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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

PATATIVA DO ASSARÉ

(1909-2002)

 

 

Autobiografia de Patativa do Assaré

 

 

Eu, Antônio Gonçalves da Silva, filho de Pedro Gonçalves da Silva, e de Maria Pereira da Silva, nasci aqui, no Sítio denominado Serra de Santana, que dista três léguas da cidade de Assaré. Meu pai, agricultor muito pobre, era possuidor de uma pequena parte de terra, a qual depois de sua morte, foi dividida entre cinco filhos que ficaram, quatro homens e uma mulher. Eu sou o segundo filho. Quando completei oito anos, fiquei órfão de pai e tive que trabalhar muito, ao lado de meu irmão mais velho, para sustentar os mais novos, pois ficamos em completa pobreza. Com a idade de doze anos, freqüentei uma escola muito atrasada, na qual passei quatro meses, porém sem interromper muito o trabalho de agricultor. Saí da escola lendo o segundo livro de Felisberto de Carvalho e daquele tempo para cá não freqüentei mais escola nenhuma, porém sempre lidando com as letras, quando dispunha de tempo para este fim. Desde muito criança que sou apaixonado pela poesia, onde alguém lia versos, eu tinha que demorar para ouvi-los. De treze a quatorze anos comecei a fazer versinhos que serviam de graça para os serranos, pois o sentido de tais versos era o seguinte: Brincadeiras de noite de São João, testamento do Juda, ataque aos preguiçosos, que deixavam o mato estragar os plantios das roças, etc. Com 16 anos de idade, comprei uma viola e comecei a cantar de improviso, pois naquele tempo eu já improvisava, glosando os motes que os interessados me apresentavam. Nunca quis fazer profissão de minha musa, sempre tenho cantado, glosado e recitado, quando alguém me convida para este fim.

 

Quando eu estava nos 20 anos de idade, o nosso parente José Alexandre Montoril, que mora no estado do Pará, veio visitar o Assaré, que é seu torrão natal, e ouvindo falar de meus versos, veio à nossa casa e pediu à minha mãe, para que ela deixasse eu ir com ele ao Pará, prometendo custear todas as despesas. Minha mãe, embora muito chorosa, confiou-me ao seu primo, o qual fez o que prometeu, tratando-me como se trata um próprio filho. Chegando ao Pará, aquele parente apresentou-me a José Carvalho, filho de Crato, que era tabelião do 1o. Cartório de Belém. Naquele tempo, José Carvalho estava trabalhando na publicação de seu livro "O matuto Cearense e o Caboclo do Pará", o qual tem um capítulo referente a minha pessoa e o motivo da viagem ao Pará. Passei naquele estado apenas cinco meses, durante os quais não fiz outra coisa, senão cantar ao som da viola com os cantadores que lá encontrei. De volta do Ceará, José Carvalho deu-me uma carta de recomendação, para ser entregue à Dra. Henriqueta Galeno, que recebendo a carta, acolheu-me com muita atenção em seu Salão, onde cantei os motes que me deram.

 

Quando cheguei na Serra de Santana, continuei na mesma vida de pobre agricultor; depois casei-me com uma parenta e sou hoje pai de uma numerosa família, para quem trabalho na pequena parte de terra que herdei de meu pai. Não tenho tendência política, sou apenas revoltado contra as injustiças que venho notando desde que tomei algum conhecimento das coisas, provenientes talvez da política falsa, que continua fora do programa da verdadeira democracia. Nasci a 5 de março de 1909. Perdi a vista direita, no período da dentição, em conseqüência da moléstia vulgarmente conhecida por Dor-d'olhos. Desde que comecei a trabalhar na agricultura, até hoje, nunca passei um ano sem botar a minha roçazinha, só não plantei roça, no ano em que fui ao Pará. ANTÔNIO GONÇALVES DA SILVA, Patativa do Assaré.

