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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FERNANDO SALES

 

Nasceu em Andaraí, Bahia, a 9 de junho de 1921. Obra: Roteiro sentimental das lavras diamantinas (1944), Evocação de Lençóis e outros poemas  e Sol na estrela.  

Membro da Academia Carioca de Letras e da Academia de Letras da Bahia.

 

SALES, Fernando.  Pelos caminhos do recôncavo e outros caminhos da lembrança. Coordenação e supervisão de Valéria Sales Hallai.  Salvador, BA: Secretaria da Cultura e Turismo, Fundação Cultural do Estado, Empresa Gráfica da Bahia, 2012.  93 p.  15,5x21,5 cm.  ISBN 85-7505-059-1  “ Fernando Sales “ Ex. bibl. Antonio Miranda

Um tributo de amor ao seu torrão natal e não só confirma como também eleva o alto valor de seu poder de criar poesia autêntica.” ABGAR RENAULT

Sentimentos transformados em versos que realizam o pródigo daquele caleidoscópio de paisagem, épocas, pessoas, episódios, sabores e oderes, onde se vê e se sente toda a Bahia. A Bahia de corpo inteiro e alma exposta.” JORGE CALMON

 

MURITIBA

A ladeira íngreme e longa
que se enrosca pelo monte
como uma jiboia a assustar pedestres
brinca de esconder nas curvas mal-assombradas
que velam o caminho das tradições
o vento assobia
da copa da velha jaqueira
que reúne em seu derredor
malfeitores travestidos de fantasmas
São Pedro de Muritiba
dormita na torre da velha igreja
a marcar com badaladas de sino
as horas que ali custam a passar

 

OTÁVIO MANGABEIRA

De um pedaço de município de lá
e de outro de cá
surgiu Otávio Mangabeira
que ali nunca pousou os pés

 

SÃO SEBASTIÃO DO PASSÉ

Nos tempos de rodovia barrenta
estreita e soprando pó
os passageiros se acomodavam em antigos pousos
de tropeiros
ou as improvisadas pensões
como as de São Sebastião do Passé
— já a um passo da capital
dizia-se a boca pequena
que os motoristas de marinetes e caminhões
que vinham dos cafundós
ali pousavam
nos termos de propina

 

NO DIA-A-DIA DO TEMPO

O solitário juazeiro
do quintal de Dona Josefa
contrastava com o verde da copa
com a amarelecida vegetação de seu redor
À sombra
um galo sempre atento
ao ensaio vocálico
de implumes frangas
cocoricava a cada rabear em círculo
na incerteza de dono do terreiro
ante o avançar dos dias
de frangotes de crista ereta

 

A GORDURA E SEUS EFEITOS

Seu Firmino
era o maior usurário da cidade
certo dia
um garimpeiro enfiou-lhe uma faca na barriga
Dr. Maciel
fez um curativo com iodo
e disse
que a banha de quatro dedos
de sua enorme barriga
salvara-lhe do pior!

 

TARDE DE VERÃO

Na verde ondulação
esteada fora a perder de vista
fatigante pedestre
empresta indolência
ao divisar numa curva
de estrada
frondoso umbuzeiro
ensombrando o chão
— Ah preguiça danada!

 

FERNANDO SALES

De
ALVES, Henrique  L., org
Poetas contemporâneos. 
Capa de Alfredo Volpi.
 São Paulo: Roswitha Kempf Editores, 1985.
 

 

CANTIGAS

 Gosto de todas as cantigas

que me recordam a terra onde nasci,

das cantigas das lavadeiras

debaixo da gameleira

da curva do ribeirão...

 

Cantigas de lavadeiras batendo roupa

         no remanso do rio de águas espumarentas

         onde as filhas do promotor tomavam banho...

Cantigas de garimpeiros subindo a serra

         alcantilada e abrupta, sonhando

         encontrar estrelas no grotões escuros...

 

Cantigas de boiadeiros nordestinos

         varando caatingas, atravessando

         o sertão brabo e febrento, deixando

         em cada vila um coração dorido...

Cantigas de crianças alegres ao luar,

         minha rua quieta, dois namorados

         na calçada defronte fitando o azul do céu...

 

Cantigas de pescadores à beira da lagoa

            de águas verdes de limo, com o sapo cururu

             fazendo coro no brejo...

Cantigas de serenatas nas esquinas,

         dolentes, chorando

         a ingratidão da noiva namorando

         o caixeiro-viajante que se foi...

 

Cantigas, doces cantigas da minha terra

         longínqua e humilde, encravada na serra

         e tostada pelo sol da minha infância...

 

                                                        de  SOL NA ESTRADA

 

 

DONA BELINHA
 

A casa de Dona Belinha

tem dez janelas de frente

pintadas de azul celeste.

A casa de Dona Belinha

é a maior e mais bonita

de toda a vila do Pega.

 

Dona Belinha hospedava

com a melhor boa vontade

viajante que chegasse.

- Pra que pensão no Pega?

Se Dona Belinha hospedava

todo aquele que chegasse?

 

Com a viuvez, a velhice,

e Dona Belinha cansou

de hospedar tanta gente.

Fechou a casa e mudou-se.

 

- Pra que pensão no Pega?

Se depois que Dona Belinha

fechou a casa e mudou-se

a gente passa a galope?

 

                                      Ibidem 

 

Página publicada em  junho de 2010; ampliada e republicada em maio de 2016.

 

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