ANA PAULA ARENDT
Ana Paula Arendt, pseudônimo de R. P. Alencar, é escritora, poeta e diplomata. Nasceu em 1980, em Rondônia. Bacharel em Relações Internacionais e Mestre em Ciência Política, trabalhou desde 2004 na área de Direitos da Infância e da Adolescência, antes de entrar para o Itamaraty, em 2008. Mãe de Catarina, Tomás Antônio e João Davi. Morou em várias cidades de Rondônia, Acre, São Paulo, Montevidéu e Brasília, onde reside hoje.
Publicou "A Verdade é Filha da Mentira" e "Rumo à Liberdade", pela Azougue Editorial. Autora do romance de boteco "Trinta Moedas para o Diabo", do poema épico "Penthesilea"; “Callista”, “A Criação de Pindorama”, “As Coisas Simples da Vida”, e da obra premiada "O Constituinte" (Martins Pena, 2015). Publicou alguns livros de poesia e contos para crianças: “O Rei e a Fada”, “A Casa da Mamãe Macaquinho”, “A História Completa dos Três Reis Magos”, “Convenção sobre os Direitos dos Passarinhos” e a “A Brisa e o Vento”.
VEJA vídeo de ANA PAULA ARENDT (POEMAS) na Biblioteca Nacional de Brasília
Declamação de Ana Paula Arendt no Encontro de Cinco Poetas numa Não-Esquina de Brasília, realizado no dia 29 de março na Biblioteca Nacional da cidade. O evento contou com a participação do diretor da Biblioteca Nacional, Antonio Miranda; Embaixador Raul de Taunay; Davino Sena; e Anderson Braga Horta. Sob a regência do Maestro Airan d'Sousa, o encontro contou com composições inéditas e trechos do musical Nuestra América, performados pelos músicos Ofélia Marin (flauta), Nicolas Madalena (cello), Haniel Queiroz (trompete) e Otto W. Pereira (viola).
https://www.youtube.com/watch?v=RwiFfaljf1k
Veja também: POESIA INFANTIL de ANA PAULA ARENDT >
POEM IN ENGLISH & PORTUGUÊS
A minha insignificância
A minha insignificância, insignífica
Não faz qualquer diferença magnífica
Na mente dos homens e dos altos cargos.
A minha insignificância, insignífica
Não faz sombra alguma específica
E até o vento consome antes os calmos cardos.
Mas minha insignificância, insignífica
Me consola serena e pacífica.
É o que me faz contemplar os vastos prados.
A minha insignificância, insignífica
Torna o mal uma tênue onda insípida
E o errado um irrisório enredo derrogável.
A minha insignificância signífica
Torna um gesto que é terno coisa explícita
Tão maior é a verdade inexplicável.
Rocio amargo da árvore
Fosse eu uma árvore fóssil
A faina seria mais fácil.
Com galhos sutis ao vento dócil
Só a gota de chuva penderia grácil.
Fosse eu uma árvore... Posso?
Estender-me como relva ao lácio?
Não enterrariam lá na frente os ossos
De mansidão me elogiariam o traço.
Flamboyant e trepadeira em ócio
Resedá e donairosa acácia
À caliandra e à aroeira o rócio
Manacá, só amavio em cássia.
Fosse eu uma árvore dócil
Preservaria a sombra e a minha flor, bem forte
Enquadraria a paisagem com o meu lindo porte
Não quereria a dor de amor no lábio.
Ah, fosse eu uma árvore, tivesse eu essa sorte!
Tardaria tão mais a morte
De frente a um não, ser totalmente inábil.
Um estudo sobre o silêncio
Silêncio das dores: profundo espasmo arrefecido.
Silêncio de amores: olhos límpidos, embevecidos.
Silêncio indignado: terrível demais pra ser dito em palavras.
Silêncio calado: medo, o degredo das pontas das travas.
Silêncio pacífico: sinto o ar impermisto entrar no meu peito.
Silêncio epistemofílico: penso como tudo pode estar direito.
Silêncio hesitante: os olhos antecipam com uma expressão.
Silêncio irritante: quero saber logo, e você não me diz não.
Silêncio em protesto: dói-me dizer, não quero saber.
Silêncio honesto: não sei quê dizer, gostaria de saber.
Silêncio funesto: sofre o homem, sem nada fazer.
Silêncio de um gesto: sofro com o homem, e isso é fazer.
O amor é importante
Bem de noite, e bem pequena
Ouço as cordas de um coração
Do sono livre, de alma serena
Que me despertam para a velação.
Eu sou teu em meu corpo indigente
Insone, confessa o amado querido
Entre sonhos defasados, intermitentes
De véus e bloqueios arremetidos.
O amor é muito importante
Seus versos bons, seus passos nulos
Quando cresce incontido no peito
Esse filho completo, independe de tudo.