 

 

Patativa, dono de uma memória extraordinária, sabia de cor todos os seus mais de mil poemas. Ele não burilava seus versos como os poetas de bancada fazem; seus versos e rimas brotavam em sua cabeça como as plantas brotavam em seu roçado. O poema nascia pron­to e exato, redondo, sem precisar de emendas.   Cláudio Portella

*  *  *

"Patativa não é pássaro por acaso. Talvez nunca tenha havido uma simbiose tão forte entre pessoa e epíteto: é como se, magicamente, ele abdicasse da sua condição humana para gorjear poesia. Canto que traz, de modo contundente, a complexidade das questões filosóficas da dor, da finitude, do amor e da cidadania".  Gilmar de Carvalho

 

Veja também: POEMA INFANTIL de Patativa do Assaré

 

Veja também:  POESIA ANARQUISTA de PATATIVA DO ASSARÉ: >>>
VIVA O POVO BRASILEIRO

 

 

 

 

Poema extraído da  ARTPOESIA, Revista Cultural Ano XIV 2013 N. 107, p. 5 (gentilmente enviado pelo editor e poeta José da Boa Morte, Salvador, Bahia)

 

 

RETRATO IMPERFEITO DE UM GRANDE POETA

 

CURIOSO E MIUDINHO

Curioso: Quem é você, que alegre se apresenta.

 

Com a altura de dois metros e oitenta?

Miudinho: Onde eu ando me chamam Miudinho.

 

Tudo vejo e decifro em meu caminho.

Curioso: Miudinho e com tanta dimensão,

 

No volume do corpo e na noção?

Miudinho: Se o mundo sempre foi contradição, O

 

que assim me tratar possui razão.

 

 

AUTOBIOGRAFIA

 

Mas porém como a leitura

É a maió diciprina

E veve na treva iscura

Quem seu nome não assina,

Mesmo na lida pesada,

Para uma escola atrasada

Tinha uma parte do dia,

Onde estudei argum mês

Com um veio camponês

Que quase nada sabia.

 

Meu professô era fogo

Na base do português,

Catálogo, era catalôgo,

Mas grande favô me fez.

O mesmo nunca esqueci,

Foi com ele que aprendi

Minhas premêra lição,

Muito a ele tô devendo,

Saí escrevendo e lendo

Mesmo sem pontuação.

 

Depois só fiz meus estudo,

Mas não nos livro escola

Eu gostava de lê tudo,

Revista, livro e jorná.

Com mais uns tempo pra frente,

Mesmo vagarosamente,     ;      -

Não errava nenhum nome.

Lia no claro da luz

As pregação de Jesus
E as injustiça dos home.

 

 

 

HERANÇA

 

Querida esposa que ouvindo está

Roubou-lhe o tempo a jovial beleza,

Mas tem o dote da maior nobreza

Sua bondade não se acabará.

 

Morrerei breve, porém Deus lhe dá

Força e coragem com a natureza

De no semblante não mostrar tristeza

Quando sozinha for viver por cá.

 

Não tenho terra, gado, nem dinheiro,

Só tenho o galo dono do terreiro

Que a madrugada nunca ele perdeu

.

Conserva esposa, minha pobre herança,

Seja bem calma, paciente e mansa,

Você não chore, que este galo é seu.

 

 

AMANHÃ

 

Amanhã, ilusão doce e fagueira,

Linda rosa molhada pelo orvalho:

Amanhã, findarei o meu trabalho,

Amanhã, muito cedo, irei à feira.

 

Desta forma, na vida passageira,

Como aquele que vive do baralho,

Um espera a melhora no agasalho

E outro, a cura feliz de uma cegueira.

 

Com o belo amanhã que ilude a gente,

Cada qual anda alegre e sorridente,

Como quem vai atrás de um talismã.

 

Com o peito repleto de esperança,

Porém, nunca nós temos a lembrança

De que a morte também chega amanhã.  

 

 

MINHA VIOLA

 

Minha viola querida,

Certa vez, na minha vida,

De alma triste e dolorida

Resolvi te abandonar.

