OSWALD BARROSO
Raimundo Oswald Cavalcante Barroso: Fortaleza-CE, 23.12.1947. Curso de Comunicação Social na UFC (1985), com especialização em Administração Cultural na ANFIAC (Paris, 1990).
Participação política no período da ditadura, pela qual esteve preso várias vezes em Fortaleza e Recife.
Pesquisador de arte popular (Cultura insubmissa, com Rosemberg Cariry, 1982), vários poemas musicados e varias peças (Teatro, 1988) encenadas no Nordeste.
Ex-Diretor do Teatro José de Alencar e Professor de Folclore da UECE.
Prêmio Estado do Ceará (1985). Prêmio Estímulo à Dramaturgia (FUNARTE, 1996). Medalha Brasileira Folclorista Emérito, concedida pela Comissão Nacional do Folclore.
OBRA POÉTICA : Mercado. Juazeiro do Norte-CE, Ed. Urubu, 1976. Urubu. Juazeiro do Norte-CE. Ed. Urubu, 1978. Poemas do cárcere e da liberdade (PCL). Fortaleza, Palma, 1979. Almanaque poético de uma cidade do interior (AP). Fortaleza, Ed do A., 1982. Histórias populares. Fortaleza, Secretaria de Cultura, 1984. Periferia . Fortaleza, Secretaria de Cultura, 1985.
A VIDA NO CÁRCERE
A vida no cárcere é limitada.
Nosso corredor é bem estreito.
Apenas no sábado
temos visita.
Dela saímos
exausto de tanto viver
a semana em poucas horas.
GENTE BOA
I
Seu Doutor é gente boa
bom pai de família
zeloso do que é seu.
E a mim sempre
tem tratado muito bem.
Não falar mal dele.
Acontece que eu também sou
e zelo pelo meus.
Ele puxa pra lá
e eu prá cá.
Daí nossa desavença
de patrão e empregado.
A precisão minha é muita
a dele é pouca
pois já vive bem.
Mas a ganância dele
é maior que minha precisão.
Por isso a gente vai acabar se matando.
CONSELHOS DE UM POLICIAL A UM CIDADÃO
SOBRE COMO EVITAR LESÕES NO PATRIMÔNIO
Dê esmolas aos pobres,
mas não exiba sua bondade.
Eles poderão roubá-la.
Observe sempre ao redor.
Com desconhecidos
fale através do vidro
com o carro ligado
acelerando em primeira
e com o pé na embreagem.
(Qualquer estranho é inimigo
até que se prove o contrário).
Melhor é não ajudar
nem receber ajuda.
Se observar algum menor por perto
redobre seus cuidados.
Mate antes de ser morto.
O bem não é o mal
e o mal não é o bem.
BARROSO, Oswald. Almanaque poético de uma cidade do interior. Capa: Rosemberg Cariri. ???: Nacar Cariri Editora, 1982. 111 p. Col. A.M.
E O POETA
OFICIAL REDIGE
UM SONETO
ERA UM FIM DE MARÇO, FAZ POUCOS ANOS
QUANDO ASSIM DE SÚBITO ELES CHEGARAM
TRAZIAM FOICES. FACAS. MALDITOS PLANOS.
E NA URBE, RUDES, QUAL CÃES LADRARAM.
A MATILHA SUJA, DA VIL GENTALHA.
EMPESTOU AS RUAS, COM SEU CHEIRO ACRE,
E A CIDADE EM MÃOS DA FEBRIL CANALHA
ESCAPOU, POR FIO. DE FATAL MASSACRE.
FOI U'A TARDE NEGRA. MORTAL, ESCURA,
E O PREFEITO HERÓICO, NAQUELE INFERNO,
VENDO QUE O COMÉRCIO, A ESCÓRIA IMPURA
JÁ SAQUEARA, ÁGIL TOMOU SEU TERNO
E SALTOU NA NOITE A GENTIL FIGURA,
"CELESTIAIS SALTÉRIOS DO SEMPITERNO". *
(*) Ver Coroa de Sonetos de Otacilio Colares.
PERIPÉCIAS
Senhor Rei tinha três filhos paridos
cada qual o mais belo o mais perfeito.
O mais velho nasceu pra ser prefeito
o segundo pra ser chefe de partido
o mais novo por ser o preferido
veio a ser o mocinho arruaceiro
comprou carro avião gastou dinheiro
e deu cabo de três chefes de família.
RETIRANTES
Outros nos deixaram e foi sempre
a falta de notícias.
Por que não fincamos as suas cruzes?
Por que este cemitérios diminutos?
Por que estas mulheres não de luto?
Não há choro para estes mortos
mais mortos do que os mortos.
Deles nem as cinzas
nem o fogo-fátuo
rarefeito na explosão deste deserto
só o oco
escancarado em nossos olhos
e um despenhadeiro no estômago.
Vejo-os quando sobem no
monobloco
da Itapemirim
deveriam sorrir como os crentes sorriem
mas estão graves
o pânico cerrado
entre os dentes
a toalha no pescoço como
uma corda
(dizem que o céu existe
mas nunca se sabe
se apenas para alguns).
E o momento chega em que se rompe
a barreira da palavra.
A vida é um suceder de partidas
de partes arrancadas
o dedo o dente o olho o osso o lábio
a língua.
A inútil amargura destes versos.
A fala diminuída
ante a decisão
dessa mulher que renasce a cada aborto
absurdamente.
Nenhum pano ficará sem passar
nenhum prato fora da prateleira
nenhum pranto aparente
sob o vestido.
Página publicada em janeiro de 2009; ampliada e republicada em março de 2013.
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