulher
se entrelaçam para que somem
os sonhos que cada um quer
chega de esgrimir o poder
sem bênção e lastro nenhum
com força na mão escurecer
o céu com a luz de um a um
faz sismo, mas faço coragem
enquanto o sol ciranda a lua
estrela da vida a imagem
a luta é minha, a luta é tua
ir junto com a natureza
marrom que é verde que é azul
que faz e refaz a beleza
planta a planta de norte a sul
*
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Página ampliada em dezembro de 2021
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