REINALDO FERREIRA
Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira (Barcelona, 20 de Março de 1922; Lourenço Marques, 30 de Junho de 1959) foi um poeta português que realizou toda a sua obra em Moçambique.
Filho do célebre Repórter X, Reinaldo Ferreira chega a Lourenço Marques em 1941, finaliza o 7º ano do liceu e ingressa como aspirante no Quadro Administrativo da Colônia, tendo subido até Chefe de Posto.
Os primeiros poemas começam a ser publicados nos jornais locais ou em revistas de artes e letras. Adapta para a rádio peças de teatro e, mais tarde, colabora no teatro de revista. Autor da letra de canções ligeiras, entre as quais Kanimambo, Uma Casa Portuguesa e Piripiri.
Em 1959 é-lhe detectado cancro do pulmão e morre em Junho desse ano. Não editou nenhum livro em vida. A coletânea dos seus poemas surgiu em 1960.
António José Saraiva e Óscar Lopes compararam-no ao poeta Fernando Pessoa, realçando «o mesmo sentir pensado, a mesma disponibilidade imensamente céptica e fingidora de crenças, recordações ou afectos, o mesmo gosto amargo de assumir todas as formas de negatividade ou avesso lógico».
Obra: Poemas (único livro, publicado postumamente)
1ª ed. 1960, Imprensa Nacional de Moçambique, Lourenço Marques; 2ª ed. 1962, Portugália, Lisboa; 3ª ed. 1998, Assírio Bacelar, Ed. Vega, Lisboa.
Fonte: wikipedia
MENINA DOS OLHOS TRISTES
Menina dos olhos tristes,
O que tanto a faz chorar?
O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.
Senhora de olhos cansados,
Porque a fatiga o tear?
O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.
Vamos, senhor pensativo,
Olhe o cachimbo a apagar.
O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.
Anda bem triste um amigo.
Uma carta o fez chorar.
O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.
A lua, que é viajante,
E que nos pode informar.
O soldadinho não volta
Do outro lado do mar.
0 soldadinho já volta,
Está quase a chegar.
Vem numa caixa de pinho.
Desta vez o soldadinho
Nunca mais se faz ao mar.
RECEITA PARA FAZER UM HEROI
Tome se um homem.
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne.
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.
LÍRICAS PORTUGUESAS. II Volume. Seleção e apresentação de Jorge de Sena. Lisboa, Portugal: Edições 70, 1983. 448 p. 13,5x20 cm.
A FERNANDO PESSOA
(ELE MESMO)
Cada verso é uma esfinge ter falado.
Mas quanto mais explícito ela o diz,
Mais tudo permanece inexplicado
E menos se apreende o que ela quis.
Erra um sussurro, tão etéreo e alado
Que nem mesmo silêncio o contradiz.
E o ouvi-lo, ou ávido ou irado
Na busca dum segredo sem raiz,
É como se em pensar — um descampado —
Passasse fugitiva e intensamente
O Tempo todo inteiro projectado
E a sombra ali marcasse, na corrente
Do nada para o nada, inda passado
E já futuro, a ficção do presente.
“DOMINA-ME UM TERROR...
Domina-me um terror incoerente
Do Nada, de final insensação...
Por isso creio em Deus com Fé demente,
Por medo, por defesa, com paixão.
Se busco todavia uma razão
Que fortaleça a Fé de que sou crente,
Tortura-me o saber que tudo é vão,
Que tudo se aniquila finalmente,
Que tudo se transmuta e se transforma
E que perdura apenas noutra forma
Aquilo que no mundo é material.
Concebo que isto tudo tenha um fim.
Só não concebo o que será de mim,
Cumprido o meu degredo terreal.
EPITÁFIO A UMA CAPRICHO MORTO
Amei,
Não QUEM busquei,
Mas o que achei.
O mesmo acaso
Que nos cruzou,
Nos separou.
Assim
O fim
Estava em mim,
túmulo e berço
Do sempre engano
Par’onde vou.
Página publicada em janeiro de 2016; amapliada em agosto de 2016.
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