Porém, sem as notas belas

De tuas cordas singelas,

Vi meu fardo de mazelas

Cada vez mais aumentar.

 

Vaguei sem achar encosto,

Correu-me o pranto no rosto,

O pesadelo, o desgosto,

E outros martírios sem fim

Me faziam, com surpresa,

Ingratidão, aspereza,

E o fantasma da tristeza

Chorava junto de mim.

 

Voltei desapercebido,

Sem ilusão, sem sentido,

Humilhado e arrependido,

Para te pedir perdão,

Pois tu és a jóia santa

Que me prende, que me encanta

E aplaca a dor que quebranta

O trovador do sertão.

 

Sei que, com tua harmonia,

Não componho a fantasia

Da profunda poesia

Do poeta literato,

Porém, o verso na mente

Me brota constantemente,

Como as águas da nascente

Do pé da serra do Crato.

 

Viola, minha viola,

Minha verdadeira escola,

Que me ensina e me consola,

Neste mundo de meu Deus.

Se és a estrela do meu norte,

E o prazer da minha sorte,

Na hora da minha morte,

Como será nosso adeus?

 

Meu predileto instrumento,

Será grande o sofrimento,

Quando chegar o momento

De tudo se esvaicer,

Inspiração, verso e rima.

Irei viver lá em cima,

Tu ficas com tua prima,

Cá na terra, a padecer.

 

Porém, se na eternidade,

A gente tem liberdade

De também sentir saudade,

Será grande a minha dor,

Por saber que, nesta vida,

Minha viola querida

Há de passar constrangida

Às mãos de outro cantor.

 

 

Poemas extraídos de PATATIVA DE ASSARÉ, seleção Cláudio Portella.  São Paulo: Global Editora, 2006.  384 p.  (Melhores Poemas) ISSN 85-260-1119-7  Interessados na obra entra na página da editora: www.globaleditora.com.br   - e-mail: global@globaleditora.com.br

 

 

 

SILVA, Antonio Gonçalves daABC do nordestino flagelado.  Capa: xilogravura de Stênio.  s.l.: s.e., s.d.  16 p.  11x15,5 cm.  Inclui também os  cordeis “O bode de Miguel Boato” (p. 9-13) e “Rogando pragas” (p.14-16). Folheto do poeta Patativa do Assaré assinado com o nome de batismo: Antonio Gonçalves da Silva. No reverso da capa um poema como dedicatória e a assinatura do autor. Foto do poeta na contracapa.  “ Patativa do Assaré “ Ex. bibl. Antonio Miranda.

 

 

 

          Rogando pragas 

Dizia o velho Agostinho
que este mundo é cheio de arte
e se encontra em toda parte
pedaços de mau caminho
um pessoal meu vizinho,
sem amor e sem moral,
—atrás de fazer o mal,
para feijão cozinhar,
começaram a roubar
as varas do meu quintal.

Toda noite e todo dia
iam as varas roubando
e eu já não suportando
aquela grande anarquia
pois quem era eu não sabia
pra poder denunciar,
com aquele grande azar
vivia de saco cheio,
até que inventei um meio
pra do roubo me livrar

Eu dei a cada freguês,
com humildade o perdão
e lancei a maldição
em quem roubasse outra vez
e com muita atividez
na minha pena peguei,
umas estrofes rimei
sobre as linhas de uns papéis
rogando pragas cruéis
e lá na cerca botei.

Deus permite que o safado,
senvergonha ignorante,
que roubar de agora em diante
madeira do meu cercado,
se veja um dia atacado
com um cancro no toitiço,
toda espécie de feitiço e
encima do mesmo caia
e em cada dedo lhe saia
um olho de panariço.

