ANNE CERQUEIRA
Natural de Feira de Santana, graduada em Letras (UEFS), atua na área de Jornalismo, tem trabalhos publicados em vários livros e revistas, está incluída na antologia A poesia baiana no século XX, de Assis Brasil (1999); seu livro mais recente é A água implícita, poesia (2000).
IARARANA – revista de arte, crítica e literatura. Salvador, Bahia. No. 4 – 2000. Ex. bibl. Antonio Miranda
Poema da Primavera Extinta
Perderam-se os sapatos largos
da inocência
e, há muito, a jardineira
partiu-se
ferindo os dedos que tocavam
as frágeis boninas.
Depois, apenas a soleira carcomida
pelo pisar alheio de quem passa.
E nós dois, meio a tudo,
macerando os cravos vermelhos
que o destino sequer nos reservava.
Boninal
Descalço entre as flores do boninal,
o que sabes são as pedras
e a curva desse córrego (turvo
e manso)
sobre a qual descansas,
sem descanso...
Dois instantes e um motivo
A janela diáfana de abril
se abrirá em asas de pássaro
e em lembranças: ele me amava.
O homem envelhece no retrato
e a mulher empalidece
colhendo culpas para o jantar.
Poema um
Já é muito tarde
e todos nós sabemos
da poeira nos móveis
e das traças nos mapas.
Irmã, perdemos a viagem
e por mais que se faça
aqui estamos
fartos.
(Inutilmente fartos, como as traças).
O fio de Ariadne
Sou meu próprio abismo,
o avesso. Desço lentamente,
braços dados comigo mesmo.
É de espelho a outra face
e esquecidos os sonhos pascem
a esmo...
HERA 18 – (REVISTA HERA) – Direção: Roberval Pereyr – Trazíbulo Henrique Pardo Casas. Capa: Antonio Brasileiro. Feira de Santana, Bahia, Outubro 1993. 37 p. ISSN 0101-1065
Ex. bibl. Antonio Miranda
O FIO DE ARIADNE
Sou meu próprio abismo
o avesso. Desço lentamente,
braços dados comigo mesmo.
É de espelho a outra face
e esquecidos os solhos pascem
a esmo...
NA PRAÇA
Era uma mulher só e gritava
o nome cheio de lâminas perdidas
no lusco-fusco da tarde que caía
como sangue em minha anágua.
POEMA
Me invade uma felicidade calma
— vinda daquela chuva —
que o nome pelo qual me chamam
já nem parece meu.
(Um deus a refletir no meu rosto
minha alma reencontrada).
E se não faço uma canção
tão suave quanto o céu — ao sol posto—,
que me baste a intenção toda azulada.
*
Página ampliada e republicada em janeiro de 2023
Página publicada em junho de 2019
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