Eu sou teu em meu corpo frequente
Meu amor diferente, te quero tão bem!
Eu sou filho do triste desterro
E não quero ter mais ninguém.
Eu sou teu em meu corpo cadente,
Lido com o passo, me sabes de tudo
E se por vezes de ti eu me esqueço
Mereço-te mais, sobretudo.
O amor é mesmo importante
Se perto ou distante, é a mesma canção
De dois pensamentos num exato instante
Do qual prossegue em sua própria razão.
Beija-me no Natal seguinte
Beija-me como se pudesse ter vindo
Beija-me até que de amor eu me cale
Bem junto a meu corpo em abraço tão lindo
Beija-me até que nos olhos eu fale.
Beija-me como se fosse vinho
O meu lábio partido,
Uma dor que te acalma.
Beija o meu rosto sozinho,
Que por ter te ido,
Entornou lágrimas na minha palma.
Beija-me vendo o futuro sorrindo,
Quando encontrarmos o caminho que nos vale;
Na estrada o calor de um verso não findo,
Na alma um amor que tão grande, trescale.
E no Natal seguinte, quando males em requinte
Forem apenas uma memória triste e vaga
Beija-me um trilhão vezes vinte,
Até que o céu estrelado tilinte,
Que no infinito de dar se propaga.
Nem tudo está perdido
Nem tudo está perdido,
Embora muito esteja piorado.
Nem tudo está partido,
Embora muito esteja parado.
Nem tudo está falido,
Embora muito esteja falado.
Nem tudo está enfraquecido,
Embora muito esteja enfeitado.
Nem tudo está redimido,
Embora muito esteja redatado.
Nem tudo está perdido,
Pois muito nos é perdoado.
Nem tudo está partido,
Pois muito participar nos é dado.
Nem tudo está falido,
Pois muito nos foi fantasiado.
Nem tudo está enfraquecido,
Pois muito só é enfatizado.
Nem tudo está redimido,
Pois muito há que nos há de ser recuperado.
Livre, busco a redenção
Já não busco a liberdade
Talvez busque a redenção
Não dos meus banais pecados
Mas de versos que me reconstituirão.
Já não busco as amizades
Que me cabem num jargão
Nos seus braços de verdade
Eu me entrego com paixão.
Eu só busco a mão suave,
Das palavras que te acalmam
Só o amor sincero e grave
É o alívio de minh'alma.
Eu só busco uma criança,
Que no colo a mim assente
No seu sono terno e doce,
Cresce ao mal indiferente.
Sem concessões pretensiosas,
O céu alumia em clarão
A flor de ipê cor-de-rosa
Cai na palma de minha mão.
Mais um dia de orvalho renova
A sutileza de amar sem senão
Sempre que ouço a sua preciosa
Voz divina no meu coração.
ARENDT, Ana Paula. O Constituinte. Brasília, DF: Só Livro Bom, 2016. 116 p. 16,5X22,5 cm. Capa: Luiz Manhães. ISBN 978-85-920755-6-9
A seguir, um dos monólogos do personagem Affonso:
Affonso. Mais um de meus monólogos,
Indispensáveis a qualquer homem,
Pois que não compartilho nada,
Apenas componho,
Componho minha própria falha.
Ah...
Sem rimas, sem nada,
Que é que se pode dizer,
Quando sôfrega o peito dela no meu,
E me desperta a angústia ao amanhecer.
Se da partilha mandatória me livrar pudesse,
De sentimentos mútuos, das sanas preces,
Se pertencêssemos a mundos distintos...!
Em que não me arriscasse à sua mágoa,
Em que fôssemos fruto de um mesmo instinto.
Afinal, que é o amor?
E o gosto amargo,
Em despertar-se sozinho..?
Qual pesado fardo,
Que carrego em meu caminho..?
Infindável minuto tardo,
Que a todo momento se principia.
E que nunca vendo o fim,
Moléstia em mim me sentencia.
Afinal que é o amor?
É deixar de se ver no mundo um ser pequeno,
É achar que tudo explica o amor e suas verdades.
Mas pra quê o amor?
Se nunca encerra nele a sua felicidade.
Estou um pouco desanimado.
Não sei o amor existe,
Ou se é mero ato falho.
Não sei o que propriamente o distingue
Se é da seta o mesmo atalho.
Assim, sofro.
Sofro de sofrimento.
Tanto mais sofrimento,
Quanto mais amor se tem.
Imagine então qual é o sofrer
Quando é ao amor que se quer bem.
Amo tê-lo.
E é daí a dor,
A dor que jamais finda.
Amo amar o amor:
Saudade do que se vai viver ainda.
Os males são tantos,
E me dizem: só se mantém em preserva
Amor muito tempo depois de morto.
Como se ao padecer de seus efeitos
Só pudesse vivê-lo em gesto pouco.