O santo Deus de Moisés
lhe mande bexiga roxa
saia carbúnculo na coxa,
cravo na sola dos pés,
sofra os incómodos cruéis
da doença hidropsia
itericia e anemia
tuberculose e diarreia
e a lepra da morféia
seja a sua companhia

Deus lhe dê reumastismo
com a sinusite crônica
a sezão, o impaludismo
e os ataques da bubônica,
alem de quatro picadas
de quatro cobras danadas
cada qual a mais cruel
de veneno fatal
a urutu a coral
jararaca e cascavel

Eu já perdoei bastante
o que puderam roubar,
para ninguém sensurar
que sou muito extravagante
mas de agora por diante,
ninguém será perdoado,
Deus queira que cão danado
um dia morda na cara
de quem roubar uma vara
na cerca do meu cercado.

É o que não ouvir o rogo
que faço neste momento
tomara que tenha aumento
como correia ao fogo,
dinheiro em mesa de jogo
e cana no tabuleiro
e no dia derradeiro,
a vela pra sua mão,
seja um pequeno tição
de vara de marmeleiro

FIM

 

NORDESTE REINVENTADO na imagem gravada.  Xilogravura do Nordeste. 70 anos de trajetória e evolução.  Curadoria e expografia Bené Fonteles.  São Paulo: Centro Cultura São Paulo, 2015.  176 p.  20x26 cm.  Exposição com o acervo de xilogravuras de Bené Fonteles, incluindo 28 mestres da xilo, entre eles J. Borges. Samico e Mestre Noza. Ao final, imagens de capas de folhetos de cordel.

 

Nunca diga nordestino

que Deus lhe deu o destino

causador do padecer

nunca diga que é pecado

que lhe deixa fracassado

sem condição de viver.

 

Não guarde no pensamento

que estamos no sofrimento

é pagando o que devemos

à Providência Divina

não nos deu a triste sina

de sofrer o que sofremos.

 

Deus, o autor da criação

nos dotou com a razão

bem livres de preconceitos

mas os ingratos da terra

com opressão e com guerra

negam os nossos direitos.

 

Não é Deus que nos castiga

nem é a seca que obriga

sofrermos dura sentença

não somos nordestinados

nós somos injustiçados

traçados com indiferença.

 

Sofremos em nossa vida

uma batalha renhida

do irmão contra o irmão

nós somos injustiçados

nordestinos explorados

nordestinados, não.

 

Patativa do Assaré

 

 

 

 

GERALDO, Evaristo.  Patativa do Assaré  ave poesia.  Ilustrações
Cosmo Bráz.  Fortaleza, CE: Conhecimento Editora, 2012.   24 p.  ilus.  20,5x27,5 cm.  ISBN  978-85-98603-97-1 Poesia de cordel sobre Patativa do Assaré para jovens. 



Um fragmento do livro:

POESIA ANARQUISTA de PATATIVA DO ASSARÉ

O nosso grande e consagrado cordelista nordestino
louva e proclama um Brasil mais justo e brasileiro:

 


VIVA O POVO BRASILEIRO

 

Quando passar a chacina
Que surge de dia a dia
E o tráfico de cocaína
E a real democracia
Seguir os caminhos certos
E os Chicos Mendes libertos
Das balas do pistoleiro
Diremos em nossa terra
Por vales, sertão e serra:
VIVA O POVO BRASILEIRO!

Quando o artista que tem fama
E ocupa o televisor
Só apresentar programa
De moral, de paz e amor,
Quando o cruel mercenário,
Este monstro sanguinário,
Deixar de ganhar dinheiro
Pra matar seu semelhante
E não houver assaltante,
VIVA O POVO BRASILEIRO!

Quando o infeliz agregado
Se libertar do patrão
Para viver sossegado
No seu pedaço de chão;
Quando uma reforma agrária
Que sempre foi necessária
Para o caboclo roceiro
For criada e registrada
Em nossa Pátria Adorada
VIVA O POVO BRASILEIRO!

O sonho de nossa gente
Foi sempre viver feliz
Trabalhando independente
Em nosso grande país.
Quando o momento chegar
Do nosso Brasil pagar
O que deve ao estrangeiro
O maior prazer teremos
E libertos gritaremos:
VIVA O POVO BRASILEIRO!

