CARLYLE MARTINS
(CE, 1899 - 1986)
MARTINS, Carlyle. Pássaro erradio 1955 – 1960. Fortaleza, CE: Edição do Autor, 1968. 201 p. 16x23 cm. “ Carlyle Martins “ Ex. bibl. Antonio Miranda
E S T Ó I C O
Pelo caminho estreito em que ora sigo,
Pisando em cardos, sob um céu escuro,
Não vejo a paz serena de um abrigo,
Nem sol que aclare as trevas do futuro.
Encontrar leve alfombra não consigo,
Em toda parte o solo é áspero e duro,
Mas, no árduo impulso do vigor antigo,
Em seguir a jornada me aventuro.
Viva eu a dores infernais sujeito,
Pedradas rudes batam no meu peito,
Pervague à toa, esquálido e sozinho,
Sei que a mágoa da vida é transitória,
E hei de um dia cantar, de amor e glória,
Vendo estrelas e sóis no meu caminho.
C O N T E M P L A Ç Ã O
Sempre a existência é calma nesta vila,
Onde os dias parecem ser mais lentos,
Toda paisagem mostra-se tranqüila ,
Sem vislumbres de queixas e tormentos.
Ao longe a serra, aberta em flor, se anila,
Envolvida em lençóis longos, cinzentos...
O gado passa, em demorada fila,
A mugir em tristíssimos lamentos.
Rincão de sonho e paz, nele consigo
Versos fazer a certo amor antigo,
Que floresceu em minha mocidade.
E quando a note vem, calma e sombria,
Diante do céu, minha alma se extasia,
Lembrando os dias idos, com saudade.
V E S P E R A L
A Leila Míccolis
No silêncio da tarde ansiosa que esmorece,
Aos lampejos do sol, que no ocaso declina,
Penso que aos céus se eleva o surto de uma prece,
Entre espirais de luz violácea e purpurina.
Verdeja muito ao longe a luxuriante messe,
Que encanta os corações e o espírito domina.
Do açude, como espelho ideal que resplandece,
Ouço o lento rumor das águas em surdina.
Aproxima-se a noite, ensombrado o horizonte,
Vislumbra-se o perfil azulado de um monte,
De sombras um cortejo envolve a imensidade.
Hora de indecisão, de torpor, de agonia,
Em que existe inquietude, ante a morte do dia,
E espalha-se por tudo a névoa da saudade.
Página publicada em abril de 2010
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