Foto: Felipe Brasil / Gazeta de Alagoas
MARCOS DE FARIAS COSTA
Nasceu em Maceió, Alagoas. Formado em Psicologia, nunca exerceu a carreira, preferindo optar pela poesia. Fez cursos extracurriculares de tradução e língua alemã. Compositor bissexto, com prêmios e reconhecimentos.
Obra poética: O amador de sonhos (1982), Ócios do ofício (1984), A quadratura do círculo (1991), A comédia de Eros (1997).
Os poemas foram extraídos de obras doadas pelo poeta Aricy Curvello à Biblioteca Nacional de Brasília. No caso dos textos do livro A Comédia de Eros, havia uma nota ao final em que o doador, que é também um estudioso de nossa poesia, em que assinalava as páginas em que estão os poemas que ele elogiou, em carta, ao autor. Os três primeiros foram, portanto, de sua escolha...
A COMÉDIA DE EROS
(poemas galantes)
(Maceió: Edição do Autor, 1997)
JARAGUÁ
Ouvia Jurame,
a caminho da zona;
punham pedra-ume
pra vedar a cona.
Juventude perdida
toda sem firmeza,
por delicadeza
eu perdi a vida.
Em Jaraguá,
bairro das perdidas
fiz amor no mar
por trezentas vidas.
Nos puteiros
e prostíbulos
torrei dinheiro
e testículos.
Pobre juventude
toda arrependida:
gorda cornitude
magra Margarida.
PSIU! ELA ESTÁ GOZANDO
Seu corpo se crispa
seus olhos se nublam
perde o comando:
ela está gozando.
Seus pés se retorcem
seu ventre impa
tem o roso pando:
ela está gozando.
Sua carne arde
sua boca queima
sua voz sem mando:
ela está gozando.
Seus seios suam
suas mãos explodem
o ser em desmando:
ela está gozando.
Súbito, a paz
ilumina o mundo:
ela se refaz
do gozo profundo.
PRESENTE DA GALANTERIA
Por todo o bem que eu te fiz
(estando em débito comigo)
deu-me um presente infeliz,
que nem se dá a um inimigo.
“Presente de galanteria!”
Disse-me, cínica, tal atriz:
uma incurável blenorragia,
mais quatro cruzes de sífilis!
OS BAGOS DA FÉ
Eu juro
pelos pentelhos da Virgem
que o meu futuro
é pura vertigem.
Eu prometo
pelas barbas de Maomé
botar cianureto
no teu café.
Eu garanto
pelas trombetas de Jericó
que o meu canto
supera a clave de dó.
Eu testemunho
sem cruzar os dedos
que o mês de junho
não tem segredos.
Eu asseguro
por meus testículos
que não aturo
quaisquer versículos.
Eu abjuro
todas as juras
todos os muros
e sepulturas.
DOCE ESTILO NOVO
São Paulo: Barcarola, 2000)
GOLPE
A hora do gesto
o grito e a manhã
A vida na rua
perigosa e nua
O sonho e o beijo
relíquia e saque
O elo que mantém
criaturas debalde
A via e a vida
no cíclico mar
A hora da hora
eternamente agora
DESNUDEZ
Dispa o coração
até a rude emoção.
Abra bem o peito
sem nenhum respeito.
Desnude a alma
com facínora calma.
Tire toda a roupa
o Ser é uma estopa.
Seja a nudez exata
de sua amável mata.
Materialmente nua
a vida estua.
Completamente despida
extrema-se a vida.
Pois só os nus e os santos
são assim tantos.
JAMES JOYCE
James Joyce carregava Dublin,
como eu carrego Maceió em mim.
Aqui todos os açúcares e areias,
untam Ulysses: episódio das sereias.
A genialidade da alma jesuíta
revém. Genealogia da escripta.
Coisa com coisa — obra em marcha:
o universo lingüístico se encaixa.
Joyce era gamado por música,
I am a polaridade acústica.
Joyce era cego e via Homero.
Sou vários homens e o invero
Vetor da poesia. Ficção?
Fuga per canonem. Canto chão.
Joyce bêbedo puro pornógrafo,
Amante perverlírico polígrafo.
Jewgreek in greekjew. (Bloom,
Yesim, silèncio, sim, Sins, yesnoon.)
Dublar Dublin? Trilagoas, entimemática.
Maceió, Ítaca, Eldorado, Nausicaa.
Tanta sedução doente seja acedia:
Translúcida infinita melodia.
Soneto participante
Contemplando a foto do casamento de
Laura e Otávio Brandão, na sede do
PCB, em Maceió.
Otávio Brandão também amou Laura,
tal qual Petrarca — e escreveu sonetos,
plenos de amor em tons da mesma aura,
dos versos italianos e vênetos.
E o ar tremia ante a paixão avara
daqueles magníficos quartetos,
e mais ainda àquela avidez rara,
de luz esculpida nos tercetos.
E Laura mede o mundo, muda o homem,
e o militante anarquista se armou
com a brigada de sua ambígua fome.
Ambos unidos por mesmo ideário,
avançam a metafísica do amor,
pela causa final do proletário.
A primeira soda
ninguém esquece
É bom pró poeta
e seus biógrafos
morrer na sarjeta
dos autógrafos.
Se a tuberculose
saiu da moda,
peça uma soda,
com cirrose.
Poeta púbico
ainda vá lá -
mas "público"
é de lascar.
Poesia só serve
para epitáfio:
toda uma verve
de cenotáfio.
A única função
da poesia
é a autofornicaçâo.
Mas, quem diria?...
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