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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



HENRYK SIEWIERSKI

 

 

Nasceu em Wroclaw, na Polônia, em 1951.  Formou-se em Letras pela Universidade Jaguelloniana de Cracóvia, onde também era professor.  Vive no Brasil desde 1986.

 

Publicou Encontro das Nações (1984), Como Ganhei o Brasil de Presente (1998), Um Paraíso Imperdível: Silva Rewrum Amazônico (2006), em polonês; e História da Literatura Polonesa (Editora UnB, 2000). Organizou Vida Conversível, de Agostinho da Silva (Assírio & Alvim, 1994). Traduziu obras de Bruno Schulz e Andrzej Szczypiorski, entre outros. É professor da Universidade de Brasília.

 

 

 

O cordão umbilical da língua-mãe

só serve até a fronteira

desse ventre em que ninguém

mais que uma vida aguenta.

 

Como o corte é inevitável

e a tesoura não falha,

é bom aprender uma outra língua

para não começar tudo de nada.

 



HENRYK SIEWIERSKI

 O poeta e pesquisador Henrik  Siewierski  durante sua apresentação na sessão magna da I BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASILIA ( de 3 a 7 de setembro de 2008 ).  Representante oficial indicado pela Embaixada da Polônia no Brasil.

 

 

ÍTACA

 

         Partindo para Ítaca

peça uma viagem longa.

K. KAVÁFIS

 

Pedi e me foi oferecida

Uma longa viagem a Ítaca.

 

Aprendiz e aventureiro

demorava mais do preciso

em cada porto,

nas ruas estreitas

dos bairros antigos,

altos e baixos,

que sabem receber o marinheiro,

sempre com as bandeiras

de lençóis a secar

e o choro das crianças

hino de alegria

para quem chega do mar.

 

Procurava também os sábios

nas praças e nas tabernas,

sorvia a filosofia

de hábitos diversos:

cebola, arrengue, canhaça...

 

Segui teu conselho,

viajava devagar,

enchendo o navio

de boas mercadorias.

 

Até que um dia

entramos numa baía,

gratos e felizes

como nunca,

baía de outros sonhos.

 

E agora não sei

se foi longe demais

ou se é este o fim

da viagem que pedi.

 

 

CANÇÃO DO NÃO-EXÍLIO

 

         Para o meu filho Michał, na viagem

ao Paraguai, para pegar o visto brasileiro.

 

 

                        Este caminho dá pra Roma,

                   já estamos em Mato Grosso;

                   não jogue lixo pela janela

                   este caminho é nosso.

 

                   Este caminho dá pro mar,

                   seja qual for o destino;

                   não jogue lixo pela janela

                   este é o nosso caminho.

 

                   Este caminho dá pra noite,

                   tem sinais luminosos;

                   não jogue lixo pela janela

                   este caminho é nosso.

 

                   Este caminho dá pra casa,

                   não é caminho do exílio;

                   não jogue lixo pela janela,

                   este é o nosso caminho.

 

                   1987

 

 

                   TEODICÉIA

 

                   As provas não estão comigo

                   deixei-as do outro lado

                   do Atlântico.

 

                   Eram muito pesadas

                   para quem ia

                   à América.

 

                   Aqui não se fazem provas

                   de que Deus existe

                   e é bom.

 

                   Aqui a gente espera

                   que se explique

                   melhor.

 

                   Enquanto espera vive

                   e deixa-o viver

                   e ao Diabo.

 

                   E a vida corre sem prova

                   as provas,

                   do outro lado.

 

                  

                   PERDOA-ME

 

                   Perdoa-me, língua materna,

                   tu, que me deste à luz,

                   recebeste tão pouco.

 

                   Em vez de ficar do teu lado,

                   fazer-te os saborosos pratos de poesia,

                   proteger dos bárbaros,

                   multiplicar o patrimônio,

                   fui nascer outra vez,

                   da outra,

                   e fiquei

                   longe de casa,

                   numa luz diferente

                   das outras estrelas.

 

                   Sei que jamais

                   pretendeste ser a única

                   a dar-me à luz,

                   que os meus irmãos

                   cuidam bem de ti,

                   que já me perdoaste,

                   e que guardas

                   as mais doces palavras

                   para cada encontro nosso.

                   Perdoa, perdoa sempre

                   a teu filho,

                   nem fiel,

                   nem pródigo.

 

 

                     NEOBARROCO

 

                   Bordando a capela mor

                   o cupim acabou com os milagres

passou dos limites

ou instaurou uma galeria

de arte neobarroca

no corpo da igreja de São Francisco

de Assis e da Paraíba.

 

 

João Pessoa, 1996

                  

                  

                   ALMENARA

 

                   Salto da Divisa

                   Vale do Jequitinhonha

                   olhar esfíngico das vacas

                   a estrada é fatal

                   búfalo, urubu, gavião

                   há milhões de anos o Sol

                   preparava o nosso combustível

                   nossa passagem

                   neste vale de lágrimas

                   é a energia solar que nos move

                   rumo à Almenara

                   diz Gil, químico, mineiro

                   Luiz dirige bem, baiano

                   a gramática do chão é com ele

                   tanta serra sem nome

                   e nome sem razão de ser

                   sem saber o ser a que se destina

                   Almenara, diz Luis, é posto do vigia

                   em árabe, numa rota de diamantes

                   dos portugueses

                   ainda muito chão pela frente

                   muita conversa para jogar fora.

 

 

 

SIEWIERSKI, Henryk.  Outra língua.  Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2007. 96 p. 13x20 cm.   Capa (dura): Tomás Martins.   ISBN 978-85-7480-374-6   “ Henryk Siewierski “ Ex. bil. Antonio Miranda.

 

 

 

DIFFERENTIA SPECIFICA

 

Passamos só por cima

os nossos arados não podem

ir mais fundo ao solo

não podem revolver os minerais.

 

Dependentes de uma ténue camada

de húmus

somos

seres superficiais.

 

 

 

O FUNDO DO BAÚ

 

O céu e a terra

 

passarão

 

mas o fundo do baú

 

esse não.

 

 

 

Página criada em dezembro de 2007. Ampliada e republicada em abril de 2015.




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