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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DANIELA GALDINO

 

Nascida em Itabuna, Daniela Galdino é graduada em Letras pela UESC, Mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela UEFS (com pesquisa sobre o poeta Augusto dos Anjos). Atualmente cursa o Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos pela UFBA (realizando pesquisa sobre literatura infanto-juvenil afro-brasileira). Como artista, participou, nos anos 90, do teatro universitário na UESC, fazendo parte do NAU e do Grupo Rumos das Letras. Na mesma época compôs a organização dos Saraus do CEPHS-UESC. Foi idealizadora e coordenadora, junto com o músico Jaffet Ornellas, do Festival de Musica de Itabuna (FEMI), de 2001 a 2004. Publicou o livro Vinte poemas caliDORcopicos, em 2005, pela Editus. Participou, em 2009 e 2010, das duas edições da antologia “Diálogos: panorama da nova poesia grapiúna” (organizada por Gustavo Felicíssimo e publicada pela Editus-Via Litterarum). Atualmente organiza o Sarau Baú dos (im)pertinentes e mantém o blog http://operariadasruinas.blogspot.com.

 

Veja também: TEXTOS EN ESPAÑOL
See also: TEXTS IN ENGLISH

 

AUTORES BAIANOS: UM PANORAMA; BAHIANISCHE AUOTEREN: EIN PANORAMA; BAHIAN AUTHORS: A PANORAMA; AUTORES BAHIANOS: UN PANOROMA.   Organização Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB).  Salvador, Bahia: P55 Edições, 2013.  471 p + 10 p. s/ com as biografias dos autores nas quatro línguas.   p.  18x25 cm.  Inclui textos dos poetas Antonio Risério, Daniela Galdino, Florisvaldo Mattos, Karina Rabinovitz, Kátia Borges, Luis Antonio Cajazeira Ramos, Myriam Fraga, Roberval Pereyr e Ruy Espinheira Filho e traduções ao alemão, inglês e espanhol.  Col. A.M. 

 

In:"Itiúrnera". Ilhéus: Mondrongo, 2011)

 

INÚMERA

 

Eu tenho a síndrome de Tim Maia.

Eu tenho as varizes de Clara Nunes.

Eu tenho os vícios de Piaf.

Eu tenho a orelha de Van Gogh.

Eu tenho a perna que falta ao Saci.

 

Eu tenho o olfato de Freud.

Eu tenho o cansaço de Amélia.

Eu tenho o peso de Maria.

Eu tenho as dermatoses de Macabéa.

Eu tenho a cusparada de Sofará.

 

Eu sou a linha ténue que une os xipófagos.

Eu sou uma interrogação vagando com pressa.

Eu sou um insulto atirado à queima roupa.

 

Eu tenho atalhos ainda não percorridos.

Eu tenho palavras desgastadas e nulas.

Eu tenho uma voz penífera e cortante.

 

Eu confesso: sou intrusa, sou inúbil, sou inúmera.

 

 

MULHER ABJETA

 

Não sei desenhar

não sei fazer conta

só entendo de assustar palavras.

 

Puxo o verbo pelo rabo
finco dente no dorso.

 

Quero des-edificar lares

provocar divórcio

entre significante e significado.

Aí será o oco da linguagem varrido pelo avesso.

 

Encosto a boca na orelha dos vocábulos

e sussurro:

"Deus é a nossa criação necessária".

Eles habitam pântanos de pânicos.

Estão prontos para representar meus terrores.

 

Eu não espero pelo dia

em que o meu nome flutuará

nas páginas de uma hagiografia.

 

Não sei qual evangelho rege

as impurezas da minha arte.

 

Eu transbordo excrescências,

dúvidas, luminosidades.

E... só entendo de assustar palavras.

 

 

ALVORECIDA

 

acordei com um sol enorme

dentro de mim

 

abrasaram-se os órgãos vitais

raios trafegaram minhas veias

 

l borbulharam pensamentos de lama

i nos lençóis freáticos da memória

 

o sol tomou conta de tudo

expandiu felonias esquecidas

 

ergueu-se um centenário baobá

no terreiro inabitado de mim

 

o frêmito deste nascimento

alimentou espetáculo frondoso:

 

sombra nas costas do dia

vertigem na borboleta.

 

 

SAUDADE AMANHECIDA

 

meus pés contêm mapas

distorcidos por cartógrafos loucos.

 

e esses pés tocam sem cuidado

a profusão de fios... rastros... fluxos...

 

eu esqueço os ares de moça

ignoro compêndios

transito por rotas imprecisas:

 

língua percorre lágrimas

boca engole axilas

dedos iluminam côncavos

buceta grita espumas

 

corpo bambeia na cadência

da memória indistinta:

 

seus jorros trémulos

em meus pontos cardeais.

 

 

CONSELHO INFANTIL

 

Dandara

 

Medi o rio que divide a cidade do Mim

Mirei o espectro de peixes isolados

Aspirei o miasma de sonhos esquecidos

Segui o transitar das baronesas inferíeis

Multipliquei-me em silêncio.

