CARLOS ROBERTO SANTOS ARAÚJO
Carlos Roberto Santos Araújo nasceu em Ibirapitanga, região cacaueira da Bahia, em 1952. Adolescente, com a família, mudou-se para São Paulo, onde em 1970, com a coletânea de poemas Lira dos Dezoito Anos, venceu o Concurso Governador do Estado, Categoria Estímulo, cuja Comissão Julgadora era constituída por Péricles Eugênio da Silva Ramos, Oliveira Ribeiro Neto e Osmar Pimentel. Formado em Direito, pela tradicional Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, do Largo São Francisco, advogou em São Paulo e, depois, na Bahia, onde ingressou na magistratura em 1981. Publicou os seguintes livros de poesia: Nave Submersa, 1986, Lira Destemperada, 2003, Sonetos da Luz Matinal, 2004, e Viola Ferida, 2008. É desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia. Fonte: http://www.scortecci.com.br
ARAÚJO, Carlos Roberto Santos. Sonetos da luz natural. Salvador, BA: Fundação Cultural do Estado, 2004. 98 p. 15X21 cm. Ex. bibl. Antonio Miranda
"O soneto continua a seduzir os poetas, talvez devido ao ludismo propiciado por sua forma fixa, por um modelo que, se perdeu métrica e rima, ainda mantém a rigidez da composição. E Carlos Roberto Santos Araújo, que já não é propriamente um autor emergente, se rende à sedução do soneto e faz uma entrega apaixonada." HÉLIO PÓLVORA
SONETO DOS VENTOS MARINHEIROS
Os ventos marinheiros do alto mar,
Os frios e abissais fantasmas brancos,
Sopraram nuvens túmidas no ar,
A luz azul dos lívidos relâmpagos.
Pássaros vieram, devagar,
Sobrevoando a súbita paisagem,
Pelo flanco sonâmbulo, a cantar
A mensagem dos pálidos presságios.
Todo presságio quer se revelar,
(Ao longe, como príncipe no exílio,
O pássaro ferido quer voar),
E revela-se nas chuvas invernais,
Sabendo a vinho tinto dos martírios,
Martírios com sabor de nunca mais.
OS CAVALOS ALADOS
Os cavalos, alados, vão no vento,
Voando, leves, lívidos, além.
O tropel dos seus cascos repercute
No silêncio de um campo imaginário.
São cavalos tecendo, em suas vozes,
Os relinchos dos íntimos desejos.
O perfume farejam de alegóricas
Potrancas. A manhã roreja.
Suas asas de pássaros imêmores
Acentuam, levíssimas, a brisa
Onde velam seus sonhos de luares.
São cavalos que aos altos céus devolvem
(como as aves dissolvem-se no azul)
suas crinas de chuva e seus corpos de nuvem.
SONETO DA LARANJA
És fruta bem feminina
Pois te ofereces madura
Quando o sumo se adivinha
Dentro da camadura.
Se despes a casca
Teus seios se insinuam,
Águas se derramam
Como se estivesses nua.
Germinas a luz do sol
Dentro das tuas fibras,
Pois, se te espremem, as cores
Escorrem sobre a língua,
Os lábios sabem a flores
E a boca se ilumina.
DÓI-ME A VIDA
Dói-me a vida como coice de mula,
Range-me a noite como louca mola,
Há um filete de sangue na medula,
Uma foice com fome de degola,
A cadela que nunca se consola,
Uivando para a lua, late, ulula,
O cavalo que nunca se controla,
Bebe o mijo das éguas, rincha e pula,
Há demónios ocultos como súcubos,
Mulheres possuídas pelos íncubos,
Deixando-se varar pelas estacas,
Há uma agulha na veia mais secreta
E um reflexo de lâminas e facas
Iluminando a goela das gavetas.
CACAUEIROS DE ABRIL
Cacaueiros de abril descendo a encosta
Cantam vozes de chuvas perfumadas,
Veludíssimas folhas encharcadas
De lágrima sutil que não se mostra,
Cântico das águas derramadas,
Beijo de amor que a planta gosta,
Recebendo-o na face descarnada
A que possa lhe dar franca resposta.
Cacaueiros de abril nascem de chuvas
Geladas a molhar velhas janelas,
Onde o antigo menino se debruça,
A noite, combatendo, à luz das velas,
A escuridão da treva mais pressaga
No sonho da manhã que não se apaga.
Página publicada em março de 2017