ANTONIO GARCIA MURALHA
Nasceu em Monte Carmelo, Minas Gerais, em 1948. Estudou e viveu em Araguari e desde 1964 vive na cidade satélite de Taguatinga, no Distrito Federal. Estudante na Universidade de Brasilia, participou ativamente do movimento estudantil. É preso e torturado durante a ditadura militar em 1974. Premiado com o troféu do Jubileu de Prata da cidade de Taguatinga e o Titulo de Cidadão Honorário da mesma cidade.
Livros: Um Vôo no Césio 137 (para dar um recado a Carolina) em 1989; “Academia em Dois Discursos”, em parceria com Newton Rossi, ao ingressar na Academia Taguatinguense de Letras. E o “Verso é Verso, o resto é prosa” (Prêmio Lual de Educação 2004) de onde extraímos os seguintes versos.
RESSACA
Dormir... e, ao acordar, sentir que a vida
Repete os outros dias como um eco,
Como a monotonia da batida
De um sino, ou do arranhar de um reco-reco!
Dormir... e, ao acordar, ir ao buteco
Atrás da pinga-pura ou da batida...
Bebê-la à semelhança de um buneco
Que ingere o elixir da longa-vida!
Dormir... e, ao acordar, sentir que a morte
Andou rondando, à noite, a casa escura...
Supor que até se tem é tido sorte;
Porque, quem sabe assim da dita-pura,
Mergulha no elixir da longa-morte
E sonha que afogou a vida-dura!
QUE NEM LOUCO
Ele vem pelo meio dos carros
De mansinho que nem sombração,
Quase sempre trazendo um cigarro
E outras coisas em uma das mãos,
Imponente, cabeça bem alta,
Enfeitado que nem astronauta.
Quando fecha o sinal, ele pára,
Equilibra e confere a motoca,
Tira o tampo que leva na cara,
Põe a guimba do pito na boca,
Dá uma olhadinha de lado, bafora,
Toma pose, acelera e cai fora.
Quando aberto o sinal, ele voa
Que nem bala, parece um corisco,
Convencido de estar numa boa,
Ele esquece e não pensa no risco:
Que a motoca que o leva nos braços
Não faz ser o dono do espaço.
E não sabe do risco que corre:
A motoca não pensa e nem morre.
RECONSTRUÇÃO
Pelo pão de cada dia que eu não como
Pela paz de muitas tréguas que eu não vejo
Pelo chão de tantas terras que eu não tenho
Pelo bem de toda a vida que eu não vivo
Eu não protesto não
Eu não perturbo não
Eu não confundo não
Eu não destruo não
DIÁLOGO IRRACIONAL
Gritos... e o grito que o teu peito exala,
O mais horrível grito que eu conheço,
Dá-me a impressão que vais virar do avesso
Ou que talvez vais explodir a sala.
Ouço... entretanto até me compadeço
De teu caos animal, pois tua fala
Nasce do instinto e busco analisá-la
E, dissecando-a, chego a teu começo...
E o eu esta origem tua me revela
É a frustração que tentas revelar:
Que o estranho ruído que te sai da goela,
Na impotência de seres um muar,
Não obstante seres gente e bela,
É o desejo que tens de relinchar!
TROCANDO IDÉIAS
Tudo é merda nesse mundo!
Tudo, merda pura, bosta!
É merda o que sempre pensas!
É merda o que tanto gostas!
É merda aquilo que eu penso!
É merda o livro que eu leio!
São merdas as minhas palavras!
De merda andam livros cheios!
Da merda tornaste escravo!
Se abres a boca, sai merda!
Se fazes merda falando,
Fazes merda o tempo inteiro!
Somente não fazes merda
Na hora em que estás cagando!
Página publicada em junho de 2008
Metadado: motoqueiro
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