Home
Sobre Antonio Miranda
Currículo Lattes
Grupo Renovación
Cuatro Tablas
Terra Brasilis
Em Destaque
Textos en Español
Xulio Formoso
Livro de Visitas
Colaboradores
Links Temáticos
Indique esta página
Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Fonte:  http://odiaquepassa.blogspot.com

 

 

JORGE BARBOSA

(1902-1971)

 

 

Jorge Vera-Cruz Barbosa nasceu na Ilha de Santiago, Cabo Verde, em 1902. Faleceu em Cova da Piedade, Portugal, em 1971. Foi funcionário público. Um dos membros mais importantes do movimento Claridade.

Publicou: Arquipélago. São Vicente: Cabo Verde, 1936; Ambiente. Praia: Cabo Verde, 1941. Caderno de um Ilhéu. Lisboa: 1956.

 

 

PRELÚDIO

 

Quando o descobridor chegou à primeira ilha

nem homens nus

nem mulheres nuas

espreitando

inocentes e medrosos

detrás da vegetação.

 

Nem setas venenosas vindas do ar

nem gritos de alarme e de guerra

ecoando pelos montes.

 

Havia somente

as aves de rapina

         de garras afiadas

as aves marítimas

         de vôo largo

as aves canoras

         assobiando inéditas melodias.

 

E a vegetação

cujas sementes vieram presas

nas asas dos pássaros

ao serem arrastados para cá

pelas fúrias dos temporais.

 

Quando o descobridor chegou

e saltou da proa do escaler varado na praia

enterrando

o pé direito na areia molhada

 

e se persignou

receoso ainda e surpreso

pensa n´El-Rei

nessa hora então

nessa hora inicial

começou a cumprir-se

este destino ainda de todos nós.

 

 

VOCÊ: BRASIL

 

Eu gosto de você, Brasil,

porque você é parecido com a minha terra.

Eu bem sei que você é um mundão

e que a minha terra são

dez ilhas perdidas no Atlântico,

sem nenhuma importância no mapa.

Eu já ouvi falar de suas cidades:

A maravilha do Rio de Janeiro,

São Paulo dinâmico, Pernambuco, Bahia de Todos-os-Santos.

Ao passo que as daqui

Não passam de três pequenas cidades.

Eu sei tudo isso perfeitamente bem,

mas Você é parecido com a minha terra.

 

E o seu povo que se parece com o meu,

que todos eles vieram de escravos

com o cruzamento depois de lusitanos e estrangeiros.

E o seu falar português que se parece com o nosso falar,

ambos cheiros de um sotaque vagaroso,

de sílabas pisadas na ponta da língua,

de alongamentos timbrados nos lábios

e de expressões terníssimas e desconcertantes.

É a alma da nossa gente humilde que reflete

A alma das sua gente simples,

 

Ambas cristãs e supersticiosas,

sortindo ainda saudades antigas

dos sertões africanos,

compreendendo uma poesia natural,

que ninguém lhes disse,

e sabendo uma filosofia sem erudição,

que ninguém lhes ensinou.

 

E gosto dos seus sambas, Brasil, das suas batucadas.

dos seus cateretês, das suas todas de negros,

caiu também no gosto da gente de cá,

que os canta dança e sente,

com o mesmo entusiasmo

e com o mesmo desalinho também...

As nossas mornas, as nossas polcas, os nossos cantares,

fazem lembrar as suas músicas,

com igual simplicidade e igual emoção.

 

Você, Brasil, é parecido com a minha terra,

as secas do Ceará são as nossas estiagens,

com a mesma intensidade de dramas e renúncias.

Mas há no entanto uma diferença:

é que os seus retirantes

têm léguas sem conta para fugir dos flagelos,

ao passo que aqui nem chega a haver os que fogem

porque seria para se afogarem no mar...

 

Nós também temos a nossa cachaça,

O grog de cana que é bebida rija.

Temos também os nossos tocadores de violão

E sem eles não havia bailes de jeito.

Conhecem na perfeição todos os tons

e causam sucesso nas serenatas,

feitas de propósito para despertar as moças

que ficam na cama a dormir nas noites de lua cheia.

Temos também o nosso café da ilha do Fogo

que é pena ser pouco,

mas — você não fica zangado —

é melhor do que o seu.

 

Eu gosto, de Você, Brasil.