Ensaiei a elegância das garças.

As tuas palavras despertaram-me:

 

"eu sou maior por dentro".

 

 

SEGUNDO CONSELHO INFANTIL

 

Luana

 

Toda janela esconde perguntas.

Os parapeitos contêm cabeças em brasas.

Coração de menina não reconhece obstáculos.

Onde ruas tão apressadas?

Onde carros engolindo gente?

Onde fios sem pipas enganchadas?

A jabuticaba dos teus olhos falou:

"o céu tem mais espaço.

É lá que eu vou dirigir".

 

 

ROTINA

 

Não preciso de alguém que a mim defina.

Definho...

Mergulho na grande cesta de lixo

Misturada às flores machucadas

 

Mas eu driblo o destino irreciclável.

Permaneço onde não se supõe.

 

Escapo da morte cosendo melodias singulares.

Reinvento a poética na travessia das manhãs.

 

Madrugo vagareza comendo as folhas do tempo.

O estopim do verde basta às minhas necessidades.

 

Devoro com vigor o produto da minha fertilidade.

Eu também sou o meu principal nutriente.

 

Em prolongados silêncios refloresto-me.

Em desmedidos gestos refloresço-me.        

 

Espalho aromas e rompo o casulo:

em minha casa todos os dias eu viro borboleta.

 

 

GUERRA

 

Sou espada

sou abebé

 

sou flor amarela

que desabrocha

para dentro

 

eu tenho

uma sutileza

de explosão.

 

 

Fonte: http://www.memoriasdocachoeira.com/

 

 

 

TEXTOS EN ESPAÑOL

 

 

(Daniela Galdino. En: "Inúmera". Ilhéus: Mondrongo, 2011

 

 

INNÚMERA

 

Tengo el síndrome de Tim Maia.

Tengo las varices de Clara Nunes.

Tengo los vicios de Piaf.

Tengo la oreja de Van Gogh.

Tengo la pierna que le falta al Saci.

 

Tengo el olfato de Freud.

Tengo el cansancio de Amelia.

Tengo el peso de María.

Tengo las dermatosis de Macabéa.

Tengo el escupitajo de Sotará.

 

Soy la línea tenue que une a los xipófagos.

Soy una interrogante que vaga presurosa.

Soy un insulto disparado a quemarropa.

 

Tengo atajos aún no recorridos.

Tengo palabras desgastadas y nulas.

Tengo una voz plumífera y cortante.

 

Lo confieso: soy intrusa, soy innúbil, soy innúmera.

 

 

MUJER ABYECTA

 

No sé dibujar

no sé hacer cuentas

solo entiendo de asustar palabras.

 

Le jalo la cola al verbo

le clavo los dientes en el dorso.

 

Quiero des-edifícar hogares

provocar el divorcio

entre significante y significado.

Entonces el hueco del lenguaje se barrerá por el revés.

 

Acerco la boca a la oreja de los vocablos

y susurro:

"Dios es nuestra creación necesaria".

Ellos habitan pantanos de pánicos.

Están listos para representar mis terrores.

 

No espero el día

en que mi nombre flotará

en las páginas de una hagiografía.

 

No sé qué evangelio rige

las impurezas de mi arte.

 

Reboso de excrecencias,

dudas, luminosidades.

Y... solo entiendo de asustar palabras.

 

 

ALBORECIDA

 

desperté con un sol enorme

dentro de mí

 

se me abrasaron los órganos vitales

rayos transitaron por mis venas

 

pensamientos de lodo me burbujearon

en los mantos freáticos de la memoria

 

el sol se adueñó de todo

expandió felonías olvidadas

 

creció un centenario baobab

en el terreno inhabitado de mí

 

el temblor de este nacimiento

alimentó un espectáculo frondoso:

 

sombra en la espalda del día

vértigo en la mariposa.

 

 

NOSTALGIA AMANECIDA

 

mis pies contienen mapas

desfigurados por cartógrafos locos.

 

y esos pies tocan sin cuidado

la profusión de hilos... rastros... flujos.,

 

olvido mis aires de muchacha

ignoro compendios

transitó por rutas imprecisas:

 

la lengua recorre lágrimas

la boca traga axilas

los dedos iluminan cóncavos

la concha grita espumas

 

el cuerpo se balancea en la cadencia

de la memoria indistinta:

sus chorros trémulos

en mis puntos cardinales.

 

 

CONSEJO INFANTIL

 

Dandara

 

Medí el río que divide la ciudad del Mí

Contemplé el espectro de peces aislados

Aspiré el miasma de sueños olvidados

Seguíel transitar de las baronesas infértiles

Me multipliqué en silencio.

Ensayé la elegancia de las garzas.

Tus palabras me despertaron:

"yo soy mayor por dentro".

 

 

SEGUNDO CONSEJO INFANTIL

 

Luana

 

Toda ventana esconde preguntas.

Los parapetos contienen cabezas en brasas.

Un corazón de niña no reconoce obstáculos.

¿Dónde calles tan presurosas?

¿Dónde carros tragando gente?

