WALDIR ARAUJO
nasceu em 1971, na Guiné-Bissau. Desde muito cedo que mostra interesse pela literatura. Em 1985 vence um prémio literário no Centro Cultural Português de Bissau que lhe concede a sua primeira viagem a Portugal, onde prosseguiu os estudos. Freqüenta o curso de Direito em Lisboa, que acaba por abandonar, para abraçar o Jornalismo. Desde 1996 que é jornalista, exercendo atualmente a profissão na RTP, Rádio e Televisão de Portugal - Canal África.
Em Fevereiro de 2008 publica o seu primeiro livro, uma recolha de contos intitulado "Admirável Diamante Bruto e Outros Contos" que veio apresentar na 27ª Feira de Livro de Brasília. Tem vários textos, prosa e poesia publicadas dispersamente em revistas e jornais literários de Portugal e Brasil.
Participou da I BIENAL INTERNACIONAL DE POESIA DE BRASÍLIA, de 3 a 7 de setembro de 2008.
Raiar
Desabrochei nas vésperas do cântico da liberdade
Cresci pueril emaranhado nos ecos de uma epopeia
Acreditando por ser acreditar a grande verdade
Entoei os cânticos de louvor à morte da centopeia
O tempo emprestou-me a tenacidade da dúvida
E do tempo, aliado me fiz e da dúvida a espada
Segui os rastos da vontade de entender tal vida
A realidade vislumbrou-me uma dureza pasmada
Questionei os dogmas para saber mais além
Cruzei saberes e dissabores na alma atormentada
E do além ainda distante, do saber muito aquém...
Exorcizei com versos a tormenta alimentada
No presente, nada mais é do que o não adquirido
Nada mais se disfarça para dúvidas semear
No presente, não mais vago é o caminho escolhido
Ladeando a realidade sim, com o sonho no limiar
Despertar
Ergui a taça do vinho e num só gole
Traguei a essência das palavras, engoli
Gota-a-gota as frases deslizaram-se adentro
Sereno, repudiei as faces carentes de alento
Ergui a voz e soltei as frases dilacerantes
As palavras que ansiavam, escutaram, inertes.
Os gestos imobilizaram-se, olhares húmidos!
Do verbo, deslizei-me então nos gerúndios:
Querendo, lutando, acreditando, negando
Provoquei, invocando o medo sonegado
Dos murmúrios pedi barulho, agitação
Dos olhares vagos se projectaram acção
Ergui o olhar e vislumbrei um céu nubloso
O prenúncio de uma noite no fundo do poço
Invoquei as divindades num parco discurso
E fez-se luz! Escolhemos outro percurso!
ÍMPAR
Certezas são âncoras de um forte querer
razões que me levam a não seguir por aí
a seguir distante de tudo, perto de mim
PODER!
poder é não hesitar e partir
enfrentar os trilhos da indiferença
que rotulam os desalinhados e ser
SER!
ser assim e daqui distante
estar aqui sem unanimidade
ser singular para não rimar
QUERER!
querer o impossível e realizar
abraçar o diferente sem medo
na presença entre iguais, ser ímpar!
Iniciação do Ser
Rasga os pergaminhos
Rompe com os mesquinhos
Inverte esta desordem
Cães ruidosos não mordem
Vento, sopra de avesso
Sem poeira nem arremesso
Todo esse querer é livre
Livre, com garras de tigre
Entoa o tal cântico
Que desafia o mítico
Atravessa o deserto
Vai, destino incerto
Revoluciona o tal verbo
Da palavra, torna-te servo
Do horizonte, fita o futuro
Por fim, salta do muro!
Murmúrios
Dizem que são murmúrios os ecos
que chegam do fundo deste mar
São palavras soltas aos ventos
frases melódicas para somar
Murmúrios que escondem feitiços
segredos e estórias por desmontar
São lamentos de cores mestiços
São sombras desenhadas ao luar
No fundo deste mar o silêncio fala
grita e clama como a força das marés
Não longe essa voz alguém embala
Não longe os ecos se escutam no convês
No fundo deste mar há tormentos
Há vontade de um silêncio romper
Querer e vontade não são lamentos
No fundo, este mar esconde um poder!
Página publicada em setembro de 2008
|