CAIO RESENDE
Nasceu em Monteiro, Paraíba, tendo nascido em 19 de abril de 1984, mudando-se, aos seis anos de idade, para Vitória da Conquista – BA, onde reside desde então.
Poeta e cineasta, trabalhou na série televisiva “Sertão de Dentro” (Geraldo Sarno) e fez parte da curadoria do Festival do Filme Insurgente, CINECIPÓ – BH. Possui, ainda, trabalhos exibidos em diversos festivais de cinema, a exemplo do Cannes Court Métrage.
Em literatura, publicou em meios digitais e impressos, tais como a Germina – Revista de Literatura & Arte. E teve, como experiência basilar, os anos de produção compartilhando no que se convencionou chamar de candeeiro-café, uma constelação de experiências, outrora compreendida enquanto lugar de possibilidades para todos aqueles interessados em criação artística.
Veja também a entrevista do autor sobre sua obra:
http://revistagambiarra.com.br/site/caio-resende-escrita-e-uma-disposicao-para-o-mundo/
RESENDE, Caio. O outro lado da chuva. Vitória da Conquista, Bahia: Editora Nzamba, 2017. 107 p. Prefácio de Carla Carbatti. Fotografia da capa: Caio Resende. ISBN 978-85-94132-01-7 Ex. bibl. Salomão Sousa.
Pedra, vidraça
(a partir de um retrato de Artur Omar)
Em pleno abandono —
só os olhos encharcados de luz —
veste o sorriso
arde o ritual
em que a lagarta se liberta:
) não se encolhe mais par aquém do antigo espelho (
passa o se batom
e é um pouco feito sangue
que se expulsa das artérias
Existe algo por surgir
no rebentar de cada gesto
Uma paisagem de folhas banidas
extrapolando a galharia
E até a própria lua
que urina a outra face
traz consigo a pretensão de uma pedra
Bosch
Uma morte roça os meus desejos.
Uma morte como a de todos e de nenhum.
Um desespero feito um martelo.
Um estrondo fora, sempre fora
, onde ninguém — nem eu mesmo — posso ouvir.
Com a infância soterrada até os ombros
, longe, sempre longe, a noite me acossa.
Eu tenho mãos embebidas de vazio,
sob os meus pés naufragaram horizontes,
uma tesoura decepa meus átomos,
cães copulam nas cavidades do meu crânio.
Nós
(a partir de uma tela de Egon Schiele)
bA hora-vertigem, a hora derradeira em que o corpo,
então entregue, se arvora no silêncio de tudo.
Essa a hora em que o sangue é de todo passagem,
terra convulsa na infância das coisas.
E nessa hora sem lugar que o teu rosto se esconde,
escorrendo na lama do agora sua veste de sombra -
seu gesto perdido: a voz subtraída da eternidade.
E sem saber eu invento o teu nome.
Sob teus olhos dorme o caminho da nossa distância.
Como quem morde, como quem nasce
da boca secreta do instante, essa foz me alcança:
já não somos dois. Somos o fora, a vertigem, o hiato.
Uma dança povoa nossa febre e derramamos uma orla no vazio.
Calados, abraçamos nossa sombra com a língua
com os dentes com a morte. Calados, com uma figueira
sangrando sob os poros, destilamos nossa vida
com a morte: o amor é uma guerra sem pátria
Solipsismo
Um poema se ergue do vácuo —
benditas pernas de outono —
galo que dobra da noite
numa sôfrega luz de poste
Um poema se despe da morte
com olhos cheios de chuva
feito claustro
seiva e bruma
Feito nada
, noite que afunda
Um poema...
Serafins coagulam lembranças
na ignóbil superfície das unhas
A terra sorve dos ombros
a angústia de todos os dias
Página publicada em maio de 2018
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