O amor é inútil.
O amor não serve para nada.
É apenas a indispensável moldura
De uma alma ensimesmada.
ARENDT, Ana Paula. Callista. Brasília, DF: Só Livro Bom, 2016. 88 p. 15x21 cm. Ilustração da capa: Luiza Manhães.
A rebelião feminina
A rebelião feminina
Tem homem de montão
A rebelião feminina
Tem fé na razão
A rebelião feminina
Azucrina
Com versos e rima
Tem fé no acórdão.
Defeito
Vi num canto de uma quina
Uma esquina desgastada
Vi na falta de uma rima
Uma alma redobrada.
Vi no espelho uma menina
Com seu hálito de sabah
Anelou o amor, divina
E no seio foi beijada.
Porque gosta dos desgostos,
Dos receios e anseios mudos
Porque gosta dos repostos
Mesmos feitos, rios desnudos
Porque é mais verdadeiro
O defeito do que o tudo.
Vejo tanto seu defeito
Que não posso ver mais nada
Vejo tudo do seu jeito
Porque canso em ser dobrada
Vejo seu eu satisfeito
Em me ver ensimesmada.
É assim, que vou direito,
Com o defeito preocupada.
ARENDT, Ana Paula. A Brisa e o Vento. Brasília, DF: Só Livro Bom, 2016. 56 p. 15x21 cm. Capa: Luiza Manhães. ISSBNM 978-85-920755-4-5
Um estudo sobre o voo das aves e dos pássaros
Em curva, bem íngreme, em trajetória, inclinado:
Ondulante, curvilínea, tortuosa, enjeitado.
Súbita, arremetido, plainando, retomado:
Em salto, rente e límpida, de flanco, alçado.
Repentina, de talude, errante, disciplinado:
Cérceo, contíguo, num ímpeto, inesperado.
Envergada, movido, erguida, sequenciado:
Decolado, convexa, dinâmica, sincronizado.
Ríspida, revolução, em evolução, revoado:
Arqueio, flectida, avergada, envergado.
Entortada, zumbrindo-se, fletida, flexionado:
Dobrada, aprumo solto, alacando, em corcovado.
Retilínea, num côncavo, sinuosa, deslizado:
Livre, libertino, lindo lume, capturado.
Um estudo sobre o silêncio
Silêncio das dores: profundo espasmo arrefecido.
Silêncio de amores: olhos límpidos, embevecidos.
Silêncio indignado: terrível demais pra ser dito em palavras.
Silêncio calado: medo, o degredo das pontas das travas.
Silêncio pacífico: sinto o ar impermisto entrar no meu peito.
Silêncio epistemofílico: penso como tudo pode estar direito.
Silêncio hesitante: os olhos antecipam com uma expressão.
Silêncio irritante: quero saber logo, e você não me diz não.
Silêncio em protesto: dói-me dizer, não quero saber.
Silêncio honesto: não sei quê dizer, gostaria de saber.
Silêncio funesto: sofre o homem, sem nada fazer.
Silêncio de um gesto: sofro com o homem, e isso é fazer.
(Para Catarina).
POEM IN ENGLISH & PORTUGUÊS
NEW BRAZILIAN POEMS. A bilingual anthology after Elizabeth Bishop. Translated & edited by Abhay K.. Preface by J. Sadlíer. Rio de Janeiro: Ibis Libris, 2019. 128 p. 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7823-326-6
Includes 60 poets in Portuguese and English.
ANA PAULA ARENDT
Um Estudo sobre propósito III
Aprender o inefável
Somar o aprazível
Pisar os caminhos reprisados
E encontrar neles um som familiar incrível.
Reler pergaminhos encontrados
Rolar diante do intransigente Sísifo
Dispensar mediadores da fé consumados
Esquecer atravessadores do espírito
Correr até ficar cansado
Descansar para amanhã estar nos trilhos
Vencer o fardo
Confiar no invisível
Refutar o que é amargo
Contestar o infalível
Combater glorificadores da morte
Testemunhar que às más línguas se reserva a má sorte
Viver simples, todo dia do mesmo depósito
Buscar a vida e encontrar nela o seu propósito.
A Study about purpose III
Learn the ineffable
Sum the pleasant
Walk on the reprised paths
And find in them an incredible familiar sound.
Read again found scrolls
Roll in front of intransient Sisyphus
Let go the middle men of consumed faith
Forget the demolishers of spirit
Run until you're tired
Rest so tomorrow you're on track
Overcome the burden
Trust the invisible
Refute what is bitter
Contest the infallible
Fight the glorifiers of death
Witness that bad luck is reserved for bad mouths
Live simply, every day from the same fountain
Seek life and find your purpose in it.
Página publicada em abril de 2015, ampliada em dezembro de 2016. Página ampliada em janeiro de 2019
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