¿Dónde hilos sin cometas enganchados?

Lajaboticaba de tus ojos dijo:

"el cielo tiene más espacio.

Allá es donde voy a manejar".

 

 

RUTINA

 

No necesito que nadie me defina.

Me seco...

Me hundo en el gran bote de basura

Mezclada con las flores magulladas

 

Pero esquivo el destino irreciclable.

Permanezco donde no se supone.

 

Escapo de la muerte cosiendo melodías singulares.

Reinvento la poética en la travesía de las mañanas.

 

Madrugo dilación comiéndome las hojas del tiempo.

El estopín del verde basta a mis necesidades.

 

Devoro con vigor el producto de mi fertilidad.

Yo también soy mi principal nutriente.

 

En prolongados silencios me reforesto.

En desmedidos gestos me reflorezco.

 

Propago aromas y rompo el capullo:

en mi casa todos los días me vuelvo mariposa.

 

 

GUERRA

 

Soy espada

soy abebé

 

soy flor amarilla

que abre

hacia adentro

 

tengo

una sutileza

de explosión.

 

 

                       TEXTS IN ENGLISH

 

 

In: "Inumera". Ilheus: Mondrongo, 2011)

 

ENUMERABLE WOMAN

 

I have the syndrome of Tim Maia.

I have the varicose veins of Clara Nunes.

I have the vices of Piaf.

I have the ear of Van Gogh.

I have the missing leg of the Saci.

 

I have the olfaction of Freud.

I have the exhaustion of Amelia.

I have the burden of Mary.

I have the dermatoses of Macabea.

I have the spittle of Sofara.

 

          I am the tenuous line that connects conjoined twins.

I am a question mark wandering in a hurry.

I am an insult fired point blank.

 

I have shortcuts still untaken.

have words that are worn and null.

have a voice that is plumed and biting.

 

I confess: I am intrusive, un-nubile, innumerable.

 

 

ABJECT WOMAN

 

I don't know how to raw

I can't do math

all I know how to do is startle words.

 

I pull the verb by the tail

sink my teeth in its back

 

I want to un-build homes

provoke the divorce of

significantand signifier

Then the hollow of language will be swept inside out...

 

I press my lips against the ear of vocables

and whisper:

"God is our necessary creation."

They inhabit quagmires of panics.

They are ready to portray my terrors.

I am not waiting for the day

when my name will float

in the pages of a hagiography.

 

I don't know which gospel rules

the impurities of my art.

 

I exude excrescences,

Doubts, luminosities.

And...all I know how to do is startle words.

 

 

WOMAN DAWNED

 

I woke up with an enormous sun

inside me

 

em-braising vital organs

rays traveled in my veins

 

thoughts of mud bubbled

in the groundwater of memory

 

the sun took charge of everything

expanding forgotten felonies

 

there arose an ancient baobab

in the uninhabited yard of my self

 

the thrill of this birth

nourished a leafy spectacle:

 

shadow on the back of the day

vertigo in the butterfly.

 

 

DAWN OF LONGING

 

my feet contain maps

distorted by mad cartographers.

 

and these feet carelessly touch

the profusion of wires ... traces ... streams ...

 

I forget girlish airs

ignore compendia

follow imprecise routes:

 

tongues walk through tears

mouths swallow armpits

fingers light up hollows

cunts yell out foams

 

bodies wavering to the rhythm

of indistinct memory:

its trembling spurts

in my cardinal points.

 

 

CHILD'S ADVICE

 

Dandara

 

 

I measured the river that divides the city of Me

Gazed at the spectrum of isolated fish

Inhaled the miasma of forgotten dreams

I followed the wanderings of barren water lilies

Multiplied myself in silence.

Rehearsed the elegance of herons.

Your words awoke me:

"I am greater on the inside."

 

 

SECOND CHILD'S ADVICE

 

Luana

 

Every window hides questions.

There are blazing heads on the parapets.

A young girl's heart knows no obstacles.

Busy streets?

Cars swallowing people?

Wires without kites attached?

Thejabuticaba tree of your eyes has spoken:

"there is more room in the sky.

And that is where I'll drive."

 

 

ROUTINE

 

I don't need anyone to define me.

I waste away...

Dive into the big trash bin

Mixed in with the bruised flowers

 

But I evade unrecyclable fate.

Linger where no one supposes.

 

Escaping death by sewing singular melodies.

Reinventing poetics in the passage of mornings.

 

The early bird slowly eating the leaves of time.

The trigger of green suits my needs.

 

Vigorously devouring the product of my fertility.

I am also my chief nutrient.

 

In prolonged silences I reforest myself.

In rambling gestures I flourish anew.

 

I give off scents and burst the cocoon:

in my home every day I become a butterfly.

 

 

WAR

 

I atln a sword

I am an abebe*

 

I am a yellow flower

that blossoms

inward

 

I have

a subtlety

of explosion.

 

 

*Abebe - round mirror/fan carried by the Afro-Brazilian divinities Oshun and Yemanja (T.N.)

 

 

 

 Página publicada em abril de 2014.

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 
 
 
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