Patativa do Assaré

 

“Marca de leitura” ilustrada com poema,
criação de Edson Guedes de Moraes, Editora Guararapes.

 

ASSARÉ, Patativa.  Cordel.  Patativa do Assaré. Uma voz do Nordeste.  Introdução de Sylvie Debs.    São Paulo: Hedra, 2006.   132 p.                                                        Ex.. bibl. Antonio Miranda 

 

ABC do Nordeste Flagelado 

A— Ai como é duro viver
nos estados do Nordeste
quando o nosso Pai Celeste
não manda a nuvem chover,
é bem triste a gente ver
findar o mês de janeiro
depois findar fevereiro
e março também passar
sem o inverno começar
no Nordeste brasileiro.

B — Berra o gado impaciente
reclamando o verde pasto,
desfigurado e arrasto
com o olhar de penitente
o fazendeiro, descrente
um jeito não pode dar
9e o vento forte soprando,
e a gente fica pensando
que o mundo vai se acabar.

C — Caminhando pelo espaço
Como os trapos de um lençol,
P´ras bandas do por do sol
As nuvens vão em fracasso,
Aqui e ali um pedaço
Vagando... sempre vagando
Quem estiver reparando
Faz logo a comparação
De umas pastas de algodão
Que o vento vai carregando.

D — De manhã, bem de manhã
Vem da montanha um agouro
De gargalhada e de choro
Da feia e triste cauã,
Um bando de ribançã
Pelo espaço a se perder
Pra de fome não morrer
Vai atrás de outro lugar
E ali só há de voltar
Um dia quando chover

E — Em tudo se vê mudança
Quem repara vê até
Que o camaleão que é
Verde da cor da esperança
Com o flagelo que avança
Muda logo de feição
O verde camaleão
Perde a sua cor bonita
Fica de forma esquisita
Que causa admiração

F — Logo o prazer da floresta
O bonito sabiá,
Quando flagelo não há
Cantando se manifesta
Durante o inverno faz festa
Gorgeando por esporte
Mas não chovendo é  sem sorte
Fica sem graça e calado
O cantor mais afamado
Dos passarinhos do Norte

G — Gente de dor, se aquebranta
E dali desaparece
O sabiá só parece
Que com a seca se encanta
Se outro pássaro canta
O coitado não responde;
Ele vai não sei pra onde,
Pois quando o inverno não vem
Com o desgosto que tem
O pobrezinho se esconde

H — Horroroso, feio e mal
De lá de dentro das grotas
Manda suas feias notas
O tristonho bacurau
Canta o João corta-pau
O seu poema numério;
É muito triste o mistério
De uma seca no sertão
A gente tem a impressão
Que o mundo é um cemitério

I — Ilusão, prazer, amor
A gente sente fugir,
Tudo parece carpir
Tristeza, saudade e dor
Nas horas de mais calor
Se escuta pra todo lado
O toque desafinado
Da gaita da siriema
Acompanhando o cinema
No Nordeste flagelado

J — Já falei sobre a desgraça
Dos animais do Nordeste;
Com a seca vem a peste
E a vida fica sem graça,
Quanto mais dias se passa
Mais a dor se multiplica
A mata que já foi rica,
De tristeza geme e chora
Precisos dizer agora
O povo como é que fica

L – Lamenta desconsolado
O coitado camponês
Porque tanto esforço fez,
Mas não lucro seu roçado
Num banco velho, sentado
Olhando o filho inocente
E a mulher bem paciente,
Cozinha lá no fogão
O derradeiro feijão
Que ele guardou pra semente

M — Minha boa companheira,
Diz ele, vamos embora,
E depressa, sem demora
Vende a sua cartucheira,
Venda a faca, a roçadeira,
Machado, foice e facão;
Vende a pobre habitação,
Galinha, cabra e suíno
E viajam sem destino
Em cima de um caminhão

