ANA MARIA LOPES
Ana Maria Lopes, nasceu no Rio de Janeiro. É jornalista formada pela Universidade de Brasília. No jornalismo trabalhou na TV Nacional de Brasília, TV Alvorada e no jornal O Globo. Trabalhou no Jornal da Câmara,exerceu a chefia de reportagem da TV Câmara e dirigiu o Núcleo de Vídeos
Especiais da TV.
Como prémio literário obteve, em 1967, a 1a colocação no concurso literário patrocinado pela Embaixada de Portugal, Jornal O Globo e Livraria El Ateneo. Em 1981 obtém o 1° lugar no concurso promovido pela Editora Abril. Sua estreia no conto lhe rendeu a 1° colocação no concurso realizado pela Bloch Editores e a Baume&Mercier em 1995.
Em 2006 editou seu primeiro livro de poemas, Conversa com Verso, pela LGE Editora.
O artista plástico Gougon e o grupo Ciranda do Mosaico criaram um painel com dois de seus poemas. O painel está na Biblioteca Demonstrativa de Brasília.
Sobre sua poesia diz Cláudio Maya Monteiro
“Foi deliciosamente impactante lê-la, contemplar estas aquarelas sendo despintadas cor a cor, revelando à maneira de pentimento as várias superposições de camadas que a formaram no tempo e no espaço do sentimento e da vivência, com peso e leveza, que se entrelaçam, formando ao longo dos textos uma trama fina e envolvente. Tal como o ofício laboriosos das aranhas que tecem sombras nos desvãos, debaixo dos guarda-roupas e também à luz do sol, e que brilha em ambas as situações.”
LOPES, Ana Maria. Mar remoto. Brasília, DF: Maria Cobogó, 2018. 120 p. 15x21 cm. ISBN 978-85-5697-532-4 Ex. bibl. Antonio Miranda
FESTA
Controlar o conteúdo carnívoro
dentar o tempo, o desejo
e a derrubada do muro
Pode ser que você venha
pode ser que o silêncio
seja a cena final
Vestida de festa
em sua noite de gala
entro com meus cães
e assim, mudo sua sorte
Assisto bestificada
sua segunda morte
LESVIOI
Ela amava
sob delírio
um amor
de altitude negativa
E todos os dias
desenhava com a voz
seu grito de paixão
e angústia
Mas a leveza do fundo do mar
deixou-a tonta
Tanto, que confundiu
seus cabelos de alga
com a alma das marés
Safada, afogou seu corpo
nos olhos da mulher amada.
COITAR
Havia violinos
ali onde os lobos
se reuniam
Finas cordas
para derradeiros bemóis
E entre lençóis e uivos
corpos curvos
que se dilaceram
e se desprendem
A música
dei cremonesi
se expandia
como teia
E aqueles corpos
— pequena alcateia —
buscavam um impossível acorde
um impossível gesto
uma impossível paz.
De Conversa com Verso
(LGE Editora, 2006)
SIDERADA
Cometo atos
que mesmo astros
como o cometa
jamais cometeriam.
LUA E CORPO
Uma lua incerta batia
quando em quando
seu claro no meu corpo
Queria me despir de sua luz
procurando o breu.
Mas com grande mestria
a lua investia
seus dedos luminados
procurando meus pelos
explorando minhas cavernas
e sem nenhum barulho
dava seu mergulho
em águas mucosas.
Seus punhais, seus raios
jorravam o clarão
e pouco a pouco
a lua incerta e meu corpo nu
se amalgamaram
- assim como fazem os astros -
e reinventamos a luz.
NÃO ME ACORDE
Se eu estiver sonhando
não me acorde
porque basta uma noite
para me manter rediviva
uma noite para gerar meu espanto
e espantar minha rotina.
Mas se por acaso estiver tecendo
as tramas do matutar
ou colchoeira
enchendo de paina a retina
não me chame
porque basta um gemido
para me acordar.
DESPERTAR
O que vem depois do sonho
se o sono permanece
e ainda não se acordou?
O sono ganha o limbo
de sua alma
e gesta a aflição
do despertar.
Desperto, o sono se acaba
e o sonho
- oxigênio da vida -
desmancha imediatamente,
desesperadamente,
na falta de ar.
SONHOS
Não sei quantas vezes em minha vida
eu sonhei.
Falo dos sonhos em alerta
os sonhos sonhados despertos.
O sonho é amigo e cúmplice da fantasia.
Às vezes, sonho e fantasia se misturam tanto
que geram espanto
quando os tentamos separar.
E a farra da mistura é tamanha
que quando vamos
um do outro decifrar,
não sabemos se o sonho se vestiu de fantasia
ou se a fantasia escapou para sonhar.
QUINTAL
Ao tropeçar nos filodendros
meus pés se confundiram
pareciam criar raízes
e misturei pé com terra úmida.
