Entregas a cuidados mercenários
teu marido e filhos; entretanto
dois totós possuis: Joli, Fifina,
são teu maior encanto
e lhes dispensas maternal carinho.
Ambos têm joias e colchões de penas,
cobertores de seda, travesseiros
enfeitados de rendas.
A melhor iguaria
que vai à mesa os teus totós a comem.
Balas de chocolate, das melhores,
bolos de ovos, pastéis e bons bocados,
enfim tudo o que é bom, os dois mimosos
largamente desfrutam.
No inverno andam vestidos
de agasalhos de peles.
Quando algum cai doente, logo chamas
o esculápio canino, que receita
fomentações e banhos e tisanas,
que tu mesma lhes dás, na hora marcada.
Chegaste à perfeição: ambos possuem
bilhetes de visita e em dia de anos
de Joli, da Fifina, há comezaina,
e os totós das amigas
trazem presentes com dedicatórias.
Entretanto,
entregas a cuidados mercenários
teu marido e teus filhos.
LOUCURA SENIL
Radiante e satisfeita, vestes ricas
cobrindo as carnes e polpudas ancas,
pés de galinha, rugas e pelancas
em grande profusão,
viúva de um marido apatacado,
que te deixara casas e dinheiro,
vais entregar agora ao teu padeiro
a carne mole, o corpo avelhantado,
o vicioso e já gasto coração.
Viúva e rica, quase palmilhando
o limiar do túmulo,
da insânia foste ao cúmulo,
cuidando
que ao moço português vencera o amor.
Que loucura senil tua quimera!
Que riso alarve esse teu riso terno!
Tu és o triste e merencório inverno
e teu marido a primavera em flor.
Desnuda em frente ao espelho essa carcaça,
mira as rugas e a pele encarquilhada...
Onde o mimo, a beleza, o viço, a graça,
ó velha sem juízo e aperaltada?
O teu marido, outrora teu padeiro,
casou com teu dinheiro.
NA FLAUTA
LXXXVI
(11 de Setembro de 1897).
Hoje estou no meu dia de casmurro!
Cada qual tem o seu, e há freguezes
Que levam padecendo tal molestia
Muitos dias e mezes ...
C o r ri os olhos no Jornal, buscando
Motivo para a minha versalhada.
Debalde andei no assunto matutando,
No fim de contas nada ...
Cantar olhos do céu, vivas estrelas,
Dentes níveos em lábios de carmim,
Seios mimosos, faces de donzelas,
Não fica bem a mim.
Eu já dobrei o cabo dos amores,
Do velho coração já não disponho.
Não canto mais na lira humanas flores,
Não vivo mais do sonho.
Faço Ponto. Do canto costumeiro
Nem um verso siquer ao menos fiz.
Paciência! esperemos prasenteiro
Um dia mais feliz .. .
REVISTA DA ACADEMIA CEARENSE DE LETRAS 61
ZÉ GANGOUM.
(Antonio Henriques de Casaes)
"Diario de Noticias" - da Bahia.