POESIA BAIANA
Coordenação: JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO
ANDRÉ GUERRA
Nasceu em Salvador, Bahia, reside em Vitória da Conquista desde 2012. Formado em Letras pela UFBA, E Mestrado em Memoria: Linguagem e Sociedade, pela UESB. Professor de Literatura Brasileira. Edita o blog Guerra e Poesia: andreguerraepoesia.blaogspot.com
GUERRA, André. Casa de espelhos. Vitória da Conquista, BA: Edições UESB, 2013. 106 p. 15x22 cm. ISBN 978-85-7985-055-4 “Orelha” do libro escrita por José Inácio Vieira de Melo. Col. A.M.
Metonímico
Diz-me o que me transborda
O bordado que não cessa
Porque não cabe num copo
A linha que me atravessa
E na fazenda marcada
Sua virgem tez derramada
Desnuda o ponto na sobra
Desdobra o copo nas águas.
Poema crónico #1
estamos tão instantaneamente
ligados.
o ar quase pesado
quase em contato
quase olfato quase tato
amores em pele e osso e concreto
homens de fibra ótica
de vidro de carbono
mulheres de cristal líquido
entre o sangue e o silício
um soluço
não há mais segredo nem sagrado
só as grades desse descampado
terreno baldio das casas vazias
face a face
somos livros fechados:
capa e contracapa nos traduzem
Casa de espelhos
Padece o poeta aos pedaços,
no espelho límpido das águas.
José Inácio Vieira de Melo
A verdade absurda da casa de espelhos
Multiplica sussurros em verso e reverso
Em palavra infinita se faz fingimento
E deveras revela-se em gozo e tormento
Esse espelho me espalha quando sou pedaço
E reflito esse lago, Narciso às avessas
De uma líquida areia entre os dedos escorro
E rebato a luz fria no espectro de sangue
As pupilas abertas de máscara em mãos
Rodam menos moinhos que as águas olvidas
Quantas vidas se escondem nos vãos dessa casa
Flutuando num lago de águas correntes
Sem tranca essa casa entrançada em sua rua
Anda nua nas veredas em que se esconde
Nos espelho da casa apontados pra dentro
Cacos montam-se em mudos mosaicos que gritam
As verdades espelham-se em amplos sorrisos
E em lágrimas amargas se liquidificam
Versos entram na casa e sentam-se à mesa
Falam alto, riem, comem, bebem, se fartam
Tomam nota, cobram caro, esvaziam veias
Sangram pêlos poros, esvoaçam cabelos
Desfazem novelos em densos labirintos
Agrestes, famintos, dilaceram-me a carne
Revelam-me no espelho partido e refeito
Em minhas retinas renovam sonhos velhos
Minha imagem reversa entre versos retorna
Me envereda em mim mesmo e me arranca a verdade
A verdade no espelho reflete o inverso
A verdade no verso é uma casa de espelhos
Escombros
guardei meu sorriso entre os escombros
de uma casa em ruínas, em minha rua
esse cheiro de sangue seco é tanto
e esses olhos de alumínio sobre os ombros
minha rua margeada de ruínas
(e ruínas não tem tempo para ser)
deixa ver o amarelo dos sorrisos
entre as grades, nas latas, entre os dedos
bebe o sangue a terra seca dessa rua
inundada de água e sal enxofre e óleo
minha casa é essa rua ( não há outra)
me consola o grito rouco de uma lua
que disfarça a capa preta e matadora
dos escombros dessa casa em que me encolho
Página publicada em dezembro de 2013
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