Me senti planta daquele quintal
integrada
natureza estonteante
comungando com o sol
a minha fertilidade.
Tranquila, mas inquietando o íntimo
a poesia que chega brusca
sem buscas, sem transes,
encontrada na preguiça
no espaço doce
do tempo morno e moreno.
A PALAVRA
Ninguém percebeu
a palavra pendurada por um fio
Ninguém atinou para seu sentido
nem notou que pairava muda
sob todas as cabeças.
Carregava seus mistérios
cheio de sílabas.
Ninguém a queria nem (a) prendia
E a palavra ficou balançando
em postura de enforcado
sem traço esclarecedor
para perplexidade de todos.
POESIA
Poesia do de repente
do também e do aqui
do talvez e do agora
como um sopro
em que o vidreiro força
e poeta o vidro
Como uma manobra
que o luthier na viola
poeta sua obra
Ela chega mansa e vem,
se aninha,
como arte desconjuntada
depois agride nervosa
se enrosca nos pelos
se desmancha em apelos
como vida remendada.
Poesia que escapa
nas dobras dos dedos
e dos papéis
e vem, hospedeira da loucura
voando solitária
devassa e pura.
TUA AMANTE, POETA
(a Carlos Drummond de Andrade)
Aquela tua amante secreta
surpreendeu o mundo, poeta
e embonitou muito mais a tua vida
revivida.
Aquela tua amante secreta, poeta
cantada em trombetas discretas
fez de todo cantor um cúmplice
um torcedor contra a mesmice.
Fez a todos ver o infinito
muitos horizontes, mil portas
abrindo em fontes.
Poeta ternura
explodindo seus orgasmos, creia,
o amor compensa.
CERTEZA
Desistir de você
é tarefa que me imponho
mas penso isso
apenas em sonho pois
falta a coragem
faltam os horizontes
falta a vertigem
os verticais.
Sou uma mulher sem certezas
PASSADO PRESENTE
Organizava conversas antigas
enquanto a vida vazava
por entre meus dedos.
Um frio forte que exigia lã
teimava em surgir nas frestas
e meus fantasmas chegavam
convidados para um baile
de distante memória.
Tanto Cuba e Ray Connif
embriagaram minhas lembranças
valsa turva visão vazia vida vaza
No quarto ao lado
o presente ronca seus sonhos
à espera de meu corpo antiguinho.
.COM
Eu estou aqui
você está aí
Se acaso eu vou para aí
Você vem para cá
Há entre nós, inconteste,
um computador
– barricada –
que nos serve de atalho
para a fuga do contato
é o desamor.com
NAUFRÁGIO
Pensei em desenhar um fado
e traçar no papel
a saudade infinita de tudo
quanto se fez.
Ó mares nostálgicos de português!
Conheça o blog da poeta:
http://blog.clickgratis.com.br/anamarialopes/
LOPES, Ana Maria. Risco. Brasília: Verbis Editora, 2012. 174 p 14X21 cm. ISBN 978-85-62781-13-1 Projeto de capa: Bernardette Maria Nogueira B. Staruss. Orelha do livro: Angélica Torres Lima. Prefácio: Teófilo Fernandes. Col. A.M.
BERÇO
Dentro de minha caneta
cento e quinze palavras
prestes a explodir.
Antigamente
eu mimava as palavras,
domesticava as vírgulas,
controlava tudo.
Agora, tudo foge ao meu controle.
Daí nasceram os versos.
BURACO
Abri um buraco no chão.
Me avestrurei!
GPS
Não me ensines as estrelas
Não me ensines as estradas
Conheço os caminhos
e sabendo-os
assim me pacifico
Atlântica que sou!
LABIRINTO
Não existe um barulho
para os passos
de uma centopeia
Como não existe
onomatopeia para o grito
que não quer sair
Como não existem violinos
nem passos para os compassos
da falsa valsa
não existe essa de juntar longes
para se construir um perto
o que existe, amor,
é o que eu sinto:
a grande vontade de sair
desse labirinto!
LIDA
Onde o mar encontra o céu
um pescador trabalha.
Jangada no ritmo do soluço
de uma criança.
Na praia, uma mulher chora
e enxuga o mar em sua saia.
ARQUITERA APRENDIZ
Modelei o telhado
em papel machê
desenhei janelas com giz
brinquei de arquiteta aprendiz.
Fiz porta como quem
faz ilusão
construí mesa
som restos de sobremesa
e abajures de olhares
com lâmpadas solares
Escolhi ternura
como decoração
e a fartura de gestos
de engenho e de arte
ficaram por conta do amor
que se abria
com um manifesto
por todo o resto
e por toda parte.
Página feita por ANGÉLICA TORRES em maio de 2009; Página republicada em abril de 2013. página ampliada em agosto de 2018
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