Você é parecido com a minha terra.

O que é é tudo e à grande

E tudo aqui é em ponto mais pequeno...

Eu desejava ir-lhe fazer uma visita

mas isso é coisa impossível.

Eu gostava de ver de perto as coisas

espantosas que todos me contam

de Você,

de assistir aos sambas nos morros,

de esta cidadezinha do interior

que Ribeiro Couto descobriu num dia de muita ternura,

de me deixar arrastar na Praça Onze

na terça-feira de Carnaval.

Eu gostava de ver de perto um lugar no Sertão,

d de apertar a cintura de uma cabocla — Você deixa? —

e rolar com ela um maxixe requebrado.

Eu gostava enfim de o conhecer de mais perto

e você veria como é que eu sou bom camarada.

 

Havia então de botar uma fala

ao poeta Manuel Bandeira

de fazer uma consulta ao Dr. Jorge de Lima

para ver como é que a poesia receitava

este meu fígado tropical bastante cansado.

Havia de falar como Você

Com um i no si

— “si faz favor —

de trocar sempre os pronomes para antes dos verbos

— “mi dá um cigarro!”.

 

Mas tudo isso são coisas impossíveis, — Você sabe?

Impossíveis”.

 

 

CASEBRE

Foi a estiagem

E o silêncio depois

Nem sinal de planta
nem restos de árvore
no cenário ressequido da planície.

O casebre apenas

de pedra solta

e uma lembrança aflitiva

 

O teto de palha

levou-o

a fúria do sueste.

 

Sem batentes

as portas e as janelas

ficaram escancaradas

para aquela desolação.

 

Foi a estiagem que passou.

 

Nesses tempos

não tem descanso

a padiola mortuária da regedoria.

 

Levou primeiro

o corpo mirrado da mulher

com o filho nu ao lado

de barriga inchada

que se diria

que foi de fartura que morreu.

O homem depois

com os olhos parados

abertos ainda.

 

Tão silenciosa a tragédia das secas nestas ilhas!

Nem gritos nem alarme

— somente o jeito passivo de morrer!

 

No quintal do casebre

três pedras juntas

três pedras queimadas

que há muito não serviram.

 

E o arco do ferro do menino

com a vareta ainda presa.

 

 

POEMA DO MAR

 

O drama do Mar,

O desassossego domar,

                   sempre

                   sempre

                   dentro de nós!

 

O Mar!

cercando

prendendo as nossa Ilhas!

Deixando o esmalte do seu salitre nas faces dos pescadores,

Roncando nas areias das nossas praias,

Batendo a sua voz de encontro aos montes,

baloiçando os barquinhos de pau que vão Poe estas costas...

 

O Mar!

pondo rezas nos lábios,

deixando nos olhos dos que ficaram

a nostalgia resignada de países distantes

que chegam até nós nas estampas das ilustrações

nas fitas de cinema

e nesse ar de outros climas que trazem os passageiros

quando desembarcam para ver a pobreza da terra!

 

O Mar!

a esperança na carta de longe

que talvez não chegue mais!

 

O Mar!

Saudades dos velhos marinheiros contando histórias de tempos passados,

Histórias da baleia que uma vez virou canoa...

de bebedeiras, de rixas, de mulheres,

nos portos estrangeiros...

 

O Mar!

dentro de nós todos,

no canto da Morna,*

no corpo das raparigas morenas,

nas coxas ágeis das pretas,

no desejo da viagem que fica em sonhos de muita gente!

 

Este convite de toda a hora

que o Mar nos faz para a evasão!

Este desespero de querer partir

         e ter que ficar!

 

 

 

*Morna – música dolente de Cabo Verde.

 

 

Extraídos de

BARBOSA, Rogério Andrade. No ritmo dos tantãs; antologia poética dos países africanos de língua portuguesa;  Brasília: Thesaurus, 1991. 165 p. 

 

Página publicada em maio de 2008, com a autorização da Thesaurus.

 

 

Voltar para o topo da página Voltar para poesia Cabo Verde

 

 

 
 
 
Home Poetas de A a Z Indique este site Sobre A. Miranda Contato
counter create hit
Envie mensagem a webmaster@antoniomiranda.com.br sobre este site da Web.
Copyright © 2004 Antonio Miranda
 
Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Home Contato Página de música Click aqui para pesquisar