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YACILTON ALMEIDA

 

Nasceu em Canavieiras, 1948, BA, o Autor de Metais da Lembrança (1984).

 

Extraído de

 

POESIA SEMPRE Revista Semestral de Poesia. Ano 5 – Número 8.  Junho 1997.  Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional – Ministério da Cultura. Departamento Nacional do Livro, 1997.  Ex. bibl. Antonio Miranda

 

 

Ode em dezembro

 

dez minutos da aurora de dezembro
de iluminado azul lavando a sala
ar lavado de lâmpadas na noite
ar de salas em noite consumido

 

dez minutos metálicos de chuva
estalar de telhados folhas troncos
estampido no tempo de onde grasna
um pássaro noturno um bicho alado:
miragem desenhada pelas chamas
quanto ardor no assoalho caibros vigas
na explosão do poema e seus vulcões:

 

(estertores de luzes em que dorme
esta cidade: pedra ferro e sopro
de pulmões fracos e desilusões)

 

dez minutos da aurora de dezembro:
após a chuva líquido silêncio
rega os pólens cinzentos da manhã

 

citadina manhã gravada em chumbo
nas paredes nos muros nas calçadas
nos olhos dos mendigos: cães sem dono
ao despertar dos vales do abandono

 

 

 

Relendo Joaquim Cardozo

 

águas do mar do nordeste
filtradas pelas raízes
por teu canto ainda murmuram
num coco fosse num búzio

 

e dentro do coco a carne
de peixe: um seio suspenso
ao vento quente soprado
pelas palhas dos coqueiros

 

um seio que antes jorrara
o leite materno ausente
imagem só do nordeste
um fantasma um coco peco

 

teu claro verso seria
passados tantos incêndios
tão negro quanto a miséria
que espreita agora do vídeo

 

coqueiros esturricados
verdes silvos de serpentes
as palhas velhos lagartos
repasto em mesas de pranto

 

imprime o prelo do verso
em chama em grito em furor
meu verso em farpas em murros
vago efeito no silêncio

 

enquanto com teu compasso
de nuvens bem traçarias
nas pedras do desengano
a esfera branca dos sonhos

 

há pacotes de migalhas
colhidas do fim do século
para os fantasmas viventes
do teu signo estrelado

 

quando importava seguirmos
no pó de fogo dos anos
um novo rito em que o verbo
nordestinar redimisse

 

como ficaste prostrado
num chão de cinza e fadigas
pelo amor que nos amarga
na cegueira dos espelhos

 

mas resta do teu convívio
entre anjos a arquitetura
das pontes para a ascensão
dos mortos na cruz do sol

 

resta a nuvem carolina
sublimada e resta o encanto
das montanhas quando vamos
para o congresso dos ventos

 

 

 

Nos vales da rua azul

(Balada para piano em três variações)

 

A Ernesto Penafort, cantor do azul

IN VITA ET IN MEMORIAM

 

 

I

Silêncio mina do asfalto
mendigos trapos de sono
odor de urina e basalto
latido de cão sem dono

 

silêncio sangra do morro
e estanca em fundo gemido
um grito azul de socorro
um tiro: o medo contido

 

crianças homens mulheres
vasculham galões de lixos
mãos da fome seus talheres
na rua azul fossem bichos

 

um gato espreita dos muros
a fila dos operários
nos vales azul-escuro
dura sina dos horários

 

 

 

Página publicada em janeiro de 2018


 

 

 
 
 
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