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JORGE AMADO

JORGE AMADO
(1912-2001)  

Jorge Amado é poeta, sim senhor.  Por certo, publicou um livro de poesias no início de sua carreia de escritor: A ESTRADA DO MAR, em 1938.  Livro raríssimo. Estou à busca dele e não encontro em parte alguma. Deve estar na Casa de Jorge Amado, suponho. Já pedi a uma pessoa para buscar, mas nada...
Mas ele escreveu poemetos e os encaixou na voz de seus personagens.
Mais do que isso: sua prosa é poética. “Poesia em prosa”, já escreveram sobre ele.

Quem chegou mais perto da poesia dele foi a fotógrafa Maureen Bisiliat, na edição de suas fotos em volume extraordinariamente belo — BAHIA AMADA AMADO ou O AMOR À LIBERDADE & A LIBERDADE NO AMOR (Empresa das Artes, patrocínio da Unisys, 1996). Livro de grandes proporções, encadernado em um branco superior, título em relevo. Beleza pura! E as fotos impressionantes.

Maureen escolheu textos das obras de Jorge Amado. Alguns, indiscutivelmente poéticos. Valemo-nos de alguns para esta primeira homenagem ao escritor baiano-universal. Quem tiver os poemas originais de A estrada do mar, que nos socorra!

Grandes canoas imóveis sobre a água parada.
Os saveiros, velas arriadas, dormiam na escuridão.

(em JUBIABÁ)
 

SEARA VERMELHA

O vento arrastou as nuvens, a chuva cessou e sob o céu novamente limpo crianças começaram  a brincar. As aves de criação saíram dos seus refúgios e voltara a ciscar no capim molhado. Um cheiro de terra, poderoso, invadia tudo, entrava pelas casas, subia pelo ar. Pingos de água brilhavam sobre as folhas verdes das árvores e dos mandiocais. E uma silenciosa tranqüilidade se estendeu sobre a fazenda, as árvores, os animais e os homens.
Apenas as vozes álacres das crianças, pelos terreiros, cortavam a calma daquele momento:

Chove, chuva chuverando
Lava a rua do meu bem...


Vestidas de trapos sujos, algumas nuas, barrigudas e magras, as crianças brincavam de roda.
Farrapos de nuvens perdiam-se no céu de um azul claro onde primeiras e leves sombras anunciavam o crepúsculo.

 

TENDA DOS MILAGRES

Rosa sempre chega assim, inesperada, vem de súbito.
Da mesma forma inconseqüente desaparece...
Fuxicos, arengas, xeretices, pois em verdade
Ninguém sabe nada de concreto sobre Rosa.
Rosa brincava com as algas, todos os ventos em seus cabelos.
Todos os ventos, do norte e sul, o vento terrível do noroeste.
Na canoa ancorada ela deitava, a cabeça de fora, o cabelo no mar.
Parecia cabeça sem corpo, saindo d´água, dava arrepio.
Rosa maluca, Rosa do cais, tanta vezes mentias!

 

NOITE DOS “CAPITÃES DA AREIA”

A cidade dormiu cedo.
A lua ilumina o céu, vem a voz de um negro do mar  em frente.                                                  
Canta a amargura da sua vida desde que a amada se foi.
No trapiche as crianças já dormem.

A paz da noite envolve os esposos.
O amor é sempre doce e bom, mesmo quando a morte está próxima.
Os corpos não se balançam mais no ritmo do amor.
Mas no coração dos dois meninos não há nenhum medo.
Somente paz, a paz da noite da Bahia.

Então a luz da lua se estendeu sobre todos,
as estrelas brilharam ainda mais no céu,
o mar ficou de todo manso
(talvez que Iemanjá tivesse vindo também a ouvir música)
e a cidade era como que um grande carrossel
onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia.

Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos,
soltando palavrões e fumando pontas de cigarro,
eram, em verdade, os donos da cidade,
os que a conheciam totalmente,
os que totalmente a amavam,
os seus poetas.


ABC DE CASTRO ALVES

“A praça do povo, amiga, como o céu é do condor”.
A praça é do povo, é o seu campo de batalha, onde ele protesta e luta.
Nãos vistes ainda a multidão se agitar na praça como um mar em tormenta que destrói navios e invade o cais?

          No tempo do poeta Castro Alves
          Os negros eram escravos comprados em leilões,
          Mercadoria que se vendia, trocava e explorava.
          E em troca de tudo que eles deram ao branco,
          Sua força, seu suor, suas mulheres e filhas,
          A maciez da sua fala que adoçou a nossa fala,
          Sua liberdade,
          O branco lhe quis dar apenas,
          Além do chicote, os deuses que possuía.

          Mas deuses os negros traziam da África,
          Os deuses da floresta e do deserto,
          E continuaram fiéis aos seus deuses
          Por mais que rezassem ao deuses
          Dos seus donos.

          Do fundo das senzalas vinha o choro convulso
          Dos negros no bater dos atabaques,
          Quando chegava do longínquo das praças
          A inquietação do homens...
          Era toda uma raça que sofria,
          Se desesperava e reagia,
          Conservando alguma coisa de seu,
          Puramente seu.

          ......

          Assim ele via o negro, magnífico, forte e belo,
          Rompendo as cadeias, livre na sua força colossal..l.

 

DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS

A viração desatava os cabelos lisos e negros de Flor,
punha-lhe o sol azulados reflexos.
No barulho das ondas e no embalo do vento.

Rompeu a aldeia sobre o mar de Itapoã,
a brisa veio pelos ais de amor, e,
num silêncio de peixes e sereias,
a voz estrangulada de Flor em aleluia;
no mar e na terra aleluia, no céu e no inferno aleluia!


 Jorge Amado, pintura a óleo de Cândido Portinari, 1934. 46x38 cm.

Página publicada em abril de 2009.

 

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