N — Naquele duro transporte
Sai aquela pobre gente
Aguentando paciente
O rigor da triste sorte
Levando a saudade forte
De seu povo e seu lugar
Sem nem um outro falar
Vão pensando em sua vida
Deixando a terra querida
Para nunca mais voltar

O — Outro tem opinião
De deixar mãe, deixar pai,
Porém para o Sul não vai
Procura outra direção,
Vai bater no Maranhão
Onde nunca falta inverno;
Putro com seu consterno
Deixa o casebre e a mobília
E leva sua família
Pra construção do governo

P — Porém lá na construção
O seu viver é grosseiro
Trabalhando o dia inteiro
De picareta na mão
Pra sua manutenção
Chegando dia marcado
Em vez de seu ordenado
Dentro da repartição
Recebe triste ração
Farinha e feijão furado

Q — Quem quer ver o sofrimento
Quando há seca no sertão
Procura sua construção
E entra no fornecimento
Pois, dentro dele, o alimento
Que o pobre tem a comer
A barriga pode encher,
Porém falta a substância
E com esta circunstância
Começa o povo a morrer

R — Raquítica, pálida e doente
Fica a pobre criatura
E a boca da sepultura
Vai engolindo o inocente,
Meu Jesus! Meu Pai Clemente
Que da humanidade é dono
Desça do seu alto trono,
Da sua corte celeste
E venha ver seu Nordeste
Como ele está no abandono

S — Sofre o casado e o solteiro
Sofre o velho, sofre o moço
Não tem janta nem almoço
Não tem roupa nem dinheiro
Também sofre o fazendeiro
Que de rico perde o nome,
O desgosto lhe consome
Vendo o urubu esfomeado
Puxando a pele do gado
Que morreu de sede e fome

T — Tudo sofre e não resiste
Este fardo tão pesado,
No Nordeste flagelado
Em tudo a tristeza existe,
Mas a tristeza mais triste
Que faz tudo entristecer
É a mãe, chorosa a gemer
Lágrima dos olhos correndo,
Vendo seu filho dizendo:
Mamãe, eu quero comer!

U — Um é vero, outro é contar
Quem for reparar de perto
Aquele mundo deserto
Dá vontade de chorar,
Ali só fica a teimar
O juazeiro copado,
O resto é tudo pelado
Da chapada ao tabuleiro,
Onde o famoso vaqueiro
Cantava tangendo o gado

V — Vivendo em grande maltrato
A abelha zumbindo voa
Sem direção, sempre à toa
Por causa do desacato
À procura de um regato,
De um jardim ou de um pomar
Sem um momento parar,
Vagando constantemente,
Sem encontrar, a inocente,
Uma flor para pousar

X —Xexéu, pássaro que mora
Na grande árvore copada,
Vendo a floresta arrasada,
Bate as asas, vai embora;
Somente o sagüi demora,
Pulando a fazer careta,
Na mata tingida e preta
Tudo é aflição e pranto;
Só por milagre de um santo
Se encontra uma borboleta

Z — Zangado contra o sertão
Dardeja o sol inclemente,
Cada dia mais ardente
Tostando a face do chão;
E, mostrando compaixão
Lá do infinito estrelado,
Pura, limpa, sem pecado
De noite a lua derrama
Um banho de luz no drama

De Nordeste flagelado.

Posso dizer que cantei
Aquilo que observei;
Tenho certeza que dei
Aprovada relação
Tudo é tristeza e amargura,
Indigência  e desventura,
Veja, leitor, quanto é dura
A seca do meu sertão.

 

  

TROVAS 5 - [Seleção de Edson Guedes de Morais]  Jaboatão dos Guararapes, PE: Editora Guararapes EGM, 2013.  5 v.  17x12 cm.  edição artesanal, capa plástica e espiralada.         Ex. bibl. Antonio Miranda 





 

Veja e Leia  outros poetas trovadores em nosso Portal:

 

http://www.antoniomiranda.com.br/Trovas/trovas_index.html

 

Página publicada em agosto de 2023

*

Página ampliada e republicada em novembro de 2022.